A grande viagem de Nadia Nadim, a "Malala" do futebol
Malala [Yousafzai] tornou-se símbolo de luta e esperança para as crianças e mulheres ameaçadas pelo fundamentalismo talibã no Paquistão e no Afeganistão. A história da mais jovem prémio Nobel da Paz de sempre (17 anos, em 2014) - a ativista paquistanesa baleada aos 12 anos pelos talibãs num autocarro escolar no vale do Swat - é fonte de inspiração e de empoderamento para milhares de jovens mulheres da região que partilham histórias de vida semelhantes.
Por isso, quando comparam a sua história com a de Malala, o rosto de Nadia Nadim abre-se num sorriso. Carregar o rótulo de "Malala do futebol" é uma distinção ainda mais honrosa do que qualquer vitória já obtida nos relvados por esta futebolista dinamarquesa de origem afegã que brilha hoje em dia como uma das melhores futebolistas do mundo, figura da seleção da Dinamarca que chegou à final do último campeonato da Europa e uma das craques que compõem o plantel feminino do Manchester City, vice-campeão inglês.
Mas é uma comparação (com Malala) que faz justiça a quem se viu obrigada a fugir do País natal aos 12 anos, com a mãe e mais quatro irmãs, após os talibãs lhe terem assassinado o pai, um general do exército do Afeganistão, no ano 2000, muito antes da história de Malala despertar uma consciência global.
Debaixo de um regime aterrador, sem que Nadia ou as suas irmãs pudessem ir à escola nem que a mãe pudesse trabalhar, a matriarca, Hamida, pegou nas cinco filhas e arriscou uma longa e perigosa jornada até à Europa, com passaportes paquistaneses falsos. A viagem, que tinha Londres como destino final dos planos, acabou meses depois quando a família de Nadia e dezenas de outros viajantes clandestinos foram abandonados pelo camião onde seguiam no meio de uma paisagem rural da Dinamarca.
Foi num campo de refugiados perto de Aalborg que Nadia Nadim exercitou pela primeira vez em público, aos 12 anos, o fascínio por uma bola de futebol. Como aquela que que o pai, um antigo jogador de hóquei da seleção afegã, lhe tinha oferecido, aos seis anos, mas que então só podia usar de forma clandestina no jardim de casa. "Ele adorava futebol e todos os desportos", relembrou Nadia, em declarações ao jornal Arab News. "Acho que foram as circunstâncias que proporcionaram isto. Podemos chamar-lhe destino, se calhar. Deus quis que eu estivesse aqui e aqui estou eu. Aproveitei a minha oportunidade", conta, explicando que foi na Dinamarca que cresceu a sua obsessão pelo futebol. Foi essa a sua janela de oportunidade para a integração na comunidade local e Nadia agarrou-a com os dois pés.
Dos treinos no campo do Gug Boldklub, um clube local próximo do campo de refugiados onde passava os dias, até à estreia pela seleção principal dinamarquesa, aos 21 anos, tornando-se a primeira futebolista naturalizada (homem ou mulher) a vestir a camisola da Dinamarca, a ascensão de Nadia deu corpo a todos os sonhos que lhe pareciam vedados em Herat, a cidade afegã onde viveu os primeiros anos. Incluindo o de estudar cirurgia plástica e reconstrutiva, a que se dedicou em simultâneo com o futebol.
Agora, aos 30 anos, com 75 internacionalizações e 22 golos pela seleção principal dinamarquesa com a qual chegou à final do Europeu em 2017, um percurso profissional que já a levou a ser campeã nos Estados Unidos e agora a jogar no Manchester City, capaz de falar fluentemente nove línguas diferentes (dinamarquês, inglês, alemão, francês, persa, dari, urdu, hindi e árabe), Nadia Nadim sabe que a sua história é também um exemplo de esperança para milhares de raparigas. Uma mulher nascida no Afeganistão com sucesso internacional no desporto e uma futura carreira médica em perspetiva, depois de testemunhar toda uma série de atrocidades por que nenhuma criança deveria passar, é uma inspiração global. Tal como Malala.
"Sinto-me abençoada por estar numa posição de poder influenciar positivamente as jovens raparigas ou alguém que viva num contexto difícil e mostrar-lhes que todos os sonhos são possíveis", diz Nadia, que ainda tem um grande sonho por realizar no futebol: ser campeã do mundo com a Dinamarca. Depois disso, no futuro, espera um dia "poder voltar ao Afeganistão e retribuir" aquilo que a vida lhe deu. "Seria muito interessante poder encontrar-me com algumas miúdas lá e contar-lhes a minha história".
Uma história que se prepara para ser contada numa autobiografia a ser publicada este verão.