A Alemanha, a Espanha e a sociedade portuguesa

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Parece que a formação do governo na Alemanha se complicou. Os liberais fizeram uma campanha eleitoral baseada na rejeição absoluta das ideias de Macron. Dizem que são ideias para o Sul da Europa viver outra década à custa do Norte da Europa. A verdade é que obtiveram um bom resultado eleitoral, acima dos 10% (cinco milhões de votos), num momento em que a direita mais radical do AfD chegou aos 12% (eleitorado concentrado na antiga Alemanha de Leste). Em 2009, os liberais tinham já apostado no discurso anti-União Europeia. E conseguiram 15% (mais de seis milhões de votos). Depois veio a coligação com Merkel. E, com a coligação, os liberais engoliram as sucessivas cedências aos países do Sul, como Grécia e Portugal. Resultado em 2013: menos de 5%, apenas dois milhões de votos, quatro anos fora do Parlamento alemão. Aprenderam a lição. Agora não cedem. Ao não ceder, Merkel não conseguiu colocar na mesma coligação os liberais e os Verdes (estes muito mais favoráveis ao projeto europeu de Macron, mas com exigências nas áreas social e ambiental, que Merkel facilmente aceitou). Falhada a coligação Jamaica, resta uma grande coligação com o SPD ou um governo minoritário viabilizado pelo SPD no Parlamento (uma vez que a chanceler tem de ser eleita). O SPD, ainda sofrendo da maior derrota da sua história há dois meses, lá vai abrindo a porta a um qualquer entendimento, pois, tal como Merkel, não quer eleições antecipadas que eventualmente reforcem ainda mais a direita radical do AfD. Parece-me claro, contudo, que a pasokização do SPD é já inevitável. Com ou sem grande coligação, o destino eleitoral do SPD parece profundamente pessimista. Resta saber, ainda, quem beneficiará a prazo do seu eclipse final.

Nas eleições de 1976, apenas três partidos existiam no Parlamento alemão: CDU/CSU, SPD e liberais. Os Verdes entraram em 1983 e foram governo com o SPD em 1998. Os neocomunistas entraram no Parlamento em 1990 e evoluíram para o Linken em 2007, em resultado da fusão com a ala mais à esquerda do SPD. E a direita radical do AfD falhou a entrada por muito pouco em 2013, tornando-se o terceiro partido em 2017. Por outras palavras, em quarenta anos, o sistema partidário alemão mudou de três para seis partidos importantes. Quanto a mim, um sinal muito claro de uma sociedade que mexe, muda, evolui, agrega e desagrega. Uma sociedade em transformação, produto da sua época e dos novos desafios. Uma sociedade livre, que não fica presa no tempo e nos compromissos do passado.

Também por esta altura se recorda a transição espanhola, 40 anos depois. Dia 6 de dezembro é o dia da Constituição de 1978. O constitucionalismo espanhol celebra-se num momento particularmente delicado, dada a crise na Catalunha. Mas importa anotar alguns dados. Depois da implosão da UCD em 1981 (deixo para um artigo posterior a sua comparação com a crise estrutural que vive hoje o PSD), o sistema espanhol baseou-se em três partidos nacionais (PSOE, PP, IU) e dois pequenos partidos nacionalistas (EAJ-PNV, dos bascos, CiU, dos catalães). Assim foi durante mais de 30 anos, até 2015 (o CDS, por exemplo, não vingou nos anos 1980). Hoje existem cinco partidos nacionais (PSOE, PP, Ciudadanos, Podemos, IU). Já a Catalunha, depois da implosão da UCD, começou por ser um sistema com cinco partidos, dois nacionalistas (CiU, ERC) e três constitucionalistas (PP, PSC, ICV), e assim funcionou durante 25 anos. Hoje é um sistema de oito partidos, três nacionalistas (ERC, PDeCAT, CUP) e cinco constitucionalistas (PP, PSC, Podemos, Ciutadans, ICV). Tanto a sociedade espanhola como a catalã mudaram nos últimos dez anos, económica e socialmente, e os seus sistemas partidários refletem as novas dinâmicas. Seja pela austeridade, seja pela corrupção, seja pela crise da independência da Catalunha, a verdade é que são sociedades em movimento e em transformação.

Poderíamos continuar com mais exemplos. E depois parar em Portugal. Se tivermos em consideração o caso da UDP, apesar da sua fraca prestação eleitoral, a verdade é que constatamos a resiliência dos mesmos cincos partidos de 1976 (PS, PSD, CDS, PC, BE/UDP). Se esquecermos o intermezzo do PRD (1985-1991), a verdade é que nada mudou. Dizem vários politólogos que isso deriva da identificação dos portugueses com esses cinco partidos. Ou seja, o sistema partidário de 1976 não está desfasado da sociedade de 2017. Se assim é, ao contrário do resto da Europa, diria que é um reflexo muito claro de uma sociedade que não mexe, não muda, não evolui, não agrega nem desagrega. Uma sociedade que rejeita a transformação, a mudança e os novos desafios. Se assim é, Portugal, ao contrário da Alemanha ou de Espanha, tem uma sociedade presa nos compromissos do passado. Se o sistema partidário de 1976 não está desfasado da sociedade de 2017, como em quase todos os países europeus, então é a sociedade de 2017 que tem um problema muito sério. Está irremediavelmente "suspensa no tempo". Até quando?

PS: Mal ou bem, o legislador português optou por um modelo presidencial, e não parlamentar, para governar as autarquias (na minha opinião, mal). Junta-se a isso a existência de uma extensa vereação da oposição (na minha opinião, não faz qualquer sentido) em vez de governos autárquicos. Gastar um milhão de euros em assessores e secretárias para uma Assembleia Municipal que reúne umas tantas vezes por ano, que não é parlamento absolutamente nenhum, por isso sem deputados a tempo inteiro, é uma absoluta e profunda vergonha. Que tenha sido aprovado por unanimidade é chocante. Evidentemente ninguém ouviu falar do assunto durante a campanha eleitoral. Não constava no programa eleitoral dos partidos com grupo municipal. Pois seria um convite a mais abstenção.

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