A escola portuguesa onde todos querem andar

A Escola Portuguesa Ruy Cinatti é um estabelecimento público que segue o nosso sistema educativo. A propina mensal é de 15 dólares
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É tudo como em Portugal: planos curriculares, calendário escolar e até a hora a que os alunos fazem exames, o que implica que, por vezes, tenham de realizar as provas noite dentro devido à diferença horária. Na rádio, só música portuguesa. Até já foi constituída uma associação de estudantes. A regra é, aliás, que na Escola Portuguesa Ruy Cinatti, em Díli, Timor-Leste, apenas se fale português. Fundada em 2002, a escola abriu este ano letivo com o maior número de estudantes de sempre: 869 alunos do pré-escolar ao 12.º ano, 90% dos quais timorenses. Junto ao Cemitério de Santa Cruz, palco do massacre de 1991, fica a escola que todos querem frequentar. Em lista de espera, mais de 800 famílias.

Acácio de Brito, que era inspetor-geral da Educação e Ciência em Portugal, chegou no início do ano letivo para assumir o cargo de diretor da Ruy Cinatti. Diz que "a escola é um excelente exemplo de cooperação entre Portugal e Timor-Leste. Tem tudo o que têm as melhores em Portugal". O grande desafio, adianta, é aumentar a sua capacidade de receção, para fazer face à extensa lista de espera. Também seria importante "passar o pré-escolar e o primeiro ciclo para tempo inteiro, pois atualmente só ocupam uma parte do dia. Assim, as crianças passavam mais tempo na escola, a pensar e a falar português".

É terça-feira e estamos no último intervalo da manhã. Quando ecoa o toque para a entrada, os estudantes - de uniforme azul e branco - fazem fila no recreio, seguindo guiados pelos professores até à sala. As aulas decorrem com as portas abertas. Nos corredores, quase não se ouve barulho. "São muito disciplinados", frisa Acácio de Brito. Na sala de Artes do 10.º ano, os alunos desenham a chegada dos portugueses a Timor-Leste. Foi há 500 anos e a escola promove iniciativas para comemorar a data.

Carvão e vernizes nas artes

Há cerca de 11 anos, ligaram a Rui Menezes da embaixada, desafiando-o para criar duas disciplinas de artes na instituição. Dava aulas na Costa de Caparica, mas prontificou-se a aceitar a oferta. "Quando cheguei, encontrei a escola antiga, sem condições nenhumas, sem material", recorda o professor que está há mais tempo na Ruy Cinatti. Fizeram os primeiros trabalhos com paus de carvão das fogueiras e vernizes das unhas. "E aos poucos foi-se requisitando material."

Rui Menezes, 61 anos, chegou a Timor-Leste quando o país tentava reerguer-se. Tinham passado apenas dois anos desde a restauração da independência. Mas adaptou--se bem. "Nasci e vivi em África. Quando saí do aeroporto e vi as ruas sujas, os barracões, o saneamento a céu aberto e os animais na rua... Foi como se estivesse lá", lembra, com um sorriso.

Além de disciplinados, o professor de artes sublinha que os alunos "são muito empenhados e trabalhadores". Em 2006, enquanto ajudava num campo de refugiados, Rui Menezes foi interpelado por uma aluna. Aconteceu algo que o marcou. "Agarrou-se a mim a chorar, a dizer que tinha perdido a farda e os livros. Aquilo era tudo para ela", recorda.

Crianças só falam tétum em casa

A consolidação da língua portuguesa é uma enorme batalha para os professores. Por muito que os docentes se esforcem, Rui Menezes realça que os alunos "só falam tétum em casa", o que dificulta o processo. Lisete Fortunato, subdiretora da escola, chegou a Timor em 2000 para a missão de reintrodução da língua portuguesa, após os 24 anos de ocupação indonésia, nos quais a língua foi banida.

Lisete trabalhou dois anos no distrito de Oecussi, formou professores e outros profissionais. Voltou a Portugal e regressou a Timor em 2012 para um projeto de formação de professores. Pensou duas vezes se queria voltar, devido ao "nível de corrupção". Mas resolveu regressar. "Pelas crianças. A humildade do povo encanta-me. A ânsia de querer aprender fascina-me." Encontrou um país "totalmente diferente em tudo". Mas persiste o cheiro a queimado, que a impressionou em 2000. "Há maiores e melhores construções e carros. Já se nota alguma qualidade de vida. Mas temos os ricos muito ricos e os pobres muito pobres." Educação e saúde são, para a subdiretora, as áreas prioritárias, seguindo-se a agricultura e as infraestruturas. Também ainda é preciso fazer mais ao nível do saneamento.

Em 2012, Catarina Andrade, 36 anos, soube que existia uma vaga para dar aulas de música na escola portuguesa em Díli. Lecionava em Odivelas, mas quis embarcar na aventura. Tinha vontade de experimentar algo diferente e, preferencialmente, num país de língua portuguesa. Faz parte do grupo de 64 professores portugueses a lecionar na escola. "Gosto muito de viver cá, dos miúdos, da escola, do clima, de viver ao pé do mar." Quando questionada sobre se a língua é um desafio nas aulas, diz que "a música resolve". Mais do que o lixo ou os esgotos a céu aberto, chocou-a "ver que nem todos os timorenses gostam tanto dos portugueses como imaginava, nem odeiam tanto os indonésios como previa".

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