A crise das notas que abala a Índia
Como outros milhões de indianos fartos da corrupção e falsificação, Vimal Somani congratulou-se com a medida-choque levada a cabo pelo primeiro-ministro Narendra Modi no sentido de substituir as notas de mil e de 500 rupias. Mas, poucas semanas depois, o seu negócio foi fortemente atingido por causa da crise do dinheiro.
As vendas na empresa de fabrico de folha de alumínio de Somani, a Rockdude Impex, caíram um quarto numa semana e a falta de dinheiro que se seguiu à desmonetarização deixou a sua cadeia de abastecimento de rastos: os seus camiões ficaram parados, sem dinheiro para o combustível, os trabalhadores não carregavam bens de graça e os distribuidores não conseguiam fazer os pagamentos.
A medida anunciada por Modi no dia 8 de novembro destina-se a combater a corrupção e recuperar dinheiro da economia paralela. Mas a retirada de circulação das notas de mil e de 500 rupias (quase 14 euros e perto de sete euros) - mais de 80% da moeda em circulação - ameaça a liquidez da terceira maior economia asiática.
O consumo vale 56% de uma economia de dois biliões de dólares (cerca de 1,8 biliões de euros). Mas a escassez de notas mais pequenas e a dificuldade em ter notas novas está a retrair os consumidores. O governo reconheceu que estas perturbações iriam manter-se durante algumas semanas devido aos atrasos na impressão de notas novas e aos problemas técnicos com as caixas multibanco. Modi pediu paciência até 30 de dezembro (prazo-limite para os indianos se desfazerem das notas de mil e de 500). O governo diz que era impossível imprimir mais notas ou reforçar os multibancos antes com receio de que a medida fosse descoberta.
Enquanto isso, as pequenas e médias cadeias de produção - e até mesmo as grandes empresas - estão a sofrer quebras, mostrando como o mundo empresarial - e não só a economia paralela - depende do dinheiro vivo. "Toda a cadeia de abastecimento quebrou", disse Vimal Somani, que emprega cerca de 150 pessoas.
Os problemas na Rockdude vão da sua rede de fornecedores até aos seus 1500 distribuidores e 150 repositores. A equipa de vendas, espalhada desde Deli a Nagaland, está a ficar rapidamente sem dinheiro para promover um novo produto que estava planeado. E até para as viagens de tuk-tuk que costumavam fazer.
As receitas ficaram congeladas, mas as despesas fixas, como o pagamento de salários, permanecem, refere Vimal Somani. Os salários são pagos online, mas os funcionários precisam de tirar folga para irem para a fila do banco. "Estamos a cortar na produção. Se isto continuar durante mais dois meses vai atingir-nos forte e feio", acrescenta aquele empresário.
Em março de 2017 estima-se que esta crise do dinheiro afete o crescimento do PIB, que foi de 7,6% no ano passado. A consultora Ambit Capital não descarta uma contração no quarto trimestre. Todo o tipo de pessoas, desde motoristas de táxi até vendedores de rua, passando por grandes empresas de bens de consumo, têm visto os seus ganhos cair até 80% só na primeira semana da medida, de acordo com alguns analistas.
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Aqueles que se apoiam em canais informais de financiamento são os mais atingidos. O vendedor de verduras Ranveer Singh, que frequentemente pede dinheiro emprestado para gerir a sua loja em Nova Deli, a capital da Índia, vendeu legumes a crédito aos clientes nos primeiros dias, mas depois foi forçado a deixar de fazê-lo. "Não tenho dinheiro para repor stocks." Mas até para as empresas mais sofisticadas pagar aos empregados pode ser um grande desafio. E não é só nos setores da construção, que ainda pagam em dinheiro.
Muitos indianos não têm conta aberta no banco e muitos são pagos em dinheiro, embora seja difícil obter estatísticas fidedignas. Com a mudança das regras por parte do governo, Vimal Somani e outros sentem dificuldades. Chandughai Kothia, líder da empresa de químicos Shree Ganesh no Gujarat, com um volume de negócios de mil milhões de rupias por ano, considera que o limite de levantamentos de 50 mil rupias por semana para as empresas é insuficiente. "O pagamento de salários e do transporte é um problema."
Modi prometeu que a situação do dinheiro seria normalizada até final do ano, mas Saumitra Chaudhuri, antigo conselheiro económico do governo, estima que poderá levar seis meses a substituir o stock de notas retiradas de circulação na Índia. Alguns analistas já estão a rever as estimativas de lucro das empresas até ao final deste ano. E a consultora Motital Oswal já avisou nesta semana que o crescimento de lucros nas empresas pode estar em causa para o ano fiscal de 2016-2017. O vasto setor dos serviços da Índia, responsável por dois terços do PIB, pode ser o mais afetado.
Jornalistas da Reuters, em Bombaim e Nova Deli