Reações à morte de Eunice Muñoz. "Tu serás eterna", diz Ruy de Carvalho
São muitas as mensagens de homenagem e de pesar pelo desaparecimento de Eunice Muñoz, um dos nomes maiores da representação em Portugal. Ruy de Carvalho lamentou a morte da "irmã" e "amiga", com quem partilhou os palcos e com quem contracenou nas últimas décadas.
O veterano ator, de 95 anos, recordou a "última vez" que dançou com Eunice Muñoz ao partilhar um excerto do videoclipe da música "Quando nós formos velhinhos'", de Rogério Charraz. "Tu serás eterna", escreveu Ruy de Carvalho no Facebook.
"A Eunice não partiu, porque é eterna", salientou o ator Diogo Infante, que, "desolado", lamentou a morte da atriz.
"Eunice...estou tão triste. Ando para lhe ligar há vários dias e depois mete-se uma coisa e outra. Quando a Lídia me ligou, algo em mim pressentiu. Estou desolado, devia ter ligado. Para ouvir o seu fio de voz a perguntar, como estás?", escreveu Diogo Infante nas redes sociais, incrédulo com a morte da atriz.
O ator e encenador admitiu ainda não conseguir falar. "É como se não falando não tivesse acontecido, percebe não é? Pensamento mágico... Se eu guardar os anéis, talvez ela volte...Mas verdadeiramente a Eunice não partiu, porque é eterna.", salientou Diogo Infante.
"O seu lugar há muito que está reservado nos anais da história. A maior atriz Portuguesa de todos os tempos! Eunice. Obrigado por tudo, sobretudo pelo enorme privilégio de ter feito parte da minha vida", destacou.
O encenador e diretor do Teatro Experimental de Cascais (TEC), Carlos Avilez, considerou Eunice Muñoz uma "enorme atriz, uma mulher extraordinária e o próprio do teatro", dizendo que a cultura está de luto com a sua morte.
"É muito complicado para mim falar sobre ela porque era uma grande amiga, uma enorme atriz, uma mulher extraordinária e um exemplo", disse à Lusa.
Carlos Avilez, que a dirigiu em muitas peças emblemáticas, tanto no TEC como no D. Maria II, de que também foi diretor artístico, assumiu que trabalhar com Eunice Muñoz foi das "coisas mais bonitas".
Por exemplo, no TEC, em 1972, Avilez dirigiu-a em peças como "As Criadas", de Jean Genet, cujo assistente de encenação foi Filipe La Féria.
Foi também na companhia de Avilez que fez uma digressão por África com peças como "Fedra", de Jean Racine, ou "A Maluquinha de Arroios", de André Brun.
Dizendo que quando se fala em teatro se fala em Eunice Muñoz, o encenador classificou-a como o "próprio do teatro", assumindo ter por ela uma "grande admiração e enorme amizade".
"Portanto, o teatro está de luto. Acho bonito que o Governo tenha decretado luto nacional porque ela merece", referiu.
Falando num dia "muito triste", o diretor artístico do TEC considerou que a cultura "está de luto" porque Eunice era uma "mulher, de facto, muito especial".
O ator e encenador João Mota lembrou Eunice Muñoz como "uma luz", uma "pessoa genial como há poucas no mundo" e salientou que a morte da atriz "não é só uma perda para a Cultura".
"Morreu a Eunice. Pronto. A importância grande é que perdemos a Eunice. Vai além da cultura. A gente vê só o lado de atriz, mas além do talento que aquela mulher tinha é a ternura, a alma que ela tinha", reagiu o encenador à morte de Eunice Muñoz, em declarações à Lusa.
Para João Mota, "a Eunice era mais do que tudo, era uma luz, uma pessoa genial, há poucas pessoas assim na vida artística, que cheguem a esse lado onde ela chegou".
"Ela entrava em cena e era de uma autenticidade e de uma transparência que ultrapassava tudo. Ela estava calada durante 10 minutos e a gente não conseguia tirar os olhos dela, ela não fazia caretas, nada. Eram só os olhos", descreveu.
Eunice Muñoz entregou "o seu instinto genial" e "incomparável talento" a atores e público, levando assim, com ela, "muito da nossa vida", disse o encenador Filipe La Féria, numa reação à morte da atriz, enviada à Lusa.
"Hoje o pano de boca do Teatro desceu e as luzes apagaram-se. Fedra, Sarah Bernhardt, a Mãe Coragem, a Dama das Camélias agradeceram os aplausos e desapareceram no labirinto dos corredores dos camarins", escreve Filipe La Féria, numa mensagem de reação, enumerando algumas das suas mais importantes personagens, interpretadas em 80 anos de carreira.
"Muito da nossa vida Eunice levou com ela. A todos os atores e ao público de várias gerações, deixou o seu instinto genial, a sua alma e o seu incomparável talento. Ela leva consigo muito dos mais belos e emocionantes momentos das nossas vidas. Os seus olhos de deusa, a sua voz, o seu tão doce coração, o seu talento de fogo, a inteligência e sensibilidade de grande atriz", escreve o encenador que a dirigiu em "Passa por mim no Rossio", em 1991.
Eunice Muñoz "é sinónimo de teatro", afirmou o ator, dramaturgo e encenador Tiago Rodrigues. "Muitas vezes lhe disse que deviam mudar os dicionários. Ela ria, generosa, jovem, sempre a mais jovem de todos nós", escreve o autor de "By heart" numa mensagem publicada na sua página pessoal da rede social Facebook.
"Quando cheguei ao Teatro Nacional D. Maria II, [Eunice Muñoz] deu-me as boas-vindas e pediu que tomasse conta da 'nossa casa' que, sabemo-lo bem, será sempre a 'sua casa'", prossegue o ex-diretor artístico do Nacional D. Maria, que assumirá a direção do Festival de Avignon, em França, a partir de setembro.
"Ajudou-me, aconselhou-me, aceitou-me. Assentiu sempre aos desafios que lhe lancei ou aos pedidos de ajuda que lhe fiz", prossegue o encenador, referindo-se aos anos em que esteve à frente da direção artística do Teatro Nacional (2015-2021), que acolheu a estreia de Eunice Muñoz, em 28 de novembro de 1941.
"Durante sete anos à frente da 'sua casa', pude sempre contar com ela. Da última vez que nos vimos, quando veio ver 'O Cerejal' [de Tchekhov], que apresentámos no D. Maria II, em dezembro, perguntou-me se tinha deixado a 'nossa casa' bem arrumada para o meu sucessor, desejou-me boa sorte para o futuro e garantiu-me que me faria uma visita em Avignon", recorda Tiago Rodrigues.
"Em todos os nossos encontros, ensinou-me tanto e sempre com aquele ar de quem estava a aprender. Porque a Eunice sempre foi a mais jovem de todos nós", assegura.
Tiago Rodrigues publica uma fotografia com alguns anos, tirada no exterior do teatro, quando Eunice Muñoz aceitou recitar Sophia de Mello Breyner Andresen, numa sessão especial, dedicada à data.
Trata-se de uma imagem de grupo, na qual se identificam vários jovens atores, além de Tiago Rodrigues e do comediante Bruno Nogueira, em redor de Eunice Muñoz, a sorrir, com um cravo vermelho na mão e um livro de Sophia.
"Basta olhar para esta foto, quando aceitou o meu convite para ler Sophia nas celebrações do 25 de Abril. Quem é, quem será sempre, a miúda desta fotografia, o talento enorme que ainda nos vai surpreender, o jovem vendaval?", conclui Tiago Rodrigues, na sua mensagem, numa referência à peça com que atriz se estreou, aos 13 anos, em novembro de 1941, no palco do D. Maria, na peça "Vendaval", de Virgínia Vitorino.
A atriz Fernanda Serrano agradeceu a Eunice Muñoz o contributo que deu à cultura portuguesa, manifestando admiração e gratidão.
"A Nossa Estrela Maior subiu... obrigada pelos ensinamentos, pelo talento, pela beleza, pelos tantos anos de interpretações brilhantes e únicas! Privilégio de termos partilhado momentos... obrigada por tudo o que nos ofereceu! Respeito. Admiração. Gratidão. Até sempre, nossa querida Eunice", escreveu a atriz.
Herman José recorda o "fantástico sentido de humor" de Eunice Muñoz. "Um dos segredos responsáveis pela sua fascinante frescura intelectual. Um exemplo. Uma inspiração. Um encantamento", sublinhou o humorista e apresentador na mensagem que partilhou nas redes sociais.
Pedro Zegre Penim, diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, onde a atriz se estreou e também despediu dos palcos, considerou que "Eunice é de facto a coluna, sustentáculo de uma carga estrutural imensa e maravilhosa que é o teatro português".
Recordou que "era sempre especial para o teatro receber a Dona Eunice, esperar que ocupasse o seu camarim". "Foi lá que a vi pela última vez, feliz, recebendo os seus convidados, sorrindo para todos, confortando-nos com a sua existência basilar", acrescentou.
"Quando a Eunice vinha ao Dona Maria havia um rumor jubilante no ar, os trabalhadores estremeciam, o teatro zunia, os dourados trepidavam. Porque a Eunice é a coluna. Para sempre alicerce do teatro português, para sempre eixo da nossa história contemporânea", escreveu Pedro Zegre Penim nas redes sociais.
O Teatro Nacional D. Maria II, escreveu uma longa mensagem sobre a atriz na página oficial da rede social Facebook.
"As palavras que não queríamos escrever. O dia que não queríamos que chegasse. Eunice Muñoz partiu. Hoje é o dia zero. Porque há um antes e um depois de Eunice, não só no Teatro Nacional D. Maria II, como também no teatro português", prossegue a mensagem, acompanhada de várias fotografias da atriz, no papel de diferentes personagens, no palco da instituição.
Na página do teatro que criou uma rede com o seu nome - Rede Eunice - para levar a sua programação às mais afastadas e distintas cidades do país, Eunice Muñoz regressa de novo como em algumas das suas principais personagens, como Zerlina, de Hermann Broch, Fedra, de Racine, Mãe Coragem, de Brecht, e como Eunice Muñoz, ela mesma, aplaudida no final de "Passa por Mim no Rossio", o musical de que foi uma das principais intérpretes, exatamente no D. Maria, em 1991.
"Eunice Muñoz tinha apenas 13 anos quando pisou, pela primeira vez, o palco do Rossio", recorda o teatro. "Mas, incrivelmente, a sua carreira já havia começado anos antes quando aos cinco anos começa a encarar o público na pequena companhia teatral ambulante da sua família, Troupe Carmo, da qual faziam também parte os seus avós e as suas tias. Na sua participação, costumava cantar alguns êxitos dos anos 30".
"Eunice Muñoz viveu uma vida no palco e morreu no palco. Mesmo frágil representou (quase) até ao fim", salientou Nuno Santos, diretor da CNN Portugal.
O também diretor de informação da TVI recorda uma atriz de "corpo inteiro, camaleónica, apaixonada pelo que fazia". "A televisão, que sempre visitou, deu-lhe uma segunda vida já numa idade avançada. Tal fez dela uma actriz muito popular e transversal. A TVI, onde sempre esteve nos últimos 20 anos, deve-lhe muitos e bons serviços", escreveu Nuno Santos no Instagram.
"Um sorriso de ternura imortal", destacou o músico Agir. Já o ator e apresentador João Baião deixou um "grande aplauso" na reação que partilhou nas redes sociais.
A atriz brasileira Fernanda Montenegro destacou hoje, em Eunice Muñoz, "a arte de uma grande intérprete", numa mensagem em vídeo publicada na rede social Facebook em reação à morte da atriz portuguesa.
"Eunice Muñoz, saúdo você e o seu ofício de atriz, o dom de carnificar uma dramaturgia escrita", afirma a atriz e escritora, que assumiu, no final de março, o seu lugar na Academia Brasileira de Letras.
Emocionada, Fernanda Montenegro explica como "a dramaturgia escrita tem de vir para a verticalidade do palco", para que as personagens se exponham de facto, perante a plateia, o público, e quanto desse processo e do seu humanismo tem de estar presente "na arte de uma grande intérprete" como Eunice Muñoz.
"Isto faz do seu corpo, da sua sensibilidade, da sua alma, um instrumento místico, Eunice, transcendente, que visa, sem trégua, alcançar, através da sua profissão, o que de melhor, como prática, podemos atingir como criaturas humanas, como seres humanos. É o humanismo através da arte de uma grande intérprete, você, querida Eunice", afirma Fernanda Montenegro.
Na mensagem, a atriz brasileira celebra a vida da atriz portuguesa. Jamais a palavra morte é pronunciada, tão pouco alude ao desaparecimento de Eunice Muñoz. Pelo contrário, dirige-se a ela diretamente, celebrando a sua vida.
"Portanto viva seu coração batendo, viva sua criatividade indestrutível, viva o seu fôlego, viva a sua eterna inteligência cénica!", afirma Fernanda Montenegro.
Com Lusa
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