A Noiva Cadáver de Tim Burton está em Lisboa e pode-se fazer-lhe a autópsia

Exposição no Museu da Marioneta, em Lisboa, mostra as várias figuras usadas nos filmes de animação pelo realizador Tim Burton.
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Dentro da cabeça de Victoria Everglot está um complicado e minúsculo mecanismo, digno de um relojoeiro. Era através dele que os animadores controlavam os movimentos do rosto da "noiva viva" de Victor Van Dort no filme A Noiva Cadáver. E podemos vê-lo agora em pormenor, espreitando por uma lupa, porque a marioneta está em Lisboa, de cabeça aberta como se estivesse pronta para uma intervenção cirúrgica, integrada na exposição Tim Burton: As Marionetas de Animação, ao lado do seu noivo Victor, dos pais dela, Finis e Maudeline Everglot (com o seu enorme penteado), da assustadora morta-viva Emily e de outras personagens dos filmes de animação de Tim Burton.

A exposição, que é inaugurada nesta quinta-feira no Museu da Marioneta, resulta de uma parceria do Monstra - Festival de Animação de Lisboa com a Mackinnon & Saunders, a reputada empresa britânica de desenvolvimento de personagens para marionetas stop motion, que trabalha com Tim Burton há mais de 20 anos. "Esta é uma ideia que já anda na nossa cabeça há uns quatro anos", explica Fernando Galrito, o diretor da Monstra. "Queríamos não só mostrar as marionetas do universo de Tim Burton mas também enquadrá-las num espaço cenográfico, para que os 'atores' se sentissem próximas do seu ambiente de trabalho, que é o set de filmagem. E, depois, queríamos também mostrar como estas marionetas são por dentro e como funcionam, desvendar um pouco daquilo que não se vê no ecrã."

Argumentista e realizador, Tim Burton sempre foi apaixonado pela animação stop motion e foi precisamente por aí que começou a sua carreira: depois de se ter formado em animação, esteve a estagiar na Disney, onde realizou o seu primeiro filme de animação, Vincent (1982). Mas só depois de realizar Batman, Eduardo Mãos de Tesoura ou Ed Wood, com atores reais, é que voltou à animação: foi ele que escreveu e produziu O Estranho Mundo de Jack (1992) e ainda produziu James e o Pêssego Gigante (1996).

Isto tudo enquanto imaginava um filme em que extraterrestres invadiam a Terra: a ideia original de Marte Ataca! (1996) era que os extraterrestres fossem marionetas que contracenavam com os terrestres-atores. Essa ideia acabou por ser abandonada, mas as marionetas chegaram a ser desenvolvidas pela Mackinnon & Saunders e algumas delas estão nesta exposição. O sonho de realizar um filme totalmente em stop motion concretizou-se apenas em 2005, com A Noiva Cadáver, a que se seguiu, mais tarde, Frankenweenie (2012) - e são desses dois filmes a maioria dos objetos que estão em Lisboa.

Um trabalho de pormenor e muita paciência

Tudo começa quase sempre com os esboços de Tim Burton. Noutras vezes, o realizador não desenha, mas descreve, entusiasmado, as personagens que imaginou na sua cabeça. A tarefa da Mackinnon & Saunders é transformar essas figuras sonhadas em marionetas de carne e osso, que é como quem diz de metal e silicone, látex e tecido.

"A nossa parte - só a construção das marionetas - demora cerca de 18 meses", conta ao DN Sandra Mullock, produtora da Mackinnon & Saunders que trabalhou com Burton em A Noiva Cadáver e em Frankenweenie. "E depois pode demorar outro tanto para filmar. Mas nós continuamos a trabalhar durante a filmagem porque às vezes é preciso fazer pequenas personagens, que fazem parte do cenário, que são já produzidas no estúdio, e também é necessário ir fazendo adaptações e reparações nas marionetas."

O processo de criação de uma personagem é muito demorado, antes de mais porque é preciso ir ao encontro da visão do realizador. "Pode demorar três ou quatro meses para ter uma primeira versão do molde da personagem", diz. Depois há todos os pormenores, nada é deixado ao acaso. Os olhos, a boca, as mãos, os sorrisos, as rugas, as roupas. "Não faço ideia de quanto tempo demorou a Emily de A Noiva Cadáver, tem tantos pormenores, o cabelo, por exemplo, é feito de inúmeros fios, são pequenas peças separadas. E tínhamos umas 15 cópias dela, que tinham de ser exatamente iguais." Há personagens que parecem simples, como Sparky, o cão de Frankenweenie, mas que são muito complicadas: "Tivemos de fazer cinco versões diferentes do seu corpo, porque estica e encolhe. E depois durante a filmagem ainda foi necessário fazer alterações."

"Temos de fazer a personagem exatamente como o Tim Burton quer, mas também tem de funcionar na animação, o que nem sempre é fácil, porque ele gosta de personagens muito altas e esguias, por isso têm de ter tornozelos bastante fortes", explica Sarah Mullock. "Têm de ser fortes para sobreviver o melhor que puderem, como verdadeiros heróis, por muito longa que seja a filmagem."

Na exposição, além das marionetas usadas nas filmagens estão algumas versões de trabalho, desenhos preliminares e ainda algumas armaduras e moldes que nos permitem perceber um pouco do funcionamento das marionetas - por exemplo, o esqueleto da asa do corvo ou as 52 posições possíveis das suas patas.

Fazer um filme é como andar de montanha-russa, conta Sarah Mullock: "O início de um filme é sempre muito entusiasmante. No final, estamos todos exaustos. Mas depois quando o vemos no grande ecrã, com as vozes e tudo, todo o trabalho valeu a pena. É lindo. É um cliché dizê-lo mas é verdade: são os animadores que dão vida àquelas personagens e é como se fizessem magia. Sem eles, seriam apenas bonecos."

O Monstra - Festival de Animação de Lisboa decorre de 18 a 29 de março. No dia 13 de março haverá, no museu, uma projeção do filme A Noiva Cadáver. Oportunidade única para confrontar os bonecos, antes e depois de ganharem vida.

Exposição Tim Burton: As Marionetas de Animação
De 6 de fevereiro a 19 de abril
Museu da Marioneta, Lisboa
Bilhetes: 2 euros

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