A lição vinda do nata

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Não resisto ao apelo do Café de Nata situado na zona de South Kensington, que sei ser uma das várias lojas que a marca tem em Londres. Além do nome, são múltiplas as referências a Portugal na decoração, de Amália a Pessoa, do Galo de Barcelos ao elétrico amarelo lisboeta. E sem dúvida de que comi um belo pastel de nata, certamente bem melhor do que alguns que já provei em cafés de Lisboa.

Encontrar pastéis de nata à venda mundo fora, seja nos supermercados de países onde a comunidade portuguesa é grande ou em restaurantes com pretensões de mostrar o melhor da gastronomia nacional, deixou de ser novidade. E não faltam artigos de jornal a contar o sucesso deste exemplo da doçaria portuguesa, capaz de cativar em Londres, Nova Iorque, Varsóvia ou até em Tóquio (no Japão, o sucesso do pastel de nata até terá sido facilitado pela fama do castela, bolo de inspiração portuguesa feito naquelas terras desde há meio milénio). Mas nem sempre foi assim, e houve até uma era em que, como me aconteceu em Macau, comi uma egg tart, de aspeto parecido ao pastel de nata, mas sabor muito aquém. Não é fácil conseguir o equilíbrio perfeito entre aquela massa folhada e o creme delicioso.

Ora, se falamos em eras, então, em relação ao pastel de nata, há um antes e um depois de uma intervenção de Álvaro Santos Pereira, em janeiro de 2012, em Lisboa, quando era ministro da Economia. A conferência chamava-se Made in Portugal e a organização era do DN. E recordo-me perfeitamente da risada que se ouviu no Tivoli-Jardim quando, para falar da necessidade de internacionalizar os produtos portugueses, o ministro deu o exemplo do pastel de nata, produto de grande potencial.

Santos Pereira doutorou-se em Economia numa universidade canadiana e desde cedo foi um emigrante, não o típico trabalhador braçal, mas aquele de tipo intelectual que noutras épocas diríamos um estrangeirado. Provavelmente quando visitava Lisboa não deixava de se surpreender pelas filas de turistas à porta dos Pastéis de Belém, os mais famosos dos pastéis de nata, fruto de segredos conventuais de séculos passados. E viu aquilo que nós todos víamos, mas não soubemos interpretar como ele. Ali estava algo para Portugal vender ao mundo, ainda por cima o país que com os Descobrimentos mudou a forma de a humanidade comer e deixou legado, e falo só dos doces, como o tal castela (ou kasutera) em Nagasaki, o rasogolla e o sandesh em Calcutá e no Bangladesh ou o foy tong na Tailândia.

Como ministro, Santos Pereira não foi bem-sucedido e não por culpa do elogio do pastel de nata. Era o terrível tempo da troika. Depois foi para a OCDE, onde se tornou economista-chefe. Mais do que sublinhar ele ter tido razão antes de tempo, e teve, é importante aprender a lição do que significou aquele riso de parte da classe empresarial e as declaração políticas jocosas nos dias seguintes, destacadas nos jornais. Até se criticou o ministro por falar supostamente do óbvio, de que qualquer café de emigrantes portugueses tinha pastel de nata, quando o que se pretendia era ir além do mercado da saudade. Em Londres até há muitos portugueses, mas quem vi a deliciar-se no Café de Nata era de várias geografias.

Santos Pereira deu-nos uma lição a todos. Não devíamos esquecer que por vezes as boas ideias são as mais simples. Tão simples - e tão tentadoras de imitar no sucesso quando ele finalmente acontece - que agora quando viajamos e vemos aqui e acolá imitações mal conseguidas do nosso nata já podemos perceber o que indigna os italianos quando viajam e veem por todo o lado a sua gastronomia, ou antes, algo que diz ser comida típica italiana.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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