A aparição da Virgem Maria segundo Xavier Giannoli
Quando Xavier Giannoli realizou Marguerite (2015), inspirado na história da socialite americana Florence Foster Jenkins - uma crente profunda do seu ilusório talento musical -, a intenção não era tirar dividendos do ridículo desta mulher, mas olhá-la na sua verdade humana. Evocamos este título anterior porque o mesmo princípio serve de linha orientadora para o novo A Aparição, filme centrado numa jovem que afirma ter sido visitada pela Virgem Maria.
Mais do que nunca, Giannoli não está interessado em fazer das suas personagens caricaturas do cristianismo. O realizador, que veio a Lisboa apresentar este mais recente filme em antestreia na Festa do Cinema Francês, sublinhou que a sua atenção se voltou para o lado íntimo da fé, a questão da "necessidade de acreditar" que tem atravessado alguns dos seus trabalhos (como À l"origine). E esse respeito pelo tema sente-se, desde logo, no protagonista.
Vincent Lindon encarna o homem - Jacques Mayano (alter-ego do realizador?) - que nos conduz por estes sinuosos caminhos da crença e idolatria. Jornalista reputado, a braços com os seus próprios fantasmas interiores, ele é chamado ao Vaticano para integrar uma comissão responsável por conferir a autenticidade de uma alegada aparição ocorrida numa pequena vila francesa. Mas antes de partir para o terreno, não só é interrogado sobre a sua base religiosa (fez apenas a Primeira Comunhão), como se inteira das nuances de outros casos - entre eles, claro, o de Fátima. É nesta fase que, com uma escrupulosa encenação dos bastidores da Santa Sé, Giannoli enceta um espírito de curiosidade antropológica. De resto, a mesma que orientará todo o filme. Dir-se-ia que A Aparição surge assim como um thriller envolvido pela nobreza dos dramas humanos, estudados pela lente sensível de um realizador atraído pelo mistério da fé.
Como homem de factos, Lindon/Mayano é aquele que, no meio de uma comissão de religiosos, procura provas concretas e tenta aproximar-se compassivamente da jovem Anna. À medida que a sua investigação se aprofunda, também o contacto com o drama pessoal da vidente ganha contornos para lá do questionamento da verdade. Afinal, há um ser humano que se revela nas entrelinhas do semblante beatífico, e uma história subterrânea que vai entrando em conflito com o cenário vívido das peregrinações. No centro de tudo isto, Lindon apresenta-se como o indivíduo quebrado entre a matemática do real e o enigma da fé, entre as evidências e o alvoroço íntimo. O seu rosto é a matéria dura do filme, o equilíbrio perfeito de apreço e dúvida, tornando fidedigna a abordagem do realizador.
Erguido sob esta lógica da pesquisa jornalística, A Aparição transpõe a sua própria dinâmica para alcançar breves instantes de uma poesia dramática latente na pureza de Anna. É como se Giannoli filmasse este caso místico em direta relação com as dores do mundo, com a realidade dos nossos dias: essa que se vê no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, na última parte do filme, ou na Síria, logo no início.
*** (Bom)