A joalharia que nasceu das moedas monárquicas

A marca Anselmo 1910 foi criada com a implantação da República por Anselmo Torres e passou de gerações até às mãos do seu bisneto Nuno, que aposta no 'design' português.
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Introduziu o negócio do ouro na mesma loja onde há anos confeccionava fatos com a mulher. Os negócios corriam lado a lado, mas, com a implantação da República em 1910, Anselmo dos Santos Torres acabou por abdicar dos trapos e dedicar-se somente à ourivesaria. A opção foi mantida em família e, mais de um século depois, ali permanece, pelas mãos de um bisneto que em durante as férias escolares acabou por se apaixonar pelo brilho da prata e do ouro.

"É preciso gostar deste ramo de negócio", reforça ao DN Nuno Torres, 47 anos, no segundo andar do edifício da Baixa de Torres Vedras, onde em 1910 as paredes deixaram de ser divididas entre artigos de alfaiataria e peças em ouro. Reza a história, e ele conta--a, que o avô tinha 37 anos quando os republicanos derrubaram a monarquia. Mudança política exigiu troca de moeda, e o avô, Anselmo, descobriu a pólvora, ou melhor... a prata. "As moedas da Monarquia tinham um teor de prata maior do que as da República." Enquanto as lojas da especialidade cobravam comissão pela troca, Anselmo passou a fazer troca por troca - sem comissão - a clientes vindos de todos os pontos do País. "Depois ia a Lisboa e vendia as moedas monárquicas a ourives e relojoeiros."

O lucro obtido permitiu-lhe abandonar o ofício de alfaiate, sem abdicar da loja que adquirira com o dinheiro ganho com o corpo - enquanto militar em Moçambique participou na batalha de Marracuene e na captura de Gugunhana (que tentou tomar os portos estratégicos daquele país). O "espírito empreendedor" atraiu-lhe sorte e, numa das viagens em Lisboa, um tal de "senhor Garcia" propôs-lhe um negócio. Sem filhos ou descendência, cedeu-lhe os 500 contos de crédito na ourivesaria Barateiro Pimenta, no centro da Baixa lisboeta. "Se o casal morresse, ele ficaria sem dívidas, caso contrário ele iria pagando conforme pudesse."

Com o eclodir da II Guerra Mundial, em 1939, o negócio prospera. Atrás do balcão da ourivesaria aparece gente endinheirada fugida ao regime nazi. Há famílias que disputam jóias e estão prontas a pagá-las a qualquer preço, e homens que - apesar de analfabetos - ostentam quatro canetas Parker no bolso. Por outro lado, cresce o negócio do volfrâmio (usado no armamento), procurado pelos EUA e pela Alemanha . Contexto que permite a Anselmo saldar rapidamente a dívida da loja.

Anselmo foi pai de quatro filhos, só dois dedicados ao negócio. Com a sua morte, um deles fica com a loja de Lisboa, o outro - avô de Nuno - encarrega-se da primeira loja da família em Torres Vedras. Foi ali, durante as férias escolares, que Nuno se encantou pelo ouro e pela prata. Aos 22 anos tomou conta do negócio. Manteve a loja original e abriu ao lado outra com peças de maior design. Também ele, com genes empreendedores do bisavô, expandiu a rede de lojas Anselmo 1910. São mais três: no Torres Vedras Shopping, no Centro Comercial Colombo e nas Amoreiras.

Os tempos são outros, mas, segundo Nuno, ainda há quem compre ouro como aforro pronto a fazer frente a dificuldades económicas. Mas desenvolveu-se um outro ramo, o da joalharia. Há clientes que compram as peças como acessório de moda e há cada vez mais designers a inovar nesta matéria. "Em Portugal começam a aparecer designers interessantes, ainda poucos, mas há excelentes artesãos." Por isso, todas as peças da marca Anselmo são pensadas pela própria empresa ou por designers portugueses. E concebidas por artesãos, também eles portugueses.

Nuno aposta ainda na comunicação e alia-se às novas tecnologias. Em breve terá alguns artigos disponíveis para venda online (seja da marca Anselmo 1910, seja de outra reconhecida no mundo). Há ainda uma revista bianual e um perfil no Facebook.

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