"A CPLP no diálogo entre a Europa e o mundo"
A Cimeira de Santa Maria, ilha do Sal, que marcou o início da presidência cabo-verdiana da CPLP, admitiu mais nove observadores associados - oito países e uma organização internacional. Podemos perguntar-nos sobre o que levou a França, o Reino Unido, a Itália, o Luxemburgo, Andorra, a Sérvia, o Chile e a Argentina, além da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI), a pedir esse estatuto. A resposta óbvia é que encontram nisso interesse e utilidade. Pode parecer estranho num ambiente mediático, como o português, tão marcado por criticismo e indiferença face à CPLP, mas é verdade pura que esta suscita, em quatro continentes, atenção e vontade de estabelecer parcerias. Os países agora acolhidos fizeram-se representar, na cimeira, através dos embaixadores acreditados em Lisboa - outro elemento que uma apreciação analítica deveria destacar.
Doravante, a CPLP conta com 19 observadores associados, mais do dobro dos membros efetivos. Uma outra organização baseada nas línguas - a OEI, envolvendo países que falam as línguas ibéricas na Europa e na América Latina; sabendo-se ainda da aproximação da Organização Internacional da Francofonia. E países vizinhos do Brasil, como o Uruguai, a Argentina e o Chile (futuramente, o Peru); vizinhos dos países africanos de língua portuguesa (PALOP), como a Namíbia ou o Senegal; assim como vários países europeus (dentro e fora da União Europeia) e o Japão.
Isto significa que as características que singularizam a CPLP - nove Estados marítimos com diversas inserções regionais, partilhando uma língua em forte expansão demográfica e cultural - são tidas em conta em múltiplas políticas externas. Acresce, outro dado de relevo, que entre os novos observadores associados se encontram países com fortes comunidades portuguesas, como a França, o Reino Unido e o Luxemburgo.
Não quero secundarizar a dinâmica interna da CPLP, igualmente promissora. Em Santa Maria, as delegações de oito Estados membros foram lideradas por chefes de Estado e/ou Ggoverno. Há muito tempo que não sucedia tal demonstração do valor da comunidade como plataforma de diálogo e concertação política. São também hoje mais evidentes as vantagens da reunião de esforços para a promoção da língua, designadamente no sistema da Nações Unidas. Veja-se o impacto das celebrações do Dia da Língua, no passado 5 de maio, em Nova Iorque. E, quanto à cooperação, o lema da presidência cabo-verdiana - "As pessoas, a cultura, os oceanos" - articula bem o traço identitário fundamental (a cultura), o objetivo que melhor interliga a ação global dos membros (os oceanos) e o plano em que mais longe se pode levar o enraizamento social da organização (as pessoas).
Cabe referir, neste plano, o tema da mobilidade. Em 2017, Portugal e Cabo Verde apresentaram a proposta conjunta para a criação de um regime de autorizações de residência válido para todos os países da CPLP e fundado no critério da nacionalidade. Este regime pressupõe o reconhecimento recíproco de habilitações académicas e qualificações profissionais e a portabilidade dos direitos sociais.
Na sua simplicidade e radicalidade, ele transformará a CPLP num verdadeiro espaço de cidadania. A proposta vem fazendo caminho, política e tecnicamente. A Declaração de Santa Maria renova a sua centralidade; e sugere uma via intermédia de concretização, começando pela mobilidade académica e cultural. Confio que, daqui até ao fim de 2020, a combinação das iniciativas da atual e do próximo secretário executivo e das presidências de Cabo Verde e Angola possa gerar avanços efetivos e visíveis.
Mas quero insistir num ponto que passa demasiadas vezes despercebido e que, todavia, o aumento dos observadores associados mostra bem: a importância da CPLP, como um todo, e/ou de vários dos países cuja influência ela potencia, para o relacionamento entre a Europa e outras regiões do mundo. A CPLP ajuda ao diálogo da Europa com o Atlântico Sul, vital para a segurança das rotas comerciais, do abastecimento energético e do ambiente geoestratégico da União Europeia (UE). A CPLP ajuda ao diálogo da Europa com a América Latina, por via naturalmente do Brasil, mas também dos agora três observadores associados de língua espanhola e ainda da cooperação entre os espaços lusófono e ibero-americano, que se projetará no próximo futuro. A CPLP ajuda ao diálogo da Europa com a Ásia, por causa de Timor-Leste, por intermédio da cooperação japonesa, tão útil em África, e através da cooperação triangular entre a China, Portugal e os PALOP. A CPLP ajuda, e de modo particularmente relevante, ao relacionamento da UE com toda a África.
De facto, para ser com o continente inteiro, a parceria europeia não pode ficar-se pelo norte de África, o Sahel ou o Corno de África. Tem de intensificar-se também com a África Ocidental e, sobremaneira, com a África Central e Austral - para o que a relação com a CPLP é muito instrumental. Percebe-se, por isso, que sejam já hoje sete os Estados membros da UE que são ao mesmo tempo observadores associados da CPLP.
Portugal deverá percebê-lo melhor do que ninguém e agir em consequência.
Ministro dos Negócios Estrangeiros