A Mannschaft é uma seleção cada vez mais multicultural
Se uma seleção nacional de futebol é a cara de um país, a Mannschaft germânica é o melhor exemplo do que é a Alemanha hoje em dia: um palco de integração, onde se juntam culturas, raças e religiões (com alguns nichos de polémica...). Nove dos 23 convocados da equipa de Joachim Löw - que hoje se estreia no Euro 2016, frente à Ucrânia (20.00, Sport TV1) - são "filhos da imigração" e têm dupla nacionalidade.
A fórmula deu resultados no Mundial 2014, quando seis produtos da miscigenação da sociedade germânica ajudaram a Alemanha a voltar aos grandes títulos internacionais de futebol, 18 anos depois. E agora repete-se. Num Euro 2016 em que quase um quarto dos 552 jogadores tem dupla nacionalidade, a Mannschaft conta com nove nomes "estrangeiros" entre os convocados: Jérôme Boateng (Gana), Jonathan Tah (Costa do Marfim), Shkrodan Mustafi (Albânia), Emre Can (Turquia), Sami Khedira (Tunísia), Mesut Özil (Turquia), Lucas Podolski (Polónia), Mario Gómez (Espanha) e Leroy Sané (França). "Esta seleção é o reflexo do que é a Alemanha. Mostra como o país, que acolhe muitas culturas diferentes, tem capacidade de as integrar para fazer uma grande seleção", resume, ao DN, um velho conhecido do futebol alemão - Alex Costa, antigo jogador do Wolfsburgo.
No entanto, isso não evita que alguns campeões mundiais, como Boateng e Özil, sejam vítimas de preconceito: na fase de preparação para o Euro 2016, ambos foram visados por comentários de dirigentes de topo do AfD (Alternativa para a Alemanha), partido de extrema-direita que tem ganho protagonismo nos últimos meses. "As pessoas gostam de Boateng como jogador mas não o querem como vizinho", apontou Alexander Gauland, vice-presidente do AfD. "É lamentável que Mezut Ozil, um ídolo de crianças e adolescentes, não cante o hino nacional", criticou Frauke Petry, a líder do partido - que tem crescido à boleia da contestação da política de acolhimento de refugiados posta em prática pelo governo de Angela Merkel.
A seleção como exemplo
À imagem do que faz em campo, Boateng, defesa-direito e central do Bayern Munique, logo cortou o mal pela raiz: "Sou feliz por ser alemão. Tenho orgulho nisso, se não não estaria na seleção. Acredito que estou bem integrado e não preciso de dizer mais nada", respondeu. E o presidente da Federação Alemã de Futebol (DFB), Reinhard Grindel, também veio defender os jogadores e a política adotada pelo organismo que dirige. "A seleção alemã de futebol é um dos melhores exemplos de integração bem sucedida. Milhões de pessoas na Alemanha estão orgulhosas desta equipa, porque ela é como é. Para nós, o que importa é o desempenho e não a origem de um jogador ou a religião em que ele acredita. E não devemos dizer mais do que isso em relação a esses comentários de mau gosto", afirmou Grindel.
Na verdade, desde a viragem do milénio que a Mannschaft dá o exemplo: em 2001, Gerald Asamoah, ganês emigrado para a Alemanha aos 12 anos, tornou-se o primeiro negro a jogar pela equipa nacional germânica. Com ele, cruzaram-se nomes como Mehmet Scholl e Miroslav Klose - ícones de duas das principais comunidades emigrantes do país (turcos e polacos). "Ele foram as primeiras exceções. Hoje a chamada destes jogadores já é um dado adquirido e acaba por dar novas soluções à equipa. Junta-se criatividade à força física, à disciplina, ao rigor próprios dos alemães", descreve Alex, ex-futebolista de V. Guimarães e Benfica, que passou pelos relvados da Bundesliga entre 2006 e 2009. O antigo jogador, que na última época treinou os juniores do V. Guimarães, realça mesmo como esta política desportiva "ajuda a contrariar a ideia de que os alemães são um povo frio e fechado" - algo que já tinha percebido na passagem por Wolfsburgo ("fui bem recebido e sempre bem tratado, tenho inúmeros amigos alemães e estou grato por tudo o que me proporcionaram"). "Ao incorporar raças diferentes, dando uma oportunidade a todos de ter trabalho e um projeto de vida, só mostram como são um povo aberto", sublinha.
Assim, Alex Costa prefere desvalorizar as críticas da extrema-direita, que associa "às pessoas com uma mentalidade mais fechada, que existem principalmente na zona oriental do país" [a ex-RDA, onde surgiu o movimento anti-imigração e anti-islâmico Pegida]. E sublinha antes tudo o que a Mannschaft "ganhou com a integração": "São campeões do mundo e dos principais favoritos à vitória no Euro 2016."