A presença portuguesa em Brasília
Brasília foi um milagre que ficou atribuído ao criativo e patriota Juscelino Kubitschek, que ordenou o projeto que as circunstâncias políticas do Brasil não lhe consentiram seguir completamente. Encontrei-o pela primeira vez isolado, por acaso, em Boston, onde passeava esperando pelas horas de apanhar o avião para o Rio, onde queria submeter-se à tentativa, falhada, de o envolverem em acusação da sua honestidade pela revolução. Não voltou a Brasília. Depois de morrer, por causa do estranho desastre de atropelamento, encontraram lugar para o repousar na sua histórica criação. Tendo estado aqui em Portugal, antes de se efetivar a posse, observaram-lhe oficialmente que a cidade era projeto para dezenas de anos, e foi respondido que pessoalmente tinha o tempo do seu mandato. Os vivos da época não esqueceram o desafio que o lugar representava: falta de água, de saneamento, de assistência. Quem hoje visita o milagre não pode deixar de admirar o talento dos que aderiram ao projeto.
Uma das mais importantes exceções foi a universidade, com os meios necessários para desenvolver a capacidade nacional. Neste projeto leva um sonho frustrado do doutor Agostinho da Silva que deixou exemplo de talento perante as exigências da época, e a impossibilidade que sofreu, sendo um ativíssimo colaborador do projeto presidencial, quando teve a ideia de enriquecer o espaço científico e cultural com um excelente projetado Centro da Língua, Literatura e Ciência do Património Português. Sendo um especial e respeitado colaborador do notável projeto que o governo brasileiro executou, e sendo ele um inspirado criador, obteve no espaço universitário um vasto terreno, no qual seria construída pelo governo português a biblioteca que seria expressão do património português na história do Brasil. No longo entretanto que a vasta construção de Brasília procurava, começou por conseguir uma biblioteca portuguesa, que em si mesma correspondeu à qualidade e exigência da Universidade de Brasília. Para isso, e enquanto esperava que a construção do edifício no terreno, seria aceite pelo governo, conseguiu que o seu amigo Almerindo Lessa obtivesse a generosidade que incluísse o interesse das editoras portuguesas. A adesão foi extraordinária, uma festa vasta e significativa tornou visível a forte qualidade das doações.
Os anos passaram e, num dia de visita a Brasília, recebi um convite para jantar com Agostinho da Silva. No vasto terreno estava construído um pequeno barraco de madeira com capacidade para, se bem me lembro, dez colaboradores de Agostinho. Guardou uma fraga que servia de mesa, e Agostinho explicou que assim era a salvaguarda do terreno, do qual a memória da reconstrução brasileira. A biblioteca sonhada teve de ser integrada na Biblioteca da Universidade. Não era a primeira vez que os sonhos de Agostinho da Silva eram impedidos. Regressou idoso a Portugal, vivendo com a companhia de uma gata, perto do Príncipe Real. Com uma reunião frequente dos amigos e jovens que se juntavam para o escutar, relembrado no que evidentemente se mostrava uma evolução do mundo em mudança, Nunca desistiu de recomendar que, em cada lugar onde desapareceu a presença colonial, mantida a língua portuguesa, a construção de um centro garante do saber e da investigação. A solidariedade dos países de língua portuguesa, separados pelo mundo, mostrava valores herdados, sendo que não possuem recursos de os projetos serem apenas deles, mantendo-se solidários, com justiça, razão e memória. O projeto é mais vasto mas faz lembrar o Agostinho da Silva. A 17 de julho de 1996, em Lisboa, realizou-se a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo que marcou a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entidade reunindo Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Seis anos mais tarde, em 20 de maio de 2002, com a conquista de sua independência, Timor-Leste tornou-se o oitavo país membro da comunidade. Depois de um minucioso processo de adesão, em 2014, a Guiné Equatorial tornou-se o nono membro de pleno direito.
A reunião deste grupo de Estados - situados em quatro continentes e englobando mais de 230 milhões de pessoas - consolidou uma realidade já existente, resultante da tradicional cooperação Portugal-Brasil e dos novos laços de fraternidade e cooperação que, a partir de meados da década de 1970, se foram criando entre estes dois países e as novas nações de língua oficial portuguesa. A institucionalização da CPLP traduziu, assim, no aviso oficial, um propósito comum: projetar e consolidar, no plano externo, os especiais laços de amizade entre os países de língua portuguesa, dando a essas nações maior capacidade para defender os seus valores e interesses, apoiados sobretudo na defesa da democracia, na promoção do desenvolvimento e na criação de um ambiente internacional mais equilibrado e pacífico. O Agostinho não deve ter sido esquecido.