A angústia do regulador no momento da bolha
Antes de mais, definam-se as premissas da conversa, alguns factos dificilmente contestáveis. Há uma bolha no imobiliário em Portugal - sobretudo nas grandes áreas metropolitanas e nalgumas zonas turísticas -, acompanhada por uma bolha de crédito que, para piorar o cenário, não se restringe aos empréstimos para compra de habitação.
Para lá da casa, durante os anos da crise os consumidores foram adiando decisões de compra de bens duráveis, como automóveis ou eletrodomésticos, que retomaram nos últimos tempos. É essa, de resto, a fatia do crédito que está a aumentar - o crédito ao consumo. E aqui vale a pena uma outra nota prévia. Não estou a falar de volume, mas de qualidade. O stock, o volume total de dívida das famílias, está a descer, mas o crédito ao consumo continua a aumentar. E não será preciso ser visita de casa de um qualquer CEO de um dos principais bancos para perceber que as práticas comerciais da banca estão de regresso à agressividade dos dias antes da crise de 2011 (2008 nos EUA). É por aqui que aparece a questão da falta de qualidade que, no fim da linha e quando algo corre mal, recebe o carimbo de NPL - non-performing loans ou créditos não produtivos -, em que o devedor deixou de cumprir os pagamentos programados.
Passaram há dias dez anos sobre o estoiro do Lehman Brothers, que marcou o início da crise do subprime nos Estados Unidos. Ainda se lembram do que realmente queria dizer esse eufemismo? Subprime? No essencial, nos anos que levaram à crise, a banca americana concedia crédito à habitação sem olhar a quem. Era a loucura dos créditos NINJA (No Income, No Job and no Assets), em que os bancos ignoravam a ausência de uma fonte estável de rendimentos ou bens a apresentar como colateral, como garantia e... davam dinheiro a quem lhes aparecia a pedi-lo. Mais, esse dinheiro era, por norma, destinado a comprar casas sobrevalorizadas. Lá está, a bolha. Rebentou. Não explico o resto, os CDO e os CDS, porque ficávamos aqui muitas linhas...
Dir-me-ão que ainda não chegámos a tanto no nosso mercado. Que os bancos a operar em Portugal ainda mantêm regras apertadas sobre a concessão de crédito, sobretudo para a compra de casa. Pois, não tenho assim tantas certezas. Nos últimos meses regressaram as campanhas a prometer créditos sobre 100% do valor do imóvel e há mesmo quem acene com esse valor oferecendo como hipótese de reforço de garantia uma hipoteca sobre a casa dos pais. Estão a ver onde e como é que isto pode correr mal? E já pararam para ver, ouvir ou ler a forma como anda a ser vendido crédito ao consumo - automóveis, eletrodomésticos, telemóveis, computadores, viagens?
Podem dizer ainda que esta seria uma consequência inevitável do aliviar da crise e da estratégia de devolução de rendimentos e de injeção de confiança e otimismo em que o atual governo insiste desde o primeiro dia. Certo, em boa parte será. Mas, e a regulação? Do Banco de Portugal, o que temos visto? Um ou outro comunicado, um conjunto de recomendações. Por definição, uma recomendação pode ser seguida, ou não. Não é mandatório. É pouco, muito pouco. O departamento de Supervisão Comportamental do BdP parece, nos últimos anos, obcecado com os temas da literacia financeira, com o comportamento dos clientes e pouco ou nada dedicado a agir a montante, sobre as entidades financeiras que devia regular.
Lendo o relatório de Supervisão Comportamental de 2017, com o balanço do que o departamento fez em 2016, vemos a contabilidade das queixas recebidas, das ações de inspeção junto dos bancos, etc. Será que mantêm a atividade? Será que estão atentos à publicidade e às práticas comerciais agressivas dos últimos meses? Se sim, porque é que tudo o que temos visto até agora é um conjunto de recomendações para que a banca impusesse novos limites à concessão de crédito à habitação e ao consumo. Recomendações que, já agora, não travaram o crescimento da bolha.
É preocupante e vagamente assustador ver que estão de regresso à banca algumas práticas e que há agentes do sistema financeiro que, aparentemente, pouco ou nada aprenderam com a crise. É preocupante, mas compreensível em instituições desenhadas para os resultados, para o lucro. É a ordem natural das coisas. Mais grave e incompreensível é assistir à lentidão e aparente passividade do regulador, do Banco de Portugal. Meus senhores, quando voltar a rebentar vai ser poucochinho dizer "nós avisámos, nós até emitimos um conjunto de recomendações, lembram-se?"