A espuma do tempo

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A inquietante desordem mundial que fragiliza o direito internacional, afeta a necessidade de cooperação global, obriga o secretário-geral da ONU a insistir com clareza que a ONU caminha para um "pântano", risco agravado pela verdadeira guerra da covid-19 a todas as etnias da Terra. O complexo debate público faz lembrar que a situação de 1977 levou o professor Schwartzenberg a publicar, com grande êxito, o livro intitulado L'État Spectacle no qual advertia que o discurso público que abrangia a política incidia pela nova fórmula a que chamou a teatrologia recorrendo a esta designação para evidenciar a espécie de intervenção em vigor. A natureza das lideranças que surpreendia levou, duas décadas mais tarde (1998), Roger-Gérard a publicar La Politique Mensonge.

A situação atual que desarticula as solidariedades assumidas depois da guerra de 1939-1945, que deixa frequentemente, contra o assumido ignorar, que a Carta da ONU dá prioridade ao "credo dos valores" e progressivamente à violação do princípio da "Terra casa comum dos homens", cobrindo o conteúdo das declarações e discursos visíveis, frequentemente desafiadores dos agentes que ainda lutam pela autenticidade, em todas as línguas vigentes na política a reaparecer de novo no Estado espetáculo e frequentemente em políticas também a lembrar a falta de veracidade.

Quando esta experiência faz lembrar os trabalhos que levaram à produção dos livros sobre o Estado espetáculo e a política fantasiosa, a reedição dos livros começa a mostrar-se aconselhável. Foi por esse tempo que Martin Luther King sintetizou: "A cobardia pergunta - é seguro? O oportunismo pergunta - é político? A vaidade pergunta - é popular? Mas a consciência pergunta - está certo?" (in Madeleine Albright, Os Poderosos e o Todo-Poderoso, Lisboa, 2006). E não faltam responsáveis por assumir a autenticidade, imaginando que o mundo estava coberto por uma espécie de Espuma do Tempo, que impedia a possibilidade de encontrar nessa sombra a realidade dos perigos que se espalhavam. Tomei parte nesse debate em 2006 com estas circunstâncias que agora, o perigo evidente em vigor, a tragédia suposta pelo secretário-geral da ONU, a quebra das alianças e a movimentação dos povos afetados pela impossibilidade de continuarem no seu território de origem a que muitos chamam pátria, tudo aconselha a ouvir e a entrar na ação, em resposta ao aviso do secretário-geral da ONU, hoje já acompanhado pela visão ativa do Papa Francisco, que não abandona a missão confiada e que tem forma no projeto de Assis, não deixando de enfrentar os problemas concretos como gestor da Igreja. A necessidade de escutar as vozes ainda conscientes do risco, que é global, foi, como evidencia no presente estudo habitual La France, une puissance contrariée - L'état du monde 2022, que não deixaram, com o s seus numerosos cooperadores, de enunciar o tema La France, une puissance contrariée porque é o seu país que nunca esquece ter sido a luz do Ocidente, mas sobretudo dedicou um oportuno capítulo ao "Estado do Mundo 2022".

Por muito que se trate de corrigir alguma excessiva lembrança do tempo passado, a exigência de preparar o legado para a geração seguinte, com a qual não viveremos, aconselham não reproduzir o que chamaram La Grandeur Gaullienne, porque é um desafio global a projeção e a eficácia do arsenal nuclear, considerada enigmática a multiplicação de novas tentativas de expansão dispensando o respeito pelo direito vigente, pelas solidariedades criadas depois do fim da guerra, o risco da guerra da covid-19. A importância do estudo da língua portuguesa, com recente expressão na reconstrução do seu Museu da Língua em São Paulo, e da construção atual em Bragança, deve apelar, como foi dito, à solidariedade da geração futura por todos os de língua portuguesa, porque o legado para a geração futura é parte dessa responsabilidade sendo certo que por regra já não viveremos a nova geração. "A solidão da sobrevivência é um tempo para meditar sobre o amparo da intemporalidade da geração a que cada um pertence. Cada um do tempo em que viveram os que salvaram valores, esperanças de futuro, obras que perduraram e em cuja fileira nos inscrevemos. Pelas andanças do mundo, que foi do meu tempo, encontrei, em comunidades humildes da diáspora portuguesa, as imagens de heróis das descobertas, o infante D. Henrique, Vasco da Gama, o Infante Santo ou Santo António e São Francisco Xavier. São os de uma geração sobrevivente. A solidão da sobrevivência, o mais desafiante e doloroso dos tempos, tem amparo nesse sentido de geração intemporal em que nos integramos, no balanço final da vida, solidários para a salvação." Assim me pareceu no último século.

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