A maldição: álcool, droga, demência e agora surdez

Já houve uma morte, um caso de demência, excessos de álcool e droga e confrontos físicos.
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Era só o que faltava: Brian Johnson, o homem que há 36 anos substituiu o mítico Bon Scott como "porta-voz" dos AC/DC, foi mandado parar com urgência. Não houve paninhos quentes na sentença médica: caso o antigo cantor dos Geordie optasse por cumprir as datas em falta no segmento norte-americano da Rock or Bust World Tour - dez no total, passando por cidades como Atlanta, Washington, Cleveland, Filadélfia e Nova Iorque, entre outras.

Os espetáculos foram adiados para a segunda metade de 2016, parecendo cada vez mais provável que Johnson se veja obrigado a ceder definitivamente o lugar que lhe permitiu ser a voz de serviço no quinto disco mais vendido de todos os tempos, Back In Black (1980), assumido como uma homenagem a quem fora seu antecessor.

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Fica bem claro que a "maldição" que várias vezes se abateu sobre o grupo voltou a atacar. No pico de popularidade que se seguiu a Highway To Hell (1979), conquistado com digressões gigantescas e álbuns cada vez mais sólidos e coerentes desde o início da carreira discográfica (em 1975 na Austrália, no ano seguinte no resto do mundo), os AC/DC enfrentaram o maior dos choques: a morte de Bon Scott, a 15 de Fevereiro de 1980, vítima de um serão de excessos alcoólicos que o levaram a ficar inanimado no carro de um amigo, Alistair Kinnear. Scott foi deixado inconsciente num Renault 5 durante uma noite e uma madrugada geladas, o que não terá ajudado a despertá-lo, bem pelo contrário.

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Uma das ironias vem do facto de o dia anterior ter sido preenchido com os primeiros trabalhos em canções do que viria a ser Back In Black. Antes disso, os "patrões" o conjunto, os irmãos Angus e Malcolm Young, já tinham despedido um cantor, Dave Evans, a quem se apontaram demasiados maneirismos e aproximação exagerada e perigosa ao glam rock (o dos brilhos na roupa e dos penteados bizarros), e um baixista, Mark Evans, que alegadamente não servia para fazer coros.

Tempo de resistência

De acordo com entrevistas e comunicados, a fase que se seguiu à morte de Scott foi a única em que os AC/DC ponderaram pôr fim à atividade. Mas a agitação parece valer como uma coordenada permanente no grupo. Em 1983, o baterista Phil Rudd protagonizou um momento de pugilato sem regras com Malcolm Young. Nunca houve dúvidas sobre qual dos dois teria que sair. Foi rendido por Simon Wright que, meia dúzia de anos depois, também se cansou das desconsiderações da liderança bipartida e abandonou a banda para se juntar ao projeto de Ronnie James Dio e, depois, para se tornar um músico de estúdio muito requisitado.

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O veterano Chris Slade foi chamado para a vaga e ficou até 1994. Nesse momento, os Young conseguiram convencê-lo a abandonar, sobretudo porque estavam interessados no regresso de Rudd. Este voltaria a ser notícia pelas piores razões: se os problemas com as drogas sempre marcaram presença na sua vida, em Novembro de 2014, o imbróglio complicou-se: uma busca policial em sua casa levou à descoberta de erva e de anfetaminas, a que se juntou uma acusação de tentativa de assassínio de um antigo colaborador. Desta, o musico ainda se livrou. Quanto às outras duas, foi condenado - em Julho de 2015 - a oito meses de prisão domiciliária, perdendo os dois recursos apresentados a esse respeito. E quem chegou, de novo, à bateria dos AC/DC? Chris Slade, definitivamente uma boa alma.

Mais complicado ainda, nos tempos mais chegados, foi o abandono do fundador Malcolm Young, vítima de demência. Em Abril de 2014, era tornado público que o dono da guitarra-ritmo ia suspender, por razões de saúde, as apresentações ao vivo. Cinco meses depois, a suspensão transformou-se em abandono: revelava-se que Malcolm perdera a memória e a capacidade de concentração, o que o obrigava constantemente a reaprender as canções antes de cada concerto. Vive num lar, com cuidados permanentes e com alguns dos seus discos favoritos, os de Chuck Berry e de Buddy Holly. Se, após a morte de Scott, a vontade dos pais foi determinante para que a banda prosseguisse, agora foi a vez de Angus Young citar o desejo do irmão, favorável à continuidade, tanto mais que foi substituído por um sobrinho, Stevie Young.

Candidatos e concertos

Com tudo isto, é legítimo falar em "maldição". A banda - que conquistou, nos primeiros tempos, o apoio dos consumidores do punk (algo teoricamente impensável, por todas as divergências e todos os antagonismos face ao hard rock), que influenciou directamente a chamada New Wave Of British Heavy Metal (sobretudo em casos como os de Iron Maiden e Saxon), que assumiu a herança traçada por algumas das bandas estruturantes do rock duro (Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple), que integrou com destaque a segunda geração de pesos pesados (com Thin Lizzy, Judas Priest, UFO ou mesmo Scorpions), que atravessou uma violenta crise de popularidade entre as décadas de 1980 e 1990, que já vendeu 200 milhões de discos e que conseguiu renascer em pleno com os álbuns Black Ice (2008) e Rock or Burst (2014) - parece ainda dispor de energia para continuar.

As revistas mais chegadas ao estilo já se empenharam em duas frentes: a primeira é a tentativa de provar, com ajuda de declarações de Brian Johnson, que a perda de audição se deve ao tempo que passou nas pistas de automobilismo ("muitas vezes negligenciando os protectores auditivos que devem usar-se debaixo do capacete", diz o próprio) e não ao nível de decibéis a que se sujeitou nos espectáculos. A segunda, antecipando a impossibilidade perene do regresso de Johnson, é a procura de um substituto. E aí, com maior ou menor verosimilhança, já se estende uma lista impressionante, que mais parece uma sociedade das nações e que até se alarga a duas damas "candidatas".

A saber: da Austrália são referidos Dave Evans, o tal cantor da "pré-história" dos AC/DC, hoje com 62 anos, já se mostrou disponível, para não dizer interessado, Angry Anderson (68 anos, dos Rose Tattoo), o aparentemente favorito Joel O"Keeffe (30, dos Airbourne) e a primeira senhora, Brody Dalle (37, que passou por The Distillers e Spinnerette). Do Reino Unido, Noddy Holder (69, dos Slade), que já foi mencionado como possibilidade... há 36 anos. De Malta, Marc Storace (64, dos Krokus). Da Polónia, Nergal (38, dos Behemoth). Da Finlândia, Georg Dolivo (70, dos Rhino Bucket). Dos Estados Unidos, a vulcânica Lzzy Hale (32, dos Halestorm), Mark Tornillo (61, dos Acept) e a dupla David Lee Roth (61) e Sammy Hagar (68), que esteve, em épocas sucessivas, ao serviço dos Van Halen. Certo é que os AC/DC não decidirão sob pressão ou por sondagem de opinião, desconhecendo-se ainda se haverá um cantor convidado de ocasião ou uma rendição a tempo inteiro.

Quanto ao concerto de 7 de maio, no Passeio Marítimo de Algés, é mesmo esperar para ver. Para já, só foram adiados os concertos finais dos Estados Unidos. O primeiro da série europeia seria o português. Agora, será preciso saber se a data se mantém e quem virá no lugar de Johnson, não sendo viável a recuperação. Só no dia em que os bilhetes foram postos à venda, voaram quase 30 mil. Esses, os mais rápidos, e os outros aguardam, em jubilosa esperança.

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