A nova governança mundial

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O problema dos emergentes tem uma referência normativista inicial na definição da ordem do relacionamento e hierarquia das potências que um código jurídico define, incluindo a previsão da rota da evolução, mas esta desvia-se frequentemente do previsto. Este desvio semeou o panorama global de uma multiplicação de desafios que colocam em crise as previsões da ordem jurídica acordada no fim da Segunda Guerra Mundial. Esta ainda aceitava uma aristocratização das potências pela definição do grupo com direito de veto, mas para o resto do mundo prometia a igual dignidade.

No plano da aristocratização pelo critério militar é a emergência no plano do armamento nuclear a mais ameaçadora, com pontos críticos no caso da Coreia e do Irão. Mas dessa ameaça cimeira, até ao patamar terrorista, o que se desenvolveu foi um desequilíbrio planetário, que arrasta desafios e ameaças energéticas, a passividade no que respeita às ameaçadoras alterações climáticas, a transformação das migrações causadas pela miséria em ameaça de "invasão" penalmente reprimida (Itália).

Se por tudo a evolução do mundo é uma incógnita preocupante, aquilo que parece o problema mais desafiante e redefinidor de uma nova hierarquia real ou presumida é a economia, e não pela preocupação de conseguir responder à relação entre as necessidades e os recursos da "terra casa comum dos homens", mas pelo modelo que o Papa Francisco chama "uma economia que mata". Não é difícil ter de admitir que "a marcha do mundo é preocupante", um alarme que vem sublinhado de todas as latitudes, mas parece mais problemático aceitar que a posição da União Europeia, na competição por uma ordem internacionalmente hierarquizada, não é a de voltar a ser o centro do mundo que já foi, mas assumir que nenhum país europeu, isolado, tem capacidade para enfrentar e responder às múltiplas emergências em curso.

O que urge é conseguir acordos articulados que contribuam para uma possível estruturação de um projeto viável de governança global. É nessa direção que a União concluiu, em 28 de junho, um acordo comercial com o grupo Brasil-Argentina-Paraguai-Uruguai, um mercado de 780 milhões de consumidores. Note-se, de passagem, que isso não tranquilizou os ecologistas sobre a conduta do presidente do Brasil quanto à desflorestação da Amazónia, por muito que tenha garantido ao G20 que respeitará o Acordo de Paris, na reunião de Osaka, onde estava o denunciante desse acordo, Trump. Foi este quem definiu e aprofundou o conflito contra os esforços desenvolvidos para firmar as atitudes responsáveis, quer da União Europeia quer do Canadá e da própria China, para evitar o alastrar da indiferença sobre as ameaças ao planeta, uma ameaça que está a mobilizar a revolta da juventude mundial.

Por outro lado, as relações entre os EUA e a China levaram a, anuncia-se, reabrir as negociações, o que tem por conteúdo visível a promessa de aceitarem "uma base de igualdade e respeito mutuo", isto é, de regressarem ao que, nas nações civilizadas, se chama ter maneiras, mas sem indícios que levem a supor que se concluiu mais do que uma trégua. O primeiro-ministro do Japão dedicou sobretudo atenção aos problemas da economia, da promoção da igualdade entre os homens e mulheres, do clima inegociável.

A conclusão mais prudente é talvez que a reunião dos 20, que dá a imagem de as economias mais poderosas se articularem para serem o poder real do globalismo, e no resto a realidade acentuou as divergências correntes sobre valores políticos, também no que respeita ao credo liberal da economia, mas não lhes foi poupado o anúncio de Trump de que iria encontrar-se, se possível, com o chefe da Coreia do Norte, que convidou por Twitter, o método mais diplomático do presidente, e que teve por ato espetacular uns passos na zona desmilitarizada entre as duas Coreias, sendo aparente o reconhecimento prudente de que neste tema há um terceiro a respeitar que é a China. Mas isto não animou o diálogo entre as duas Coreias, não fez esquecer o agravamento do conflito entre Israel e Palestina que a intervenção americana agudizou, e que inspira a anunciada conferência que ele anuncia procurar o "acordo do século", o que inquieta a Jordânia, na qual metade da população é de origem palestiniana.

Neste complexo processo, a Europa, desafiada internamente pela redefinição e a multiplicação dos partidos, e externamente pelo Brexit, noticia que o Conselho da Europa, silenciando a questão da Ucrânia, prepara a reintegração da Rússia, afastada desde 2014. Dizem que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos volta à proteção dos direitos dos cerca de 150 milhões de cidadãos russos, que raras vezes viram no passado que o seu governo aceitasse as decisões. A governança global parece não ter dado passos.

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