A herança plural de Pasolini

Em colaboração com a Cinemateca, a Festa do Cinema Italiano apresenta um conjunto de filmes realizados por Pier Paolo Pasolini, a par de outros que refletem a diversidade da sua obra.
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Amanhã, sábado, dia 2, pelas 18h00, Ninetto Davoli, ator fetiche da obra de Pier Paolo Pasolini (1922-1975), estará presente na Cinemateca Portuguesa para uma conversa com Isabel Ruth, que teve uma pequena participação no filme Édipo Rei (1967), a exibir nessa mesma noite (21h30) na sala da rua Barata Salgueiro - é um acontecimento excecional no interior de um ciclo, também ele, francamente invulgar.

De facto, o ciclo "Pasolini revisitado", integrado na Festa do Cinema Italiano, aposta na revisitação da herança plural de uma figura central da modernidade cinematográfica italiana. Entenda-se: plural porque, para lá dos filmes que assinou como realizador (não todos, porque, precisamente, não se trata de uma retrospetiva de autor), será possível descobrir um conjunto de títulos em que a influência de Pasolini vai da participação direta nos argumentos até à inspiração literária ou simbólica.

É muito variado esse "efeito Pasolini". Há, desde logo, os filmes a cuja conceção ele ficou ligado como argumentista: é o caso de As Noites de Cabíria (1957), de Federico Fellini, que se inscreveu na história do cinema italiano como um momento de balanço e superação das matrizes neo-realistas, La Notte Brava (1959), de Mauro Bolognini, que o próprio Pasolini considerava o seu primeiro argumento com um cunho pessoal, ou Ostia (1970), estreia na realização de Sergio Citti.

Podemos também encontrar os filmes que, de uma maneira ou de outra, "ecoam" a obra e a personalidade de Pasolini. Assim, por exemplo, Il Patrone Del Casilino (1996), de Giuseppe Bertolucci, adapta um monólogo do seu derradeiro romance, Petróleo, enquanto Le Bassin de J.W. (1997), de João César Monteiro, colhe inspiração em vários textos de Pasolini.

Sem esquecer, claro, todos aqueles que citam diretamente a sua personalidade e a sua história - é o caso de Querido Diário (1993), de Nanni Moretti, numa inesquecível e perturbante peregrinação ao local em que Pasolini foi assassinado, e também dessa narrativa trágica sobre os derradeiros dias do realizador que é Pasolini (2014), de Abel Ferrara.

A exibição de filmes de Pasolini afigura-se tanto mais importante quanto as respetivas cópias (restauradas) irão também surgir no circuito comercial, incluindo as suas três primeiras longas-metragens - Accattone (1961), Mamma Roma (1962) e O Evangelho Segundo S. Mateus (1964) - decisivas na evolução, não apenas do cinema italiano, mas em boa verdade de todo o cinema europeu na época gloriosa das "novas vagas".

São obras que envolvem um desejo de realismo especialmente contundente no retrato dos mais pobres (lembremos o exemplo emblemático de Accattone), sem nunca menosprezar, bem pelo contrário, a energia transfiguradora da palavra escrita (sendo O Evangelho Segundo S. Mateus a expressão máxima de tal energia).

Tudo isso, enfim, acolhendo a beleza desconcertante da fábula, tal como acontece em Passarinhos e Passarões (1966), hoje na abertura do ciclo, às 19h00, na Cinemateca, também com a presença de Ninetto Davoli.

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