A "gaiola" onde Djokovic está retido à espera de ser (ou não) deportado
Novak Djokovic continua retido, agora num hotel a que os australianos chamam de "gaiola" e cujas condições têm sido alvo de críticas e dado origem a manifestações, à espera do recurso que apresentou para não ser deportado e poder jogar o Open da Austrália, que começa dia 17. A decisão do juiz só será conhecida na audiência de segunda-feira. Até lá, o número 1 do ténis mundial fica longe da equipa e sem treinar, enquanto a Sérvia exige a libertação e a Austrália se escuda nas leis contra a pandemia da covid-19.
O Park Hotel, no subúrbio de Carlton, em Melbourne, é um centro de detenção/quarentena para refugiados que solicitam asilo ao governo australiano, que há meses esteve sob investigação por causa de um escândalo sexual - polícias faziam sexo com pessoas em quarentena - que esteve na origem de vários casos de covid-19 na cidade. Por isso é apelidado de "gaiola" e "incubadora do vírus" pela Imprensa local.
As péssimas condições, a má comida, muitas vezes podre e com alguns brindes (minhocas e baratas), como mostram algumas fotos publicadas pelos refugiados, tem sido motivo de vários protestos nos últimos meses contra as políticas de imigração hostis do governo de Camberra. É nessa "gaiola" e com a companhia de alguns "bichos" que está o número 1 do ranking ATP depois de lhe negarem o pedido para cumprir quarentena no apartamento que tinha alugado para preparar o Grand Slam. E conta desde ontem com o apoio de vários fãs, que se manifestam à frente do hotel, com bandeiras da sérvia e cartazes a exibir a libertação: "Free Novax." Um protesto apoiado por organizações de defesa dos direitos dos refugiados.
Em Belgrado também houve manifestações a favor da libertação de Djokovic. E uma conferência de Imprensa da família revoltada. "É o nosso Novak e o nosso orgulho. O Novak é a Sérvia e a Sérvia é o Novak. Ao fazer isto estão a pisar a Sérvia, o que significa que estão a pisar o povo sérvio", afirmou o pai do tenista, apelidando o filho de "líder do mundo livre", agora "mantido em cativeiro."
Srdjan teceu ainda críticas ao primeiro-ministro australiano num discurso bastante inflamado: "O líder daquela terra distante ousou atacar o Novak e expulsá-lo antes de ele chegar ao país. Queriam derrubá-lo de joelhos e não apenas ele, mas toda a Sérvia. Crucificaram Jesus, mas ele ainda está vivo entre nós. Agora estão a crucificar e a desprezar o Novak."
O caso está mesmo a afetar as relações entre os dois países. Ontem, o presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, classificou a situação de "perseguição política": "O que não é fair-play é a perseguição política em que todos participam, a começar pelo primeiro-ministro da Austrália." Vucic sublinhou que as autoridades sérvias "estão a fazer o possível" para ajudar Djokovic, esclarecendo que Belgrado contactou por duas vezes o embaixador da Austrália na Sérvia e que a primeira-ministra Ana Brnabic deverá encontrar-se com um alto responsável do ministério australiano da Imigração e Fronteiras.
Belgrado vai pedir às autoridades australianas para que Djokovic fique na casa que alugou e não no hotel que serve de centro de detenção, uma situação que Vucic qualificou de "infame no sentido próprio do termo". "Temo que esta espécie de obstinação política contra Novak vá prosseguir, porque quando não podes vencer alguém então viras-te para este tipo de coisas", disse ainda o presidente sérvio.
Camberra garante que não se trata de "assédio", mas de "cumprir os requisitos impostos pela pandemia de covid-19". Segundo Scott Morrison, a revogação do visto foi uma "aplicação razoável das leis australianas de proteção das fronteiras".
Djokovic, que não está vacinado contra a covid-19, foi ameaçado de deportação quando chegou anteontem ao aeroporto Tellemarine. Supostamente o visto solicitado não contemplava a isenção médica que alegou. Depois de mais de seis horas retido numa sala pelas autoridades fronteiriças, foi enviado para o hotel para cumprir quarentena, à espera de ser deportado, mas interpôs uma ação judicial contra a suspensão do visto.
Agora, mesmo que não seja deportado dificilmente competirá no Open da Austrália, que exige duas semanas de quarentena aos tenistas. Para o sérvio competir, a organização teria de considerar o tempo em que esteve retido no aeroporto e na "gaiola".
Rafael Nadal abordou ontem a situação de Djokovic e disse que o sérvio devia ter seguido as regras. "O que está a acontecer não é bom para ninguém e é uma situação complicada, mas o que posso dizer é que se estiveres vacinado, podes jogar o Open da Austrália e qualquer torneio. Já sofremos todos o suficiente para não seguirmos as regras", afirmou ontem o espanhol.
Para Nadal, "regras são regras e se não queres ser vacinado vais enfrentar alguns problemas" e é preciso ter noção que "muitas pessoas morreram por causa da pandemia". Defendendo que "a vacina é a única forma" de travar a covid-19, Nadal reafirmou que Djokovic está a colher o que plantou: "Seguiu outro caminho, tomou as suas decisões, como toda a gente é livre de o fazer, mas isso traz consequências. Não gosto da situação e tenho pena dele, mas ele conhecia as regras e tomou a sua própria decisão."
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