800 milhões para o SNS são "muito positivos e inesperados", mas "limitados"

"Há um ponto positivo, que é a alteração do paradigma da gestão dos hospitais no plano orçamental. Mas não estamos a falar de um aumento de financiamento", indica o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares sobre a verba para o setor da saúde no Orçamento do Estado de 2020, divulgada esta quarta-feira.
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Os 800 milhões de euros anunciados para o Serviço Nacional de Saúde (SNS)​​​​​, esta quarta-feira, no final de um Conselho de Ministros extraordinário, "vão permitir aos hospitais cumprir os seus pagamentos de forma mais adequada", acredita o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço. No entanto, "não se pode falar em aumento de financiamento", uma vez que o excedente deverá servir para impedir uma divida ainda maior dos hospitais públicos aos fornecedores. "É gastar de forma mais inteligente", disse ao DN.

"Há um ponto positivo, que é a alteração do paradigma da gestão dos hospitais no plano orçamental. Mas não estamos a falar de um aumento de financiamento", analisa o administrador hospitalar. Até agora, "o subfinanciamento orçamental tem levado a um aumento da despesa posteriormente e tem sido responsável por haver falta de alguns produtos nos hospitais, por estes não serem pagos a tempo e horas". Em setembro, a divida do SNS atingiu os 651,6 milhões de euros e agora o Governo vai desbloquear mais 550 milhões para pagar aos fornecedores.

O Executivo aprovou um Plano de Melhoria da Resposta do Serviço Nacional, onde estará contemplado um financiamento de 800 milhões de euros para contratar 8426 novos profissionais no setor, para modernizar equipamentos e infraestruturas e premiar os hospitais que demonstrem mais eficácia no tratamento dos seus doentes. No entanto, Alexandre Lourenço relembra que estes 800 milhões de euros não são todos para aplicar em investimento operacional. Aqui, estão incluídos parte dos 190 milhões (a ministra da Saúde não esclareceu quanto) - também anunciados esta manhã - para a requalificação e modernização de unidades de saúde.

Quanto ao número de profissionais que deverão ser contratados em 2020 e 2021, ainda não é claro como vão ser distribuídos os 8426 lugares referidos por Marta Temido. Questionado pelo DN sobre a distribuição destas vagas e sobre a forma como chegaram a este número, o ministério da Saúde esclareceu que "o reforço abrange todos os grupos profissionais (médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, entre outros)". Mas que ainda "não é possível avançar com um número exato, pois vai depender das necessidades mais prementes de cada instituição".

Alexandre Lourenço diz que as novas contratações "vão permitir diminuir o recurso a horas extraordinárias e a prestadores de serviços. É gestão inteligente do financiamento público. Em 2018, nós gastamos horas extraordinárias que equivaliam à contratação de cerca de dois mil enfermeiros. Até porque as horas extraordinárias são bastante mais dispendiosas do que a contratação de profissionais, vamos gastar de forma mais eficiente".

As necessidades não ficam suprimidas. Os 800 milhões de euros para o SNS são "muito positivos e inesperados", mas "limitados". "A falta de obstetras não termina, nem as urgências sobrelotadas, mas é uma evolução".

"É um dos passos para resolver os problemas do SNS"

Tanto para a Ordem dos Médicos como para a dos Enfermeiros, as verbas anunciadas esta manhã são "um sinal positivo", e um passo no sentido de resolver os problemas do Serviço Nacional de Saúde, mas não podem ser aplicadas de forma isolada. "Do que tivemos conhecimento até ao momento, este reforço é positivo e demonstra que o Governo reconhece que o SNS não está bem. Mas as medidas devem ser encaradas como apenas um passo para começar a resolver os problemas do SNS. É preciso acompanharmos com atenção e cautela a disponibilidade destas verbas, para assegurarmos que não continuamos a assistir a vetos de gaveta ou cativações", defende, em comunicado, o bastonário dos médicos, Miguel Guimarães.

Para Miguel Guimarães, esta medida tem de ser "acompanhada por uma visão e uma estratégia para o SNS que invista, sobretudo, na valorização do capital humano e em projetos de trabalho e de carreira aliciantes para os médicos poderem servir os doentes em condições de dignidade e segurança clínica".

Também a Ordem dos Enfermeiros "vê como um sinal positivo [o reforço orçamental de 800 milhões de euros]"." No fundo é o reconhecimento do que andámos a denunciar durante quatro anos. É o assumir de que há problemas para resolver no SNS e de que tudo o que denunciávamos não eram afinal apenas casos isolados, como nós já sabíamos", reagiu a bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, em declarações à agência Lusa.

O esforço é claro, no entanto, Ana Rita Cavaco não deixa de mencionar também que "não basta atirar dinheiro para cima dos problemas". É preciso reorganizar o sistema. "O sistema está centrado, infelizmente, nos hospitais e não há investimento nos centros de saúde. Está também muito centrado nos profissionais de saúde, sobretudo nos médicos, e tem de deixar de estar, temos de ter um SNS centrado nas pessoas", defendeu.

Por sua vez, e sem a palavra "mas" no discurso, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) manifestou a sua "satisfação com a aprovação" destas verbas, acrescentando que: "estas são as condições indispensáveis para oferecer os melhores cuidados de saúde aos cidadãos. A sua concretização coloca um ponto final na suborçamentação crónica da Saúde e representa um importante contributo para sustentabilidade do SNS."

Sindicato dos Médicos está "desapontado"

Ao contrário das outras entidades, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) está "desapontado" com as palavras de Marta Temido desta manhã. O governo passado fez "o menor investimento de sempre na área da saúde e todos nos lembramos que no ano passado e há dois anos foram anunciados investimentos para os hospitais de Évora, de Faro, do Funchal, do Seixal, de Sintra e de Lisboa e em todos eles se mantêm equipamentos obsoletos", disse, ao DN, o secretário-geral do SIM, Jorge Roque da Cunha.

"Estamos desapontados, porque foram anunciados quatro milhões de euros para os Cuidados de Saúde Primários, o que dá cerca de dois mil euros por cada edifício de cuidados de saúde primário. E ainda mais desapontados, porque em vez de anunciar o processo negocial para a alteração das carreiras dos médicos (que impedirá os médicos de saírem do Serviço Nacional de Saúde), a ministra não falou sequer do salário dos médicos", continuo Jorge Roque da Cunha.

Os dois sindicatos médicos - o SIM e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) - estiveram, esta terça-feira, reunidos para analisar o panorama atual da saúde e num comunicado, divulgado hoje, alertavam para a "sistemática degradação dos serviços de saúde", que contribui para a "deserção dos médicos do SNS".

"O que pedimos à ministra é que nos chame para negociar, em vez de fazer anúncios que, do nosso ponto de vista, são mais propaganda do que realidade", diz Jorge Roque da Cunha.

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