A Idade de Ouro do Renascimento português chega ao Louvre
Naqueles finais do século XV e primeira metade do século XVI, alimentada pela expansão e financiada por mecenas como os reis D. Manuel I e D. João III, a pintura portuguesa vive uma época dourada. Ora é precisamente esta "Idade de Ouro do Renascimento Português" que hoje chega ao Louvre, graças a um conjunto de obras emprestadas pelo Museu Nacional de Arte Antiga. Inserida no âmbito da Temporada Cruzada França-Portugal, a abertura da exposição coincide com o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades e estará patente até 10 de outubro.
A exposição abre com o São Vicente Atado à Coluna de Nuno Gonçalves, primeiro grande pintor português, ainda no século XV, mas todos os artistas presentes nesta mostra trabalharam em Lisboa até meados do século XVI. Enquanto capital de um império em construção, a cidade era então um exemplo de multiculturalismo, virada para o mar e aberta ao Novo Mundo que se estava a descobrir. Muito influenciada pelos pintores de origem flamenga, como Francisco Henriques ou o Mestre da Lourinhã, que trazem para Portugal a sua técnica refinada de pintura a óleo, bem como a paixão pelas paisagens e por alguns efeitos de decoração, como os tecidos ou materiais preciosos.
É nessa época que em torno de Jorge Afonso, muito influente na corte, se forma um grupo de artistas, unidos por laços familiares, que assumiram esta forma de pintar e realizam a maior parte das obras encomendadas pelo rei para as igrejas e mosteiros.
As pinturas agora expostas no Louvre têm todas temas religiosos. Um exemplo é Inferno, um painel de autor anónimo que evoca os pecados capitais e os castigos que esperam quem os cometeu, incluindo alguns nus, muito raros na pintura portuguesa daquela época.
"O Louvre era de facto o castelo que ainda não tinha sido visitado pelas "tropas" portuguesas", confidencia Manuela Júdice ao DN. A comissária portuguesa da Temporada Cruzada França-Portugal sublinha a importância de ter 15 obras do Renascimento português no museu parisiense. Até porque a arte portuguesa desta época é muito pouco conhecida em França. E se recorda que o Louvre tem uma Josefa de Óbidos, Manuela Júdice admite que "com esta dimensão nunca tinha havido uma exposição de pintura portuguesa" naquele museu. E de sublinhar: "É o peso do Louvre. O museu onde está a Vitória de Samotrácia, onde está a Mona Lisa". Por isso, "ter aqui no Louvre a nossa arte do Renascimento é muito importante. Até para os franceses perceberem que nós também temos coisas boas".
Este é o segundo evento da Temporada França-Portugal que o Louvre recebe, depois de Pedro Cabrita Reis ter exposto durante perto de quatro meses no Jardim das Tulherias a sua obra monumental As Três Graças. À arte contemporânea segue-se agora o Renascimento no que a diretora do museu, Laurence des Cars, descreve como "a passagem de testemunho que ilustra ao mesmo tempo a vitalidade do génio criativo português e a incrível diversidade de discursos que o Louvre oferece, sendo ao mesmo tempo um palácio, jardins, uma coleção e um cenário que inspira os artistas do nosso tempo".
Num discurso proferido por ocasião da visita do primeiro-ministro António Costa a Paris no dia 7, Laurence des Cars explicou que esta exposição de obras de artistas renascentistas portugueses lhe é particularmente cara por duas razões. A primeira é que "a pintura portuguesa está quase ausente das coleções do Louvre: contamos apenas com um pequeno núcleo de quatro pinturas portuguesas do século XV ao século XVIII". Uma lacuna que este empréstimo do Museu Nacional de Arte Antiga vem agora temporariamente colmatar. A segunda é que "esta pintura do Renascimento português é como uma metáfora da hibridação da cultura europeia", uma vez que vai buscar influência à pintura flamenga, com pintores como Jan van Eyck que fez parte da embaixada encarregue do casamento de Isabel de Portugal como Filipe, o Bom, da Borgonha.
Para a diretora do Louvre, "esta arte lisboeta junta as influências do Atlântico e do mar do Norte, da Saône e do Reno, da Mosa e do Tejo, e claro, da modernidade artística nascida em Itália, ao mesmo tempo que a abria aos novos horizontes do "Novo Mundo" que os navegadores portugueses descobriam". Um "belo símbolo", disse, "da cultura comum que liga intimamente os povos do nosso continente" quando chega ao fim a presidência francesa da União Europeia, que se seguiu de perto à presidência portuguesa.
E essas troca cultural vai continuar em outubro, quando a exposição "L"Âge d"Or de la Renaissance Portugaise" terminar em Paris, segue para Lisboa um autorretrato de Nicolas Poussin. A obra Retrato do Artista vai ser emprestada pelo Louvre ao Museu Nacional de Arte Antiga. "Não é uma lança em África, mas é uma lança aqui na Península Ibérica", explica Manuela Júdice. Afinal, trata-se de uma obra que geralmente não viaja. Em Lisboa, fará parte de uma exposição que incluirá também a obra de Poussin Os Filisteus atacados de peste em Azot, que faz parte da coleção do MNAA. "A ideia é pô-las em diálogo e trabalhar sobre a parte técnica, da conservação e restauro de obras deste tipo", explica a comissária.
Quanto à Saison, até agora o balanço é muito positivo. Neste momento, além de vários eventos a decorrer nos dois países, Portugal é protagonista de três exposições em Paris: além da pintura do Renascimento no Louvre, o Hotel de la Marine recebe "Gulbenkian par lui-même", e "Le Reste est Ombre" está patente no Centre Pompidou.
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