A "onda" Ayuso, o adeus de Iglesias e a nova oposição de esquerda

No rescaldo das eleições regionais, o Partido Popular tenta que os resultados tenham uma leitura nacional, enquanto que o PSOE (que foi terceiro atrás do Más Madrid) lembra que a comunidade madrilena não é Espanha.
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O Partido Popular (PP) quer que a "onda" azul que foi a vitória de Isabel Díaz Ayuso nas eleições regionais de Madrid se transforme numa "maré" que se espalhará por toda a Espanha até chegar ao Palácio da Moncloa. Para isso, não deixa de lembrar que os socialistas do primeiro-ministro Pedro Sánchez passaram de ser a força mais votada em 2019 para o terceiro lugar, atrás da nova oposição de esquerda, o Más Madrid, de Íñigo Errejón.

Ainda no rescaldo da noite eleitoral, Pablo Iglesias disse adeus à política depois de um resultado incapaz de galvanizar a Unidas Podemos, enquanto o Ciudadanos de Inés Arrimadas continua em espiral descendente e fica de fora da Assembleia de Madrid.

Após ter duplicado o número de deputados regionais e ficar a quatro lugares da maioria absoluta nas eleições de terça-feira, Ayuso reforçou a sua posição como estrela em ascensão do partido, mas a proximidade ao líder do PP, Pablo Casado, não deixa para já antever uma vontade de voar mais alto. Ayuso, de 42 anos, formada em Comunicação, era quase desconhecida em 2019, tendo sido a escolha pessoal de Casado para a candidatura a Madrid. Agora, dois anos depois e com a pandemia de covid-19 pelo meio, é um nome incontornável.

Mesmo que Ayuso não tenha os olhos postos na liderança nacional do PP, a campanha que fez em Madrid obrigará a uma reflexão. Casado terá que decidir se quer endurecer o discurso - um dos lemas de Ayuso foi "comunismo ou liberdade" - de forma a atrair os potenciais eleitores do Vox (com quem a presidente da Comunidade de Madrid não tem problemas em pactuar). Ou se mantém a distância que traçou no debate sobre a moção de censura apresentada pela extrema-direita a Sánchez. "Não somos como você, porque não queremos ser como você", disse então ao líder do Vox, Santiago Abascal.

A verdade é que Ayuso conquistou os eleitores que há dois anos tinham votado Ciudadanos (que de terceiro partido mais votado perde toda a representação regional em Madrid) e travou um eventual crescimento do Vox, que subiu apenas cerca de 40 mil votos, conseguindo ganhar só um deputado.

Ao ter mais votos do que toda a esquerda junta, Ayuso não depende dos votos do Vox para ser investida (basta uma abstenção na segunda votação), mas Abascal já disse que pode contar com eles logo na primeira votação. E avisou Casado para não tirar conclusões a nível nacional (os dois partidos ficaram a menos de sete pontos percentuais nas eleições de 2019). A presidente da Comunidade de Madrid, por seu lado, não exclui convidar membros do Vox para o executivo (ou recuperar aqueles que conheceu do Ciudadanos nos últimos anos), dizendo que o que procura são bons gestores e só pedindo como "critério claro" que tenham "políticas sensatas".

Os resultados que a gestão de Ayuso alcançar em Madrid vão ditar se consegue manter o eleitorado que agora conquistou e se consegue que o resto do país a siga. "Espanha deve recuperar o seu rumo com o PP ao leme", disse ontem Casado. "É preciso converter a onda numa maré", acrescentou, procurando retirar frutos a nível nacional - apesar de o governo de coligação entre PSOE e Unidas Podemos não parecer em risco.

Os socialistas, que concorreram com Ángel Gabilondo, antigo professor universitário e ministro da Educação de 72 anos, tiveram o pior resultado de sempre. Admitindo que foi uma derrota que não esperavam, querem contudo evitar extrapolações para a política nacional. A mensagem é "Madrid é Madrid, não é Espanha", enquanto o PP procura fazer precisamente o contrário. Gabilondo (que na realidade não tem qualquer vínculo ao PSOE) já disse que irá assumir o seu cargo na Assembleia, apesar do desagrado dos socialistas.

O antigo vice-presidente do governo espanhol não ofuscou Ayuso nas urnas, mas roubou-lhe um pouco do estrelato quando anunciou, no final da noite eleitoral, que ia deixar totalmente a política. Pablo Iglesias conseguiu manter a Unidas Podemos acima dos 5%, o mínimo para poder entrar na Assembleia de Madrid, mas foi o menos votado à esquerda e disse que se tornou claro que não contribui para somar votos. "Não vou ser um obstáculo para uma renovação da liderança que deve ocorrer na nossa força política", declarou Iglesias.

O Podemos nasceu em 2014, no rescaldo do movimento dos indignados, e ajudou a pôr fim ao bipartidarismo em Espanha nas eleições de 2015, quando foi terceiro. Sempre sob a liderança do Iglesias, o partido tem vindo contudo a perder força desde então (em 2016 teve mais votos, mas depois de se aliar à Esquerda Unida e formar o que é hoje a Unidas Podemos). Apesar do seu pior resultado nas eleições de dezembro de 2019, Iglesias acabaria por forçar Sánchez a uma coligação, sendo em vários momentos visíveis os choques entre ambos os partidos no executivo.

Iglesias deixa a política e o seu desejo é voltar a dar aulas na universidade, além de ter um projeto de "jornalismo crítico" - já teve um programa de debate político. Resta saber se o partido vai conseguir sobreviver com a sua saída, que não estava planeada. Quando saiu do governo para ser candidato em Madrid, Iglesias tinha indicado o nome da atual vice-presidente e ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, como futura candidata da Unidas Podemos - mas ela não é do Podemos. A opção pode passar pela atual número dois e ministra da Igualdade, Irene Montero, a companheira de Iglesias e mãe dos seus três filhos. Mas a decisão cabe aos militantes do partido.

Se Iglesias teve o pior resultado à esquerda, o partido do seu antigo braço direito, Íñigo Errejón, que nasceu de uma cisão do Podemos, teve o melhor resultado, ultrapassando até os socialistas. O Más Madrid, que concorreu com a anestesista Mónica García, de 47 anos, vai liderar a oposição ao PP em Madrid. Algo que nenhuma sondagem antecipava. Resta saber se conseguirá potenciar o resultado numas eleições nacionais, tendo atualmente só um deputado no Congresso (o próprio Errejón).

A formação nascida há apenas dois anos da aliança entre outro dos fundadores do Podemos e a antiga presidente da câmara de Madrid, Manuela Carmena, encontrou em García a candidata perfeita desde o primeiro momento. Quando Iglesias anunciou que ia ser candidato, propôs uma aliança, mas García recusou. "Madrid não é uma série da Netflix. Estou há muito tempo a trabalhar para Madrid nos momentos mais complicados. Nós mulheres estamos cansadas de fazer o trabalho sujo para que, nos momentos históricos, peçam que nos afastemos", disse.

Isso catapultou-a para a fama, junto com o debate entre os candidatos, nos quais surpreendeu e foi dada como uma das vencedoras, ao lado da própria Ayuso que não hesitou em atacar. A campanha foi também centrada em proposta concretas e na conquista de dois tipos de eleitores: os jovens e as mulheres. Um exemplo, a promessa de disponibilizar gratuitamente pensos higiénicos e tampões nos edifícios públicos, incluindo hospitais, escolas ou centros culturais.

O desaire eleitoral do Ciudadanos que começou após as eleições de 2019, levando à saída do então líder Albert Rivera, confirmou-se da pior maneira em Madrid. O partido de Inés Arrimadas, que concorreu com Edmundo Bal, não conseguiu o mínimo de 5% para estar na Assembleia - em 2019 tinha elegido 26 deputados regionais e coligou-se com Ayuso. "O resultado foi mau", disse Arrimadas, anunciando um congresso em junho para relançar o projeto do centro liberal, não parecendo disposta a deixar a liderança e promovendo apesar de tudo Bal a vice-presidente do partido. Casado defende que o Ciudadanos já acabou: "O PP volta a ser o grande partido de Espanha."

susana.f.salvador@dn.pt

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