A arte de filmar a intimidade por Michael Pilz no Doclisboa

Veterano austríaco do cinema documental, Michael Pilz está de volta aos nossos ecrãs através da programação do Doclisboa: <em>Silence </em>é um exercício sobre os segredos das relações humanas e os espaços da intimidade.
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Foi há quase 40 anos: o austríaco Michael Pilz arrebatava o Grande Prémio da edição de 1983 do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz com Himmel und Erde (O Céu e a Terra), espantoso documentário que desafiava as próprias regras do olhar documental, apostando em novas formas de olhar o mundo à sua volta. Entretanto, fomos perdendo o contato com o seu continuado labor. Agora, surge numa sessão do Doclisboa com uma produção de 2007: Silence passa esta terça-feira no cinema Ideal, pelas 11.00.

O menos que se pode dizer é que o trabalho de Pilz continua a desafiar as descrições convencionais. Não que haja nele qualquer coisa de inacessível ou esotérico. Aliás, o seu cinema preserva essa dimensão, de uma só vez linear e sensual, de um bloco-notas muito pessoal. Dir-se-ia que se trata, não exatamente de dar conta de um espaço íntimo, mas de perguntar de que modo o cinema é, ou pode ser, um elemento vital desse espaço.

A palavra intimidade surge aqui através do próprio enquadramento escolhido pelo Doclisboa para apresentar um filme como este. Estamos, assim, perante a nova etapa do festival (a decorrer até amanhã, dia 9, no Ideal e na Culturgest) a que foi dada a designação de "Espaços de Intimidade".

A designação está longe de ser meramente descritiva. Basta lembrarmo-nos do modo como algumas variantes da "Reality TV" - a começar pelos horrores "sentimentais" e "eróticos" do Big Brother - têm ocupado o nosso espaço mediático, promovendo a "intimidade" a um espectáculo gratuito. Neste contexto, o filme de Pilz possui uma "mensagem" essencial: é possível filmar (e filmarmo-nos) não menosprezando os valores ancestrais do pudor.

Enfim, se é preciso uma sinopse para falar de Silence, digamos que se trata da deambulação de uma mulher por diversas outras personagens, através de diferentes paisagens (Áustria, Itália, Holanda e Croácia). O que mais conta não é o registo "turístico" dos cenários, mas sim a relação do olhar da figura central com os momentos mais discretos (íntimos, justamente) que se podem viver na contemplação de uma paisagem ou na relação de um corpo com outro corpo.

Talvez possamos acrescentar que Pilz nos leva a pensar em outras experiências documentais movidas pelo mesmo desejo de intimidade. Lembramo-nos do americano Stephen Dwoskin (1939-2012), que desenvolveu grande parte da sua atividade no Reino Unido, ou da belga Chantal Akerman (1950-2015). Coincidência a ter em conta: também Dwoskin e Akerman foram revelados em Portugal pelo Festival da Figueira da Foz.

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