A habitação tornou-se num problema politico com "potencial impacto eleitoral"

Aumento exponencial do custo da habitação, sobretudo nas grandes cidades, transformou este setor num problema político. Eis a resposta dos partidos.
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Os números vão dar todos a um cenário de crise. Portugal foi o país da União Europeia onde o preço das casas mais subiu em 2018, mais do dobro do valor médio da UE. A despesa das famílias portuguesas com a casa foi das que mais aumentou nas últimas décadas nos países da OCDE, crescendo a um ritmo muito superior ao do rendimento das famílias. Em Lisboa, no ano passado, houve uma queda de 20% nos contratos de arrendamento. Os valores medianos de venda nas sete freguesias do Porto passaram os mil euros no final de 2018.

As estatísticas têm sido unânimes e os relatos praticamente diários - despejos (veja-se o caso Fidelidade), rendas aumentadas para valores incomportáveis, falta de habitação disponível, o centro histórico das grandes cidades a perder habitantes para as periferias. A questão da habitação foi entrando política adentro na legislatura que agora termina e promete prolongar-se pela próxima. Dos últimos quatro anos fica um considerável acervo de novas leis nesta área, a última das quais a Lei de Bases da Habitação - a única das grandes áreas sociais que não tinha, até agora, uma lei-quadro.

Com as eleições à porta, André Freire, professor catedrático em Ciência Política, não tem dúvidas de que a área da habitação "tem todo o potencial para ter um impacto eleitoral importante", desde logo porque "tem uma grande centralidade na vida das pessoas" - "o peso das despesas com a habitação é enorme". A soma de um conjunto de circunstâncias - entre as quais o boom do turismo é a mais visível - tem vindo a transformar esta questão num "problema nacional". "Os preços da habitação são elevadíssimos, enquanto a mediana do rendimento das pessoas está praticamente igual", sublinha o politólogo, acrescentando que as pessoas "estão a ser atiradas para os subúrbios nas grandes cidades". André Freire sublinha que este "é um problema que afeta muita gente, que está descontente com o que se passa" e que é "preciso que os agentes políticos sejam capazes de propor soluções". Mas também vai dizendo que os partidos devem inscrever o tema como prioritário na agenda e apresentar propostas "claras e suficientemente diferenciadas", sob pena de este se transformar em mais um foco de insatisfação com a classe política. "Se vemos que há uma ladainha sobre isto, mas não se percebe uma diferenciação, uma priorização, se não há medidas-chave, se as pessoas não vêm uma alternativa", nesse cenário o possível impacto tenderá a transformar-se em descontentamento.

Historicamente, a habitação tem surgido nos programas eleitorais sobretudo pela preocupação em garantir habitação social às camadas mais desfavorecidas. Mas neste ano, dando seguimento ao que já se via nos programas de há quatro anos, a habitação para a classe média surge como uma preocupação transversal. No que se refere aos princípios gerais, os programas eleitorais são, aliás, bastante convergentes - aumento do parque habitacional do Estado, que atualmente se fica por uns irrisórios 2% do total, muito abaixo dos valores de outros países europeus; habitação social condigna; e promoção do arrendamento acessível.

PS. Reforçar os programas já lançados

As promessas eleitorais do PS são sobretudo de continuidade face aos programas lançados nesta legislatura, com o fim último, anunciado por António Costa, de "erradicar todas as carências habitacionais até ao 50.º aniversário do 25 de Abril, em 2024". O Levantamento Nacional de Necessidades de Realojamento Habitacional, conhecido em 2018, identificou 25 762 famílias em situação de carência habitacional. É sobretudo a estes agregados que se dirige o 1.º Direito. Mas não há números de investimento no programa do PS, que promete alocar ao programa "os recursos financeiros necessários". Nas propostas para os próximos quatro anos, o PS diz querer criar um "parque habitacional público a custos acessíveis, orientado para dar resposta aos agregados de rendimentos intermédios". As soluções apresentadas são, em larga medida, as que já foram lançadas nesta legislatura: o programa de Arrendamento Acessível, o reforço do Porta 65 Jovem ou o reforço do Fundo de Reabilitação do Edificado com mais património devoluto do Estado.

PSD. Acabar com os vistos gold no imobiliário

Na mesma linha, para o PSD, a habitação pública deve dar resposta a três necessidades - habitação social; habitação acessível para a classe média; residências universitárias - os sociais-democratas põem particular enfoque nesta última.
O programa do PSD defende que o "funcionamento orgânico do mercado imobiliário deve ser livre, mas monitorizado de perto pelo Estado", com vista a "identificar e a agir rapidamente quando há alterações". Foi o que o governo não soube fazer, argumenta o PSD, ao ter mantido os vistos gold para o imobiliário - um instrumento criado numa "época de mercados congelados", que nos últimos anos acabou por contribuir para o "sobreaquecimento de um mercado especulativo". Nesta linha, o PSD propõe que os vistos gold sejam limitados aos setores produtivos (criação de postos de trabalho) ou, no caso de aquisição imobiliária, que sejam aplicados fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

BE. Seis mil milhões de euros para a habitação

O programa do BE é o mais detalhado nas propostas e também o mais crítico com o que foi feito nos últimos anos pelo governo, - programas "atrasados e fragmentados", com uma "dimensão e financiamento reduzidos". Na mira dos bloquistas está também o regime das SIGI (sociedades de investimento e gestão imobiliária), aprovado já neste ano, um instrumento através do qual "o PS acomoda os interesses do mercado financeiro e garante que as famílias pobres e de rendimentos médios serão sempre prejudicadas". O BE quer lançar um programa para criar 150 mil novos fogos de habitação pública, 50 mil para habitação social e cem mil casas para "arrendar entre 150 e 500 euros" (seis mil milhões de euros nos quatro anos da legislatura, que o BE diz que serão recuperados a partir do quinto ano de vigência). O BE quer ainda promover contratos de longa duração a oito anos.

CDS. Facilitar a vida ao setor privado

Já o CDS reserva um papel bastante diferente ao Estado, chamado a facilitar a vida à atividade privada, disponibilizando áreas para construção - ou reabilitação - a "preços atrativos" a instituições particulares de solidariedade social, cooperativas e empresas privadas. Os centristas querem também simplificar as operações urbanísticas, "flexibilizar os requisitos exigidos a cada tipo de utilização" e reduzir os entraves na alteração de regras aos planos diretores municipais. Para o CDS,"requisitos mínimos, limiares máximos, normas técnicas, etc. custam dinheiro" - "muitas destas imposições administrativas não têm qualquer relação com o que o mercado procura, mas têm um impacto no preço que residentes atuais e potenciais pagam".

PCP. Arrendamento com contratos de dez anos

O PCP quer "mobilizar o património habitacional público para programas de renda apoiada ou de renda condicionada". Os comunistas defendem também um novo regime de arrendamento urbano - ou seja, a eliminação total da chamada "lei Cristas", de 2012 - que "elimine a agilização dos despejos, designadamente com a revogação do "balcão dos despejos" -, o que a esquerda já tentou fazer nesta legislatura, sem sucesso. O PCP quer fixar um mínimo de dez anos para novos contratos de arrendamento.

PAN. Pagar a senhorios com rendas baixas

O PAN defende a reabilitação dos bairros municipais, quer mais casas públicas no mercado de arrendamento e defende novas medidas para pôr termos à discriminação no acesso à habitação. A proposta mais original em relação aos restantes programas passa por criar um fundo de compensação aos proprietários "cujos imóveis permaneçam com contratos de arrendamento claramente prejudiciais em termos financeiros, mas que paralelamente cumpram uma função social".

Artigo publicado originalmente na edição impressa do DN de 14 de setembro

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