A Europa e a liberdade

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O mundo está de olhos postos no centro da Europa. A guerra regressou para surpresa de muitos que julgaram que a paz estaria adquirida com o fim da guerra fria. Poucos terão valorizado a relevância dos desequilíbrios estratégicos e das desigualdades enquanto fatores de instabilidade política e social. O impensável aconteceu às portas da União Europeia. A perplexidade não podia ser maior perante o avanço militar de uma potência nuclear sobre um país independente à margem das mais elementares regras do direito internacional. O receio adensou-se perante a realidade cruel de um grave conflito regional e a natureza dos argumentos evocados pelo invasor.

A Ucrânia é um dos maiores países da Europa com uma área quase sete vezes superior a Portugal e com o quádruplo da população. Apesar da sua dimensão e potencial económico apresenta um PIB, per capita, de cerca de 3283 euros que compara com o valor de 20 550 euros em Portugal. A esperança média de vida é de 73 anos que compara com 81 anos em Portugal. Em 2019, a Ucrânia registava uma taxa de mortalidade infantil de 7.2 por cada mil nados-vivos enquanto em Portugal o valor era de 3.1. Esta realidade social e económica explicará, em parte, a razão por que tantos milhares de ucranianos têm procurado uma vida melhor noutros países. Portugal tem sido um desses destinos com a comunidade ucraniana a ocupar, neste momento, o quinto lugar no número oficial de estrangeiros registados em Portugal. As razões da emigração são, fundamentalmente, de motivação económica na busca por trabalho e melhores condições de vida.

Será esta a herança do comunismo na Europa? É em nome desta herança que os novos déspotas se atribuem o direito de ocupar um país soberano cujo pecado original foi a aproximação ao Ocidente em busca de proteção e de defesa? O comunismo terá sido, um dos maiores equívocos políticos da nossa história contemporânea. Desconfiando sempre da liberdade e da democracia, nunca foi capaz de resolver os problemas que identificou como defeitos do capitalismo. Ao longo de décadas, deixou um rasto de pobreza, subdesenvolvimento e desprezo pelos direitos humanos. A queda do Muro de Berlim foi o murro no estômago cujo efeito perdura até aos nossos dias e a partir do qual se pretende agora reescrever a história.

A crise atual mostra que a visão conspirativa de Putin e dos seus seguidores sempre teve dificuldade em compreender a natureza humana. Talvez esteja nessa perceção errada a explicação para a dificuldade em aceitar que os povos prefiram os "defeitos" das democracias às falhadas "virtudes" dos seus ideais. No seu mundo fechado transformaram-se em poderosas e perigosas oligarquias construindo riqueza à custa dos seus povos e usufruindo dos seus benefícios nas democracias liberais que rejeitam. Entre nós, os seus nostálgicos defensores fazem do indisfarçável embaraço um exercício de construção da mais inverosímil narrativa. A guerra sempre teve o efeito perverso de expor a natureza humana, sem filtros e sem dissimulações. A expressiva condenação da invasão russa da Ucrânia e a exigência do fim da guerra pela Assembleia Geral das Nações Unidas exprimiu, claramente, o sentimento do mundo.


Professor universitário

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