A rodagem de Os Inadaptados, entre julho e novembro de 1960, sobretudo no estado norte-americano do Nevada, serve como fonte inesgotável para aqueles que gostam de aplacar a sede de "mitos e lendas" relacionados com o cinema. Realizado pelo já experiente John Huston, que se estreara 20 anos antes em Relíquia Macabra e deixara a sua marca em A Rainha Africana ou Moby Dick, entre outros, deu direito a quase tudo: apresentou um argumentista consagrado, o dramaturgo Arthur Miller, à mulher e protagonista feminina, Marilyn Monroe - mas o casamento não sobreviveu às filmagens. Por causa de Marilyn e de Montgomery Clift, muito debilitado, registou a presença diária e permanente de um médico, para o que desse e viesse. Mesmo assim, a produção esteve parada duas semanas para que a loura de Niagara cumprisse uma cura acelerada de desintoxicação. Thelma Ritter, outra das atrizes, foi internada por conta da "exaustão", quando o trabalho foi dado por concluído..O veterano Clark Gable - que confessou, no último dia no cenário, estar muito aliviado porque Marilyn quase lhe tinha provocado um ataque cardíaco - acabou por morrer, ainda antes da estreia do filme... de um ataque cardíaco. A sua viúva (e quinta mulher), Kay Williams, foi perentória na acusação à atriz, que culpou da morte de Gable, pelo stress causado por Marilyn, sempre atrasada, mal preparada para os diálogos e responsável pela prolongada interrupção do plano de trabalhos. Segundo Nigel Cawthorne, um caçador de escândalos, autor de Sex Lives of the Hollywood Godesses, a própria Monroe estava perturbada com a proximidade face a Gable, seu ídolo de juventude, atribuindo-lhe, e em discurso direto, a seguinte confissão: "Sempre que o via aproximar-se só desejava que ele me beijasse, me beijasse infinitamente. Nunca antes me tinha esforçado tanto para seduzir um homem.".A mulher que cantou o mais sensual dos Parabéns a Você dedicados a um presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, voltou agora às bocas do mundo, quando uma nova biografia, de Charles Casillo, veio confirmar que os 45 segundos em que Marilyn deixava cair um lençol e ficava completamente nua diante de Gable foram preservados pelo produtor Frank Taylor. Cawthorne volta ao ataque, atribuindo à protagonista da cena as seguintes declarações: "Fiquei tão excitada quando ele me beijou que tivemos de repetir a cena várias vezes. Depois o lençol caiu-me e, ao sentir a sua mão no meu peito, fiquei com a pele toda arrepiada." Verdade ou fantasia, o certo é que foi o próprio John Huston quem mandou cortar a sequência, para evitar problemas com os grupos mais moralistas e com o famigerado Código Hays, então ainda em vigor e respeitado na sua lista de rígidas regras sobre o que podia ou não aparecer nos filmes. Marilyn nua? Claro que não podia, muito embora no seu capítulo seguinte, que não concluiu (morreu a 5 de agosto de 1962), a atriz assumisse um nu integral numa cena de piscina. Dirigido por George Cukor, que nem tinha fama de arrojado ou subversivo, Something"s Got to Give nunca seria terminado. Como se uma maldição tivesse realmente tombado sobre a nudez de Marilyn Monroe, ao menos no cinema..Do natural ao pecado.Tal como Adão e Eva só passaram a utilizar a parra para se cobrirem, ao ganharem consciência de que estavam nus depois de pecarem, o cinema começou por aceitar a nudez como aceitável, se não natural. Um dos "pais fundadores", o francês Georges Meliès, dirigiu Après le Bal, com um minuto de duração, em que a atriz Jeahnne d"Alcy é auxiliada por uma criada a despir-se, depois do baile. Tudo termina num minuto, literalmente. Nos Estados Unidos, há um nome que ressalta nos primórdios, o de Audrey Munson, que haveria de morrer aos 104 anos (em 1996): ela foi a estrela de Inspiration (de George Foster Platt, 1915) e de Purity (de Rae Berger, 1916), em que basicamente repetia o papel de modelo praticante do nu artístico, naquilo a que o léxico cinematográfico chamaria um tableau vivant. Munson diria, em claro avanço à sua época: "Detesto a modéstia e a falsidade. Não vejo nada de chocante num corpo nu." O mesmo terá pensado Lois Weber, quando dirigiu Hypocrites (1915), considerado fortemente anticlerical quando um monge é persistentemente seguido por uma figura translúcida (truque inovador) de uma mulher nua (Margareth Edwards). Se dúvidas restassem, esta disponibilidade para o nu acabaria ainda por ser caucionada por um dos primeiros grão-mestres, D.W. Griffith, que no épico Intolerance (1916), com extensos 210 minutos de duração, abriu portas à nudez em vários momentos, mesmo recorrendo ao truque dos véus, capazes de dissimular mas não de esconder. Neste particular, Betty Blythe, a estrela de A Rainha do Sabá (1921), foi elucidativa, depois de 27 trocas de roupa no filme: "Mesmo que usasse toda a roupa ao mesmo tempo, não conseguiria aquecer...".Hollywood escapava entre as gotas da chuva ácida da reprovação moral, anunciando produções de carácter "etnográfico" - o retrato de usos e costumes "exóticos" garantia que a ausência de roupa era a melhor forma de não truncar "realidades". Algumas das divas pareciam fazer gala na transgressão que ainda não o era, caso de Clara Bow, que, em 1927, se deixava surpreender nua da cintura para cima em Asas (de William A. Wellman) e aproveitava a condição de "nativa havaiana" para se passear muito à vontade em Hula (de Victor Fleming). Nesse mesmo ano, o paraíso passava a purgatório quando um "código de conduta" - mais tarde popularizado como o Código Hays - começou a ser estudado para aplicação aos filmes que saíssem dos grandes estúdios de produção. As suas normas previam proibições absolutas, como a "nudez, de facto ou insinuada", a "insinuação de perversões sexuais", a "higiene sexual e as doenças venéreas" (forma de travar as derivas "documentais" que também apontavam à utilização do nu), entre outras; por outro lado, o forte incentivo a "cuidados extremos" na exibição de "venda de mulheres ou venda da sua virtude por uma mulher", "violação ou tentativa de violação", "consumação do casamento" ou a presença de "homem e mulher juntos na cama". Malha apertada, portanto..Publicado a 19 de fevereiro de 1930 pela revista Variety, o Código Hays não revelou grande eficácia na aplicação dos primeiros tempos. Mas, depois do nu aquático de Dolores Del Rio em Ave do Paraíso (1932, de King Vidor) e da série de "ultrajes" reunida em Êxtase, filme checoslovaco de 1933 (cinco anos antes de a atriz conquistar Hollywood), que tinha como vedeta a muito jovem Hedy Lamarr e a que é atribuído a primeira representação do orgasmo feminino na tela, tudo se extremou. Com o papa Pio XII a denunciar a obra que fez emergir a jovem austríaca, com os protestos muito semelhantes na América conservadora e na Alemanha nazi, acabou por ser criado mais um poder paralelo de enorme influência: a Catholic Legion of Decency (à letra: Legião Católica da Decência). A partir de 13 de junho de 1934, com a chegada à presidência da Production Code Administration (PCA) de Joseph Breen, católico, ficou estabelecido que todos os filmes passariam a precisar de um selo de aprovação daquela entidade..Antes que os ventos adversos se tornassem impossíveis de combater, houve algumas acelerações de produção para escapar às novas normas. Aconteceu com o realizador Cecil B. De Mille - que passou à história como o cineasta de O Rei dos Reis, Sansão e Dalila e, sobretudo, Os Dez Mandamentos - que fez questão de se despedir do nu em Four Frightened People e na sua versão de Cleopatra, ambos de 1934 e ambos com Claudette Colbert. Dois anos antes, De Mille dirigira O Sinal da Cruz, que os estudiosos assinalam como o filme que apresenta a primeira cena lésbica de Hollywood, com as atrizes Elissa Landi e Joyzelle Joyner. Os "censores" tentaram em vão que o autor cortasse voluntariamente essa cena. Perante a recusa deste, avançaram unilateralmente para a sua supressão, aproveitando ainda para "eclipsar" parte do banho de Colbert. Também para a "despedida", Johnny Weissmuller teve oportunidade de nadar com uma mulher completamente despida, em Tarzan e a Companheira (ainda de 1934). A sua parceira, nesse momento, não é a atriz Maureen O"Sullivan, que assume o papel de Jane, mas sim a nadadora olímpica Josephine McKim. Ainda assim, à cautela, a produção filmou três versões diferentes (nu integral, parcial e numa espécie de fato de banho), antecipando os protestos da Legião Católica..Quem já não escapou à fúria restritiva foi mesmo Jane Russell, a vedeta pulpeuse "descoberta" por Howard Hughes - tanto em A Terra dos Homens Perdidos (1943) como em A Moda Vem de Paris (1953) veria imagens suas imagens retiradas por utilização de decotes excessivos e "estratégicos". Ou seja, passava-se do que se via... ao que podia ver-se. Acaba por não espantar, assim, a decisão de John Huston em deixar cair o lençol caído de Marilyn. Para que conste, o Código Hays foi abandonado de vez em 1968 - há precisamente meio século. Mas, cinco anos antes, já o anúncio ao filme Promises... Promises!, com a bombástica Jayne Mansfield, se baseava em duas palavrinhas apenas: completely nude. Dispensa tradução, embora se trate de publicidade enganosa: Mansfield surge apenas em topless. O resto só em fotografias de estúdio. Mas a ficção é mesmo assim.