A Índia merece mais voz na ONU

Publicado a
Atualizado a

Quando Subrahmanyam Jaishankar afirma que "a reforma das Nações Unidas é absolutamente essencial para que a ordem mundial se torne contemporânea" está a fazer um alerta que poderia ser subscrito por qualquer especialista em Relações Internacionais, até mesmo por qualquer cidadão bem informado que saiba que o assento permanente no Conselho de Segurança, com direito de veto, continua, desde 1945, reservado aos cinco países considerados os vencedores da Segunda Guerra Mundial, ou seja os Estados Unidos, a Rússia (sucessora da União Soviética), a Reino Unido, a França e a China. Mas Jaishankar é o ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, sem dúvida o país mais injustiçado no sistema onusiano, basta pensar que é hoje o mais populoso dos 193 Estados-membros. Portanto, mais do que um alerta, a frase citada, e que dá título a uma entrevista ao DN, é uma reivindicação legítima.

Há outros candidatos evidentes a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas se uma reforma da estrutura, e sobretudo do seu mais poderoso órgão, avançar. Digo o Brasil, sem hesitar. como um futuro membro de pleno direito; creio que a Alemanha e o Japão também são candidatos a ter em conta; e acrescento que África tem direito igualmente a estar representada. A posição de Portugal sobre o tema passa pelo apoio inequívoco a Brasil e Índia e por defender a inclusão de um país africano cujo nome será decidido pelos próprios africanos. Já o Brasil e a Índia apoiam-se mutuamente e, inclusive, integram, com a Alemanha e o Japão, um grupo que partilha a ambição.

Seja por resistência dos cinco membros permanentes atuais, seja pelas clivagens no próprio cenário internacional, não é de crer numa reforma em breve das instituições onusianas. E sabe-se como rivais regionais tanto do Brasil como da Índia procuram nos bastidores complicar quaisquer projetos em função dos seus próprios interesses, ignorando a realidade demográfica, económica, cultural, e até o papel desempenhado na fundação das Nações Unidas por ambos (sim, Índia é fundadora, mesmo só sendo independente a partir de 1947). Mas o mais populoso país do mundo, condição que a Índia ganhou este ano, estar fora do chamado P5, é especialmente grave e prejudicial para a imagem e funcionamento do Conselho de Segurança e das Nações Unidas em geral.

Na verdade, aconteceu já entre 1949 e 1971, quando a República Popular da China esteve ausente, pois a República da China é que estava representada, tendo perdido a guerra civil no continente e só governando a ilha de Taiwan, mas mesmo assim havia a questão da legitimidade de cada governo e, apesar da disputa resultar da lógica da Guerra Fria, podia sempre dizer-se ser um assunto entre chineses.

Portugal, na sua estratégia de procurar parcerias várias pelo mundo sem esquecer os tradicionais aliados no Atlântico Norte, faz bem em cultivar uma proximidade com a Índia, e foram reveladoras as palavras de apreço mútuo trocadas entre Jaishankar e o ministro João Gomes Cravinho numa sessão em Lisboa aberta à comunidade luso-indiana e indiana. Faz bem também a diplomacia portuguesa em não desistir de apoiar a justíssima reivindicação da Índia em relação às Nações Unidas, verbalizada agora.

Diretor interino do Diário de Notícias

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt