Fake news, rumores, redes sociais. Esta democratização ao extremo da comunicação é cada vez mais perigosa? Sim, porque nas redes sociais não há policiamento, não há regras. Todos podem exprimir-se. A expressão é democracia, mas ao fim de algum tempo transforma-se em tirania. Se não há controlo, podemos dizer qualquer coisa. Há 50 anos não podíamos imaginar uma coisa destas. O que é que dizíamos há 50 anos? Quanto mais informação houver, menos segredos e mais verdade haverá. Dizíamos que íamos controlar, não é verdade! Fake news! As pessoas adoram boatos, haverá cada vez mais boatos. Todos querem estar dentro do quarto do chefe do Estado para saber com quem ele dorme! Sim, há um verdadeiro problema de controlo. Logo, é preciso regulamentar a internet, é preciso que os jornalistas parem de achar que a verdade está nas redes sociais, que lembrem às pessoas que a grandeza da sua profissão é a construção de uma informação. Quer estejam certos ou errados, é uma profissão, com regras, com deontologia. Temos de acabar com a ingenuidade de acreditar que, só porque as pessoas se exprimem, estão corretas. Não! Expressão não é sinónimo de informação, não é sinónimo de verdade. Esta é uma luta política que os europeus têm de ser os primeiros a travar, porque foram eles que fundaram a democracia. E sim, é uma verdadeira ameaça..Chegámos a pensar há uns anos que as redes sociais iam tornar os jornalistas desnecessários, mas, perante este cenário, podemos dizer que os jornalistas são cada vez mais essenciais? Os próprios jornalistas acharam isso! Ficavam ali a olhar para as redes sociais e a dizer: "É formidável!" E eu dizia-lhes para pararem de ser tão simpáticos. Perguntava se não viam que ali se dizia toda a espécie de parvoíce. Felizmente, há tantos estragos agora que, se forem inteligentes, os jornalistas podem tirar disto lições positivas..As pessoas vão dar mais importância ao trabalho jornalístico, para fazer a triagem no meio de tanta informação e desinformação? Sim. Dos jornalistas, dos documentalistas e dos arquivistas. É importante! Os documentalistas e arquivistas são vistos como secundários, mas são eles que sabem navegar neste mar de dados. Os próprios jornalistas às vezes não lhes têm o devido respeito. É este triângulo que é preciso salvar..Em junho dizia duvidar da eficácia de legislar sobre as fake news... Podemos legislar. É preciso. Mas a verdadeira batalha não é jurídica, é antropológica. Ou seja, temos de conseguir dizer que aquilo que cada um de nós tem para contar não é assim tão interessante. A expressão não é o cúmulo da liberdade. A expressão é muito egoísta. E o problema não sou eu, o problema sou eu e o outro. Por isso, o verdadeiro desafio da democracia é a alteridade..Dá como exemplo dessa alteridade a União Europeia... Espero que as pessoas percebam que acho a União Europeia uma coisa fantástica! É verdade que nos odiamos, por isso discutimos tanto. Mas há um exemplo maravilhoso que queria dar. No final de cada Conselho Europeu, há sempre uma câmara de filmar que entra na sala e é maravilhoso de se ver: os líderes estão cansados, não concordam uns com os outros, não assinaram nada, vão ter de voltar, estão em mangas de camisa, já tiraram as gravatas, mas estão a abraçar-se. Despedem-se como um velho casal. Há naquela sala uma familiaridade! Até fico emocionado a dizer isto. Há uma familiaridade que não se encontra noutro sítio. De tanto se encontrarem, de tanto negociarem. É maravilhoso. O outro sítio onde há um pouco isto é na ONU, mas lá é uma Assembleia Geral por ano, aqui é a toda a hora. E nunca funciona. E voltamos. E, à beira do abismo, encontramos uma solução..Hoje o mundo aprendeu a viver ao ritmo dos tweets de Donald Trump. Os políticos sentem que encontraram uma forma de comunicação direta com o eleitor? Sim, mas é ridículo. Porque o público é voyeur mas não deixa de pensar. A grandeza de um político não é mandar tweets. Governar é das coisas mais complicadas. Os cidadãos são todos iguais na hora de votar, isso sim, mas de resto não. Não há igualdade, há competências. Governar os EUA é monstruosamente complicado. E é demagógico achar que enviando tweets explicamos às pessoas como governamos e que as pessoas vão perceber. É isso que cria a falsa igualdade que vai dar origem ao populismo. Dizemos "ah, são todos iguais!". Mas não. É difícil ser deputado, é difícil ser ministro. E Trump é um enorme demagogo. Enorme. Ele alimenta o ódio, alimenta os piores sentimentos. Se eu fosse os jornais americanos, não lhe dava voz. É preciso fazer uma greve dos tweets..Essa é a solução com Trump, mas também com os movimentos populistas, não lhes dar voz nos media? Claro! O que é que se pode dizer no tweet? Nada! Acho que a imprensa americana não está a travar a luta. É boicotar! Se for um tweet, boicota-se. Se for uma declaração oficial, reportamos..Mais vale boicotar do que tentar explicar? Sim. Porque se tentarmos explicar estamos a entrar na lógica do outro. Se boicotarmos, é uma luta política. E algumas pessoas vão acabar por questionar-se porque é que ele governa através de tweets. É uma falsa igualdade, é demagogia. Ainda por cima, os tweets são um contrassenso porque são muito curtos. O quadro da emissão não é o quadro da receção. Isso não faz sentido. Os tweets têm tendência para gerar paranoia. Porque é que ele escreveu isto? Vou responder ou não? A mensagem nunca chega. A estupidez do tweet é que, sim, há uma coerência entre o emissor e a mensagem, mas não pode haver coerência com o recetor. O recetor nunca está lá. É o início da paranoia..Falou-se muito de que os media terão contribuído para amplificar os protestos dos coletes amarelos em França. Concorda? É verdade! Vou dar-lhe um exemplo: acompanhei o Papa na Jornada Mundial da Juventude no Panamá. A imprensa francesa nem falou nisso..Não? Em Portugal falou-se bastante, mas talvez porque a próxima Jornada vai ser cá em 2022... Sim, claro. Mas em França nada. Como nada sobre a crise europeia, nada sobre outros acontecimentos internacionais importantes, nada. Nos últimos três meses, a imprensa francesa só fala dos coletes amarelos. Parece que todas as manhãs há uma revolução em França. Logo, há qualquer coisa de errado. A missão do jornalista é reportar sobre o mundo inteiro, não só sobre os coletes amarelos. Por isso, sim, os media têm responsabilidade na sobremediatização do assunto. Para além disso, não foram críticos dos coletes amarelos. Parece que eles são uns santos. Mas os verdadeiros pobres não estão ali representados, a França black-blanc-beur não está representada. Porque eles são racistas, os coletes amarelos. As mulheres não estão muito representadas. São muitas vezes brancos, da classe média marginal, um estilo um bocado caçador. Mas os coletes amarelos também colocam questões pertinentes. Só que ao fim de algum tempo ficam com a ideia de que são as estrelas. Não foram muito violentos na sua condenação dos que causaram distúrbios, não os condenaram verdadeiramente. Tudo isto é ambíguo. E a imprensa, que está sempre a condenar os políticos, até demais, não diz nada sobre os coletes amarelos.