À boleia com o homem de branco
Seguir o papa com os valores católicos. Católicos e de cinema. O Papa Francisco é um viajante e Gianfranco Rosi também. É nesse paralelismo que se move este documentário que não é propaganda cristã nem uma celebração da vocação humanista do Santo Padre. A câmara segue algumas viagens do Papa em vários pontos do globo e nunca cai em armadilhas de voyeurismo e de incauta curiosidade sensacionalista.
A Viagem do Papa Francisco parece concentrar-se um pouco mais em duas viagens: Lampedusa, junto dos refugiados, e Médio Oriente, precisamente os locais que o documentarista filmou em Fogo no Mar e Nocturno. É nessas correspondências que se tenta captar um percurso e uma dinâmica de partilha de mensagem. Um relato que dispensa a narração e que prefere um pudor com a distância. E nessa reverência à figura, o caráter refletivo evita o recurso à entrevista, coisa que Wim Wenders preferiu em Papa Francisco - Um Homem de Palavra, de 2018. Além do mais, Rosi socorre-se bem de imagens de arquivo, nomeadamente de peças de jornalismo televisivo, aqui tratadas e integradas como contextos precisos e claros. Acima de tudo, Rosi está a observar um homem que observa e reage. E a sua reação passa pela missão de restaurar a esperança, sobretudo junto de quem precisa. Como se filma isso? Com uma câmara que não se impõe, que é apenas testemunha... A tal observação que pede serenidade. Nesse sentido, é tudo menos beato, mesmo não sendo neutro.
E depois, um trunfo: entre as multidões e o aparato, o filme prefere antes encetar um diálogo com a solidão do homem de branco. Seja naqueles planos onde o vemos isolado, sozinho, seja na quietude permanente. Porque Rosi percebe que num filme sobre o espiritual importa preservar os tempos do silêncio. Esse é o ponto radical de uma obra capaz de contrapor os méritos do silêncio perante o ruído das palavras. No silêncio pode e reside a esperança, mesmo que se sinta no líder da igreja uma tristeza devastadora perante o atual estado do mundo.
O lado de "bastidores" dessa melancolia e do retrato de uma solidão são geridos com uma força legitimamente cinematográfica. Mais uma vez, fica o disclaimer: Rosi não fez uma encomenda de telefilme documental. Em boa verdade, é a soma de tudo aquilo que não cabe na abreviação das imagens televisivas, como é o exemplo de uma cena em que vemos o papa a olhar para a janela do avião. Uma cena montada com a imagem de um caça que protege o voo e com a duração da espera. É desses detalhes que se faz o filme e o peso dessa tese de que o Papa não é homem com fantoches...
A par disso, acena-se um fascínio pelo cerimonial que impera nos rituais da propagação da fé. Rosi fascina-se e fascina-nos com os detalhes. In Viaggio não quer realmente evangelizar. Talvez apenas procurará entender a força invisível de um homem escolhido. Dele e de tudo o que está à sua volta. Não ficaremos mais fãs do Papa Francisco, mas nesta altura em que o país vai parar com a sua visita na Jornada Mundial da Juventude, ficaremos a respeitar mais o seu magnetismo.
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