A guerra das horas de almoço no Instituto Espanhol
Jornada contínua das 8:20 às 15:15, com dois intervalos de 15 minutos. A decisão terá sido comunicada aos encarregados de educação dos alunos do Instituto Espanhol Giner de los Rios, em Lisboa, dois dias úteis antes do início das aulas. A maioria não achou bem que as crianças - a medida aplica-se aos alunos maiores de 11 anos - estivessem sete horas sem comer e protestaram.
No primeiro dia de aulas houve, relata o El País, uma pequena manifestação no pátio desta escola situada em Algés e onde estudam 1076 alunos. Após conversas com a direção, foi feita uma consulta aos pais. Porém, apesar de se ter apurado que 72% se opunham, a decisão da direção foi manter o novo horário, "a título experimental", este ano.
Segundo os pais ouvidos pelo DN, o horário oficial de saída é às 15.40, mas os alunos terminam as aulas às 15.15, ficando com 25 minutos para almoçar. Muitos acabam, no entanto, por almoçar mais tarde, apenas quando chegam a casa. Perante a recusa da direção em voltar ao horário antigo (com um intervalo de 30 e outro de 55 minutos), os encarregados de educação sugeriram que o período de almoço - os tais 25 minutos - fossem antecipados uma hora. "Mas no dia 5 de outubro recebemos uma circular a dizer que ficava tudo na mesma".
Inconformados com a situação, os pais, que entretanto criaram uma comissão para tratar do tema, têm enviado queixas para as autoridades portuguesas e espanholas, mas, até ao momento, a situação mantém-se. Por cá, dizem ter contactado a Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC), que não terá forma de agir, uma vez que o instituto não está sob a tutela do Ministério da Educação. Na resposta enviada aos pais, a IGEC explicou que o Instituto Espanhol Giner de los Rios "não é um estabelecimento de ensino particular e cooperativo", pelo que a inspeção "não tem competência para intervir".
"Entendemos que do ponto de vista pedagógico não tenha competências para intervir, mas a legislação nacional tem de ser cumprida", critica uma mãe, que não quis ser identificada, pedindo a intervenção do Estado português.
Sem respostas, os encarregados de educação lembraram-se de bater à porta da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.
Esta, considerando que o novo horário pode pôr em causa o desenvolvimento, bem-estar e saúde das crianças e jovens num "período de crescimento e desenvolvimento físico particularmente exigente, e pode inclusivamente prejudicar o seu rendimento escolar", enviou uma comunicação ao Instituto, pedindo-lhe que pondere a revisão do horário e adapte"aos direitos das crianças".
Cerca de 90 famílias enviaram entretanto um "recurso de alzada" para a Conselharia da Educação espanhola em Lisboa, "por via administrativa, para que se verifique se foi cumprida a legislação" na mudança de horário, uma vez que os contratos foram celebrados com as regras anteriores. "As crianças foram matriculadas com o horário do ano passado. Foi chocante saber da mudança tão pouco tempo antes de a escola começar".
Ao que o DN soube, o novo horário foi aprovado em conselho escolar, onde estão representantes dos alunos, professores, pais e funcionários, com 9 votos a favor, uma abstenção e um contra. Posteriormente, foi informada a Inspeção Geral da Educação espanhola e, por último, a Conselharia da Educação de Espanha em Portugal.
Pelo que foi possível apurar, na tentativa de encontrar uma solução foi feita uma proposta com um intervalo de 25 minutos a meio da manhã e outro de meia hora para almoço (das 14.15 às 14.45), com as aulas a terminarem às 15.40, mas os "recursos de alzada" colocados pelos pais terão impedido que as partes chegassem a acordo.
Para Paulo (nome fictício), pai de três alunos de diferentes níveis do Instituto Espanhol, "os horários são selvagens e não se consegue perceber a maneira como foram anunciados". Diz que o novo horário não lhe causa transtorno do ponto de vista logístico, mas "não permite que se aprenda". "Não é o modelo de escola que defendo", frisa.
Em Espanha, salienta Paulo, "quando se muda para a jornada contínua, existe uma votação e nunca são tantas horas seguidas", uma vez que o ensino não é bilingue, como em Portugal, o que exige uma maior carga horária.
"Para já, só o meu filho mais velho é que está abrangido por este horário. Para ele, a escola mudou completamente. No outro dia, levou uma bolada, porque estava a comer enquanto jogava. A escola passou a viver-se com pressa", denuncia este pai, que, se a situação se mantiver, equaciona mudar os filhos de escola.
Uma das questões que se coloca é a hora a que as crianças almoçam, mas não é a única. "Estamos todos preocupadíssimos. Como é que as crianças aguentam sete horas seguidas com intervalos de 15 minutos? Preocupa-nos o estado de saúde dos nossos filhos, o pouco tempo de convivência que têm com os colegas, o facto de deixarem de ter recreio, espaço para estar e desanuviar", explica Diana (nome fictício), que também pede anonimato, com medo que haja consequências para os filhos.
Diana e Paulo acreditam que esta decisão também terá consequências ao nível da concentração e do rendimento escolar dos alunos. "Não há rendimento depois de sete horas de aulas. Os miúdos vêm estoirados. Nem quero imaginar no final de um ano letivo", afirma Diana.
Para tentar minimizar o impacto desta nova medida, o DN sabe que há pais que estão a enviar lanches reforçados e até refeições rápidas, para que as crianças se alimentem no intervalo de 15 minutos.
O novo horário surge na sequência de alegadas reivindicações de pais e alunos, que pediam que as aulas acabassem mais cedo para que pudessem ter mais tempo livre e para estudar, uma vez que o colégio é bilingue e tem uma elevada carga horária. "Os alunos mais velhos sentem que ganharam uma guerra, porque estão a sair mais cedo, mas os mais novos chegam muito cansados, com dores de cabeça, não brincam", critica Diana.
Dos 419 estudantes abrangidos pelo novo horário, foram recolhidas 329 assinaturas a favor do mesmo.
O DN está a tentar contactar a direção do colégio.
Notícia atualizada às 14:15