Pensado por mulheres, executado por mulheres e com mulheres como personagens principais. Assim é The Woman King, mais um dos filmes de 2022 a beneficiar de uma onda feminina em Hollywood onde finalmente há espaço para material em que se exalta a mulher como protagonista. Uma conquista do #MeToo, aqui a dar ideia de ser encomenda da Sony para não ficar fora da corrida desta corrente. Ainda assim, comercialmente na América o filme teve uma boa entrada e provou que este ênfase eterno feminino tem pernas para andar, mesmo quando se mistura um orgulho afro - o segredo do marketing foi apelar à comunidade negra para estar desperta para o filme..Baseado nos feitos das mulheres guerreiras Agojie, exército africano que protegeu o Reino de Daomé no início século XIX, A Mulher Rei centra-se numa intriga que relata a ascensão da generala Nanisca, a líder destas mulheres que juram fidelidade ao rei e preferem renegar a possibilidade de ter homens ou filhos. Nanisca, interpretada por uma feroz Viola Davis, descobre que pode ser a mãe de uma das novas guerreiras, uma órfã destemida que se sente atraída por um mestiço vindo do Brasil e cujo sotaque português provocou valentes gargalhadas na antestreia em Lisboa. E no meio da guerra com outros povos, as Agojie ainda enfrentam mercadores de escravos que ameaçam a soberania do seu reino, os tais cujo português é mau demais, em especial do ator de After, Hero Fiennes Tiffin, um ídolo das matinés que falhou nas lições da língua de Camões neste seu Santo Ferreira..O facto de um filme de grande produção de Hollywood ter esse descuido com o português pode ser uma pista pela maneira efabulada como se recria uma África em guerra, um pouco como pretexto para fazer um sub-Braveheart feminino, supostamente com mensagem de elevação feminina mas com um aborrecimento narrativo típico dos épicos que se querem levar a sério..Gina Prince-Bythewood, que já tinha querido filmar histórias femininas com a "elevação da inspiração" afroamericana em A Vida Secreta das Abelhas, em 2008, curiosamente filma as cenas de batalhas com uma virilidade que é manifesto de rudeza masculina. Nada contra se tivesse tido um estúdio que não se acobardasse com o realismo devido à classificação etária. Por vezes, de relance, parece querer ter um discurso sobre o corpo feminino em combate. Filmam-se as cicatrizes, há planos próximos das nucas, mas depois tudo vai dar a uma banalidade de fórmula. Nem mesmo uma muito digna Viola Davis parece conseguir dar a respeitabilidade que o próprio filme queria. O seu rosto magoado de mulher cansada é qualquer coisa, mas não chega. Num ano em que os lobbies falam em possível campanha para a temporada dos prémios, estamos na presença de mais um caso de manifesto exagero nas expectativas. Não vale tudo no politicamente correto, The Woman King é tremendamente limitado e de cinema tem muito pouco. Em 2022 aparecer um objeto com este modelo caduco de espetáculo de grandes dimensões é prova de uma óbvia ferrugem na máquina das majors..dnot@dn.pt