A encruzilhada da globalização

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Quando a globalização começou a tomar expressão significativa, por volta de 1990, assistiu-se a uma transferência de empresas e capitais dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento.

Essa evolução da sociedade capitalista - enterrado de vez o modelo das "economias centrais planificadas" - criou ondas de resistência nos setores que deixaram de fazer sentido ter a produção em países com custos elevados e, com o tempo, os novos países para onde se transferiu parte significativa do setor secundário - China, Índia, Brasil, Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Tailândia, Vietname, etc. - viram a sua classe média crescer em número e em rendimento. Daí decorreu uma florescente economia de serviços que acelerou o ritmo de desenvolvimento económico desses países. Parte do aumento do rendimento disponível nesses países emergentes foi canalizada para a procura de produtos com maior valor acrescentado ou incorporação tecnológica e bens de capital produzidos nos países desenvolvidos. Assim se criando um círculo virtuoso de crescimento internacional interdependente.

A parafernália institucional e regulatória multilateral foi finalmente completada com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e uma sucessão de acordos de comércio livre entre vários blocos e países relevantes economicamente.

Este primado do multilateralismo é sustentado por governos baseados em princípios díspares, com base numa leitura partilhada da realidade que constata que o incremento do comércio internacional aumenta a riqueza das nações.

Estes movimentos não apenas não são antagónicos como se complementam e a globalização continuará o seu curso enquanto houver vantagens decorrentes do multilateralismo.

Este multilateralismo internacional continuará baseado na facilitação do comércio internacional, ainda que mesclado com acrescidas formas de "multilateralismo regional", através da criação de blocos económicos regionais (UE, Mercosul, NAFTA, CEDEAO, ASEAN, RCEP).

A transferência de capacidade produtiva, tecnologia e capital para os países em desenvolvimento, mesmo sofrendo algum abrandamento decorrente da maior participação regional na UE e nos EUA na cadeia de valor de produtos em setores estratégicos (p. ex., na mobilidade elétrica, no armazenamento de energia verde), continuará pela lógica do sistema.

Mas algo mudou e rompe com o modelo de globalização dos últimos 30 anos - vários países em desenvolvimento progrediram bem para além do setor manufatureiro e são hoje potências tecnológicas, líderes na criação de direitos de propriedade intelectual, produtores de bens de capital sofisticados e pedem meças no setor financeiro.

No devir próximo algumas das mais sofisticadas fintech serão chinesas, software de vanguarda provirá da Ásia do Sul e navios e aviões elétricos terão origem no Extremo Oriente.

A batalha relativa ao acesso da Huawei aos dados geridos em redes 5G é apenas um episódio de um repensar dum novo mundo multipolar

Consultor financeiro e business developer
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