"A criação de Israel é o culminar de um longo processo"
Pode pensar-se hoje na existência de Israel sem a Declaração Balfour?
É difícil profetizar sobre o passado. Mas, sem dúvida, que é possível pensar no Estado de Israel sem ela. Isto porque em 1897, quando decorreu o primeiro congresso sionista convocado por Theodor Herzl, o fundador do sionismo político, ficaram claramente estabelecidos vários objetivos, nomeadamente a criação de um lar nacional judaico reconhecido internacionalmente. E, a seguir ao congresso, dois caminhos foram trilhados em simultâneo: as tentativas diplomáticas de Herzl, até à sua morte, para obter do império otomano, do papa, da Alemanha e outros países o reconhecimento desse lar nacional; e o segundo, que tem a maior importância, que foi a criação de uma série de instituições precursoras da existência do futuro Estado...
Por exemplo?
Foram criados um banco, escolas e inicia-se um movimento de implantação judaica na Palestina, mas que já existia antes da realização do congresso, de pessoas provenientes de países onde grassava um forte antissemitismo, na Rússia principalmente. O que é fundamental nesta fase é que os judeus dotam-se de instituições e de líderes que os levarão até à criação do Estado.
Mas a Declaração foi importante...
Claro, até pelo reconhecimento internacional de uma grande potência como era a Grã-Bretanha na época. Mas o fator decisivo foi a batalha concreta dos judeus para a criação do Estado. Sem minimizar a importância da Declaração ou a partilha da Palestina em 1947, acontecimentos fulcrais, se se conhecer o percurso, a forma como foi constituído o Estado de Israel e, principalmente, o facto de os judeus quererem a sua criação, e de terem líderes adequados à altura do desafio, e de terem sabido criado as instituições capazes, não teria havido Israel.
A fragilidade dos Estados e das sociedades árabes na época acabaram por funcionar a favor da criação de Israel?
Sim. Mas é necessário ter presente o quadro da época. Primeiro, a Palestina era a província do império otomano mais atrasada, desprezada. Segundo, os vencedores da Grande Guerra desenharam o mapa da região apenas em função dos seus interesses. Terceiro, a Grã-Bretanha estava tão desesperada para ganhar a guerra, que prometia tudo a todos. Além da Declaração Balfour aos judeus, promete um reino árabe a Hussein bin Ali, que será a Transjordânia, e assina com a França os acordos Sykes-Picot, a partilha dos despojos do império otomano. O mapa do Médio Oriente no final da Grande Guerra é uma criação artificial, onde as fronteiras não são claras. Este é um problema que dura até hoje. Em 1922, 4/5 da Palestina são entregues aos jordanos, o que sobra é que é entregue a judeus e palestinianos.
Qual a importância do primeiro presidente de Israel, Chaim Weitzmann, na criação do novo país?
Creio que se deve pôr em paralelo Weitzmann e Ben Gurion. Eles simbolizam os dois caminhos que levaram à criação do Estado de Israel. Weitzmann era um cientista, inglês, e que através de uma intensa atividade diplomática teve um papel fundamental no que respeita à Declaração Balfour. Ele conhecia Balfour e outros líderes políticos britânicos. Ben Gurion, por outro lado, é o homem do terreno, que ajuda a criar os meios para o acolhimento dos judeus. De certo modo, a criação do Estado é o culminar de um processo que vem muito de trás, que é feito ao longo da primeira metade do século XX, em que ambos foram muito importantes. Tragicamente, o Holocausto foi o facto que permitiu a criação, ali, naquele momento, mas tudo já estava preparado no terreno. A criação do Estado de Israel em 1948 é o culminar de um longo processo.
Se tivesse de escolher um momento desse processo, qual seria?
Diria que a criação da organização sionista mundial em 1897 foi fulcral. A Declaração Balfour é também marcante. Há, depois, outros momentos, como as quatro vagas de migração desde finais do século XIX, tudo isto sempre em condições muito difíceis. Por exemplo, Ben Gurion passou fome, esteve várias vezes sem trabalho. Algo semelhante sucedeu com Golda Meir, que vem mais tarde, nos anos 1920, e vai para um kibutz com o marido, em condições duras e perigosas.
[artigo:8881924]