A luta continua com Penélope Cruz

É uma das estreias fortes da semana, <em>Nas Margens</em>, de Juan Diego Botto, com Luis Tosar e Penélope Cruz. A atriz espanhola esteve com o DN e conta tudo sobre este filme que está ao lado daqueles que o sistema deixa na margem. Uma obra que faz um manguito ao poder e põe-nos na luta.
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Três histórias que se cruzam na azáfama de uma dia duro em Madrid. Uma senhora idosa que quer despedir-se do filho que nunca vê, um ativista social que tenta o dois-em-um - ajudar a própria família e evitar que os serviços sociais afastem uma criança da sua família - e uma mulher prestes a ser despejada de casa. Um realismo espanhol que vive de uma montagem nervosa e dinâmica. É assim este Nas Margens, descoberta no Festival de Veneza, a primeira obra do ator Juan Diego Botto, um argentino há muito radicado em Espanha que, com a ajuda de Penélope Cruz, conseguiu este pequeno feito. Mais tarde foi candidato aos Goyas com cinco nomeações, inclusive para Penélope, como atriz de elenco, ela que também serve aqui de produtora.

Num hotel barroco no Lido, em Veneza, com a sua habitual vivacidade e sorriso aberto, a atriz começa por dizer ao DN que ter sido pela segunda vez produtora não a fez mandona ou coisa assim: "Quis ser produtora para ajudar o Juan Diego Botto, alguém que conheço há muitos anos e já o vi a fazer coisas incríveis. O meu plano secreto era pedir-lhe para escrever algo para que nós dois pudéssemos estar juntos num filme. Se ele aceitasse, convencia-o a realizar, era isso que estava na minha mente. E, afinal, não foi preciso muito para o convencer. Quando me mostrou a primeira versão do argumento estava tudo tão perfeito que eu perguntei-lhe logo: porque não diriges o filme? A quem é que vamos dar uma coisa que é mesmo tão tua? Dois dias depois disse-me que sim... Logo a seguir começámos a tratar do financiamento e escolhemos a Morena Filmes, sobretudo porque já tinha trabalhado com eles no Mamã. Trata-se de um filme pequeno e devido ao seu tema não foi fácil poder concluí-lo... Demorou alguns anos, em especial porque pelo meio apanhámos a covid. Por outro lado, foi muito bem preparado. É por isso que foi muito emocional estar aqui em Veneza a apresentar o filme. Se é para ser produtora interessa-me produzir este tipo de cinema e não cinema de ação ou terror, géneros que não me interessam tanto! E os temas destes filme julgo que são urgentes mesmo que não mudem o mundo. Às vezes, também o cinema inspira através da comédia, género que não é nada fácil".

Na verdade, Nas Margens tem uma acutilância certa, parece estar verdadeiramente do lado solidário. Tem algo de cinema de denúncia social que é doutros tempos. Esta Madrid onde as pessoas são despejadas, onde há desemprego e tristeza no rosto dos cidadãos, é real. Juan Diego Botto não explora estas tragédias, tenta antes colocar-nos perante uma realidade, nada mais. A velha questão utópica do cinema à procura das histórias humanas daqueles que não têm voz e não é por isso que se iça uma bandeira panfletária ou de luta de esquerda radical. "Este filme partiu de um lugar muito orgânico, natural e honesto. O Diego conhece essas pessoas que retrata no filme. E não há uma mensagem. Trata-se de uma proposta acerca da solidariedade social. Esta história sabe olhar para as pessoas que estão por baixo. E é sempre mais interessante poder falar sobre os que não têm vantagem social e, quanto mais não seja, começar um debate. Por exemplo, a personagem do Luís Tosar é alguém que dedica o seu tempo a ajudar os outros. Todas as personagens são reais, não há clichés. E o que é mesmo refrescante neste filme é toda a complexidade de uma situação onde, na verdade, também não existem vilões", confessa a atriz, embora fique patente uma vincada tomada de posição contra as políticas sociais do governo espanhol...

Sobre o desaparecimento de uma faixa grande de espectadores para o cinema de autor depois da pandemia, Penélope mostra-se preocupada: "não quero imaginar um mundo sem salas de cinema, sobretudo pensando nas próximas gerações... Se um dia quiser ir a um cinema e já não encontrar nenhum será muito triste, mas é claro que no meio de tanta crise mundial este não é um problema prioritário. Ainda assim tenho esperança porque ver cinema em casa por streaming é diferente, por muito que seja ótimo isso das plataformas criarem tanta produção e, por conseguinte, tantos empregos. Ao mesmo tempo, a dependência em plataformas provoca um problema de foco na atenção das pessoas. Tem a ver com ritmo... E os mais novos nem vão poder comparar com a experiência do cinema. O ritual de ir a uma sala de cinema não é só um caso de diversão, é muito mais do que isso".

Numa altura em que é notória uma fase de carreira exemplar, Penélope ainda recentemente foi vista em L"Immensitá - Por Amor, de Emanuele Criasele, uma das suas grandes interpretações de carreira, logo a seguir à espantosa criação da sua realizadora egocêntrica em Competição Oficial, de Gastón Duprat e Mariano Cohn, uma das mais felizes sátiras ao cinema europeu dos últimos anos. Um estado de graça que tem tudo para se prolongar no biopic de Enzo Ferrari, Ferrari, de Michael Mann, um dos prováveis candidatos ao Leão de Ouro de Veneza deste ano, onde é Laura Ferrari, ao lado de Adam Driver. E nesse ping-pong entre Espanha e Hollywood na agenda está ainda previsto Paris Paramount, regresso de Nancy Myers e onde dividirá ecrã com Michael Fassbender e Scarlett Johansson. Por tudo isto, a diva espanhola continua a ter o seu estatuto de estrela de cinema global inatacável.

dnot@dn.pt

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