A noite em que os castanheiros ajudaram os bombeiros em Marvão
Foram uma ajuda preciosa. Durante o fogo que a 5 de agosto consumiu a encosta em torno da fortificação medieval de Marvão, os bombeiros utilizaram ramos e galhos de castanheiros, cortados com recurso a motosserras, para ajudarem a conter as chamas e abrir passagem aos veículos de combate às chamas. E resultou. "Custam mais a arder", refere o especialista do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas, Paulo Fernandes, também docente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Com essa medida, os operacionais puderam ganhar terreno sobre o incêndio, facilitando o ataque.
O cansaço está estampado no rosto de Sandra Paz. É a presidente da junta de Marvão. Há ano e meio interrompeu o voluntariado nos bombeiros da terra, mas não hesitou em se entregar à luta contra as chamas no apoio aos operacionais. "Como dizemos cá no cantinho, a Nossa Senhora da Estrela esteve ali", diz, levada pela fé. Viu como as chamas foram perdendo intensidade lá no alto do penhasco, contra as muralhas da fortificação. Na parte mais baixa da encosta o fogo encontrou os castanheiros pela frente.
"Foram uns grandes aliados dos bombeiros", testemunha a autarca, apelando já aos donos dos terrenos consumidos pelas chamas para que aproveitem a reflorestação e "plantem mais castanheiros" e revelando-se ainda emocionada com a união do povo, depois do susto que assaltou a vila medieval, envolvendo-a numa nuvem de fumo.
Relata que de um lado da fortificação arderam pinheiros e sobreiros, enquanto do outro as chamas consumiram mais pasto. Precisamente porque os castanheiros resistiram. "Isso permitiu aos bombeiros trabalharem o fogo como melhor quiseram", diz, assinalando como entre as 4 da manhã e as 7.30 o fogo foi combatido apenas com as motosserras, recorrendo os sapadores ao desbaste de ramos e pernadas dos castanheiros. "Quando as chamas lá chegaram foram travadas, porque estes ramos não pegam uns nos outros", sublinha.
O comandante dos bombeiros de Marvão, José Paulo Alexandre, confirma o sucesso da estratégia. "Aproveitámos uma janela de oportunidade, quando o vento estava mais brando", conta, relatando que o intenso trabalho durante a madrugada foi determinante para criar acessos à passagem de meios mais pesados até às chamas.
"Só tínhamos um carro ligeiro que conseguia ir à zona das casticeiras onde lavrava o fogo", prossegue, admitindo que se as árvores fossem "resinosas" também teria de haver desbaste para abrir alas à passagem de viaturas. Mas nunca teriam a mesma resistência ao fogo. As folhosas sim. "O castanheiro é que fez o fogo mais lento, ajudando a que a cauda do incêndio não se transformasse na frente", diz.
Seria um cenário de alto risco. É que ali perto está a serra de Vale de Ródão, com muito mato e poucos acessos. Também por isso o comandante considera os castanheiros "uns bons amigos" dos bombeiros, colocando-se ao lado da autarca no apelo à reflorestação da encosta com esta espécie.
Tem a palavra a ciência. O investigador Paulo Fernandes explica as razões que fizeram dos castanheiros de Marvão aliados dos bombeiros. "Desde logo, porque são árvores folhosas, que mantêm ambientes húmidos", avança, atribuindo ainda a sua maior resistência ao fogo ao facto da espécie estar verde no verão, depois de perder a folha entre o outono e inverno. "É uma folhagem que se decompõem e nesta altura do ano não tem muito alimento para o fogo", insiste.
Ainda segundo Paulo Fernandes, nos casos em que os soutos são densos, resta pouco espaço para haver mato junto ao solo, ficando as áreas mais abrigadas do vento. Um fator que favorece, só por si, "o controlo do incêndio", sublinha o professor, admitindo que há outras espécies com características semelhantes. Caso dos carvalhos e bétulas, onde é mesmo raro algum fogo ter o seu início em Portugal.
Quanto ao uso das motosserras por parte dos sapadores, o especialista alerta que o combate ao fogo no país tem sido muito centrado no recurso à água, embora a utilização de motosserras, enxadas e máquinas de arrasto permitam obter "melhores resultados".
Joana Simões, que rega o terreno da sua horta junto à mancha ardida, sabe que assim que chegarem as primeiras chuvas o verde vai regressar à Serra do Sapoio - que se eleva a 860 metros de altitude em pleno Parque Natural da Serra de São Mamede -, onde há 30 anos não se assistia a um incêndio desta dimensão.
Foram três décadas de constante acumulação de manta morta, que atingiu cerca de metro e meio de altura de folhagens secas e ramos podres, segundo explica o presidente da Câmara de Marvão e também técnico florestal. Luís Vitorino admite que tudo era bem diferente quando havia pastorícia na serra.
"Os animais mantinham o equilíbrio, porque comiam a folhagem, mas o abandono do meio rural e a desertificação tornaram estes terrenos incultos", explica o edil. O autarca revela ao DN que pretende utilizar parte das verbas de um projeto candidato no Ministério do Ambiente no combate às plantas invasoras, como é o caso das acácias, que serão as primeiras a nascer com as chuvas de outono.
E que impacto teve o incêndio no turismo de Marvão? "Nenhum", respondem em uníssono autarcas e empresários do ramo hoteleiro, que revelam não ter havido nenhum cancelamento de estadias. Aliás, o DN assistiu à chegada de meia dúzia de autocarros, que estacionaram à entrada da fortificação, "despejando" mais de três centenas de visitantes. Os guias explicam as razões daquele negro que circunda Marvão, mas as atenções de um grupo de turistas italianos estão focadas no interior da vila.
"É preciso subir muito, mas isto é maravilhoso", comentava Giovanni Natali, enquanto ajudava o pai e a mãe a subirem até ao castelo. Paola Bianchi e duas amigas já estão lá no alto. "Que pena ter ardido esta paisagem, mas se não nos dissessem, se calhar, nem reparávamos. É que os olhos desviam-se logo para a vila medieval. Queremos ver tudo", dizia, enquanto um grupo de professores da zona de Granada também se perde na imponência do património sem olhar ao negro da paisagem. "Tínhamos visto notícias do que aconteceu aqui, porque a viagem estava marcada há mais de um mês. Como as pedras não ardem decidimos vir na mesma. É uma joia", sublinhava José Carmona.