A odisseia de Neil Armstrong sem "fake news"
Um homem de poucas palavras merece um filme de imagens que valem por mil palavras. É assim a história do maior herói da história americana recente, Neil Armstrong, filmado pelo realizador de La La Land com fôlego pop e escala arrojada. O Primeiro Homem na Lua não é o típico "biopic" de Hollywood, mas antes uma espetacular meditação sobre o fardo do primeiro astronauta a pisar a lua numa missão mais arriscada do que muitos pensam. É sobre Armstrong mas também a sua família. Os filhos, a mulher e o luto pela morte de uma filha, e pretende estar distante das fake news.
Recentemente em Toronto, em pleno festival de cinema, Ryan Gosling, Claire Foy (a caminho da nomeação ao Óscar pela sua interpretação como a mulher de Neil) e Damien Chazelle reuniram-se com a imprensa numa conferência assistida pelos próprios filhos de Neil Armstrong, Eric e Mark. Foi aí que ouvimos Chazelle contar a sua principal preocupação para este filme: "Antes de me preocupar com as sequências técnicas e com a forma como iria filmar o espaço, o importante para mim era o tema. Esta foi a primeira vez que não abordei algo próximo de mim, de uma experiência pessoal. Ter o Josh Singer como argumentista foi um alívio. O Primeiro Homem na Lua como que me tirou da minha zona de conforto. Queria mesmo trabalhar com outro argumentista. Fiquei muito orgulhoso em contratar o Josh antes de O Caso Spotlight se tornar num sucesso. Eu queria aquela aproximação de factos jornalísticos misturada com um arco cinematográfico de uma narrativa. E ele passou quatro anos a investigar tudo sobre a missão do Apolo. Enquanto estava nas filmagens de La La Laan, o Josh já estava muito próximo da família de Armstrong. Quando começámos a trabalhar no filme, tudo estava lançado...Sinto que tirei de cima de mim um fardo".
O Primeiro Homem na Lua é a segunda colaboração entre Damien Chazelle e Ryan Gosling. Pelos vistos não será a última. Ao DN, o ator canadiano fala a brincar que na sua próxima realização (a segunda, depois do belo e incompreendido O Rio Perdido, de 2014) pode acontecer uma surpresa: "Estou já a preparar o meu próximo filme como realizador e o que posso dizer é que adoro trabalhar com o Damien. Aprendi tanto com ele!". Gosling não admite que possa vir a roubar ideias ao seu amigo, mas a moderadora desta conferência sugere que desta vez possa ser Chazelle o ator: "Ninguém quereria ver isso", reage logo o realizador. E a galhofa continua: "Se tu fizeres de Batman, eu serei mesmo o realizador", atira o ator.
Mais a sério aborda a maneira como olhou para este projeto: "O maior desafio era poder agradar aos filhos do Neil. Queríamos muito que o Mark e o Eric gostassem do filme. Olhava para eles na rodagem e pensava sempre na pressão de saber que eles iriam depois ver o filme pronto. Na verdade, não poderiam ter sido mais prestáveis e ajudaram em tudo! Também pude passar algum tempo com a irmã do Neil, precisamente na quinta onde cresceu. Nunca antes tinha tido tanto apoio num filme, nomeadamente da família, colegas e amigos do Neil. Todos queriam ajudar, conseguia-se perceber o amor que todos têm pela memória do Neil e pelo seu legado. Algo que não estivesse exatamente como aconteceu éramos logo avisados..."
Claire Foy, já sem o "look" que exibe na série The Crown, prefere salientar o lugar das mulheres dos astronautas durante as missões que antecederam a conquista da lua: "aquelas mulheres eram extraordinárias! E as histórias delas nunca foram contadas. Foi preciso um cineasta como Damien Chazelle para lhes dar voz. O filme consegue de forma espantosa mostrar a humanidade dos homens que foram à lua mas mostra também as suas vidas em casa. Eram homens que tinham também as suas vidas pessoais e que também discutiam com as mulheres e com os filhos. É preciso coragem para levar isso para o centro desta história. Creio que essa era a história que queríamos conhecer. Isso de chegar à lua todos nós já sabíamos como aconteceu...Para mim, este é um filme de super-heróis, mas super-heróis sem poderes especiais. Quando li o argumento pedi logo para fazer parte deste projeto. É muito raro encontrar filmes assim...".
"Olhei para a vida de Neil Armstrong e encontrei poesia! De alguma forma, era alguém que transferia as suas emoções para o seu trabalho, afinal, a sua paixão desde criança. O Neil aprendeu a pilotar antes de saber conduzir um carro! Ele cresceu num campo de milho no Ohio e esteve sempre atraído para o céu...Sem saber porque razão, era também um homem que precisava de encontrar as respostas para a sua vida lá em cima", relata Damien Chazelle, que no começo deste encontro com a imprensa de todo o mundo segregava que O Primeiro Homem na Lua foi o filme que sempre quis fazer.
Na veia de Os Eleitos, de Philip Kaufman, filme que em 1983 narrava os feitos dos astronautas John Glenn e Chuck Yeager, O Primeiro Homem na Lua é já apontado como um dos favoritos a ter muitas nomeações na próxima temporada dos prémios, estando Ryan Gosling na "pole position" para a corrida aos prémios de melhor interpretação masculina. Gosling mantém uma serenidade quase fordiana numa composição sem grandes rasgos. Uma frieza que convence imenso, embora o filme seja muito mais do que isso.
Sem medo de exageros, talvez se possa acreditar que estamos perante uma das mais insólitas experiências de "design" sonoro no cinema americano. Às vezes, por portas e travessas, há quem consiga ser experimental em pleno coração de Hollywood - e a Universal está a lançar o filme para fazer negócio grande nas bilheteiras.