A história do Livre – morrer sem ter chegado a nascer
Nada contra Joacine. Ou seja, sim, ela era a cabeça de lista por Lisboa e ganhou. Mas o Livre já existia antes de Joacine, baseado numa sólida ideia política de Rui Tavares. E hoje o contraste à vista no Parlamento é gritante. Um dos fundadores, Ricardo Alves, que esta semana se demitiu, sintetizou aqui no DN as razões pelas quais não continuará: o Livre já não tem ao centro a ecologia, a Europa e os direitos laborais. O que é hoje o Livre?
Pedir a Joacine Moreira para sair exige fundamentação. É preciso ir então à história, que começa em setembro de 2013. Rui Tavares, eurodeputado filiado nos "Greens", lança a ideia de se criar um movimento novo à esquerda. Recordemo-nos que Portugal estava destroçado, sob o efeito da Troika, e no PS estava António José Seguro, claramente sem chama para fazer frente à maioria PSD/CDS. O Bloco acabava por não colocar no centro do seu combate político temáticas tão essenciais como o ambiente, além de ser contra a manutenção de Portugal no euro.
Rui Tavares trouxe estes temas para a agenda - uma esquerda verde e europeísta. Perdeu a eleição para o Parlamento Europeu em 2014 mas as ideias faziam sentido. O sucesso nacional do PAN, mais tarde, é um bom exemplo de como as causas ambientais precisavam de novos protagonistas.
Entretanto, outra das ideias do Livre nas eleições em 2015 era a de que faltava uma união à Esquerda (Rui Tavares ficou como o pai da Geringonça avant la lettre). Como se viu, o diagnóstico estava certo, apesar de não ter conseguido a eleição por Lisboa.
Assim chegamos às Europeias de 2019, onde o Livre tem o melhor resultado de sempre, mas não conseguiu eleger nenhum deputado. É neste momento que o seu fundador olha para a política com o despojamento que lhe é reconhecido e recusa ser cabeça de lista em Lisboa - só porque foi cabeça de lista para o Parlamento Europeu. E esta decisão revela-se hoje trágica, por melhor que tenha sido a intenção.
Em outubro último o Livre consegue eleger um deputado por Lisboa. Só que os princípios ideológicos representados no Parlamento por Joacine Moreira, sendo importantes, não são a matriz primacial da fundação do Livre. E quando ela é a única deputada, o partido confunde-se com ela.
É verdade que as regras abertas e democráticas do partido colocaram Joacine como cabeça de lista por Lisboa. Mas quando ela não sabe de que lado está um partido como o Livre numa questão como a de Israel/Palestina, não há mais nada a dizer.
É nessa medida que o Livre e o Parlamento tinham muito a ganhar com um ato de grande generosidade: Joacine devia ceder o lugar a um dos candidatos a deputados seguintes na lista por Lisboa e cuja consistência política pudesse ser colocada ao serviço da ideia fundadora do partido.
As intenções de Joacine Moreira, por melhores que sejam, podem matar um projeto político generoso e diferente - e onde também ela pode ter um papel. Mas o diagnóstico é claro: ou o Livre regressa à origem, ou morreu. Joacine, escolha por favor.