4200 profissionais para o SNS até março. Mas quantos se vão reformar?, pergunta o bastonário
"É positivo que haja mais dinheiro para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), embora eu tivesse à espera de que existisse pelo menos o dobro", começa por admitir Miguel Guimarães, bastonário dos Médicos, na primeira reação à proposta de Orçamento do Estado para 2021 do governo, ao DN. "Se quisermos mudar alguma coisa, isso implica grandes investimentos agora. E o agora é já nos próximos meses. Ou há coisas que mudam ou vai bloquear tudo outra vez", continua, referindo-se à possibilidade de um novo confinamento por causa da pandemia de covid-19.
Miguel Guimarães fala "numa altura fraturante, em que a saúde mostrou ao mundo inteiro que qualquer variação com um significado maior faz tremer tudo: a economia, a justiça, a população... a pandemia mostrou que investir na saúde é rentável. Se nós tivéssemos mais preparados para dar uma resposta melhor, se calhar não era preciso ter existido confinamento", aponta.
O Orçamento do Estado (OE) para 2021 propõe uma subida de quase 500 milhões de euros para a saúde face à estimativa de 2020, o que representa um crescimento de 4,1% e uma despesa consolidada de 12 564,8 milhões de euros no total. Este aumento "é bem-vindo, principalmente, se for relativo ao Orçamento consolidado de 2020", continua o representante dos médicos, sem deixar de referir o muito que ainda há por clarificar.
"Começamos pelo reforço dos 4200 profissionais", propõe o especialista do Hospital de São João, no Porto, referindo-se à alínea do documento onde está escrito que o governo pretende contratar 4200 profissionais de saúde até março do próximo ano. Sobre isto, "é preciso saber quantos profissionais é que se reformam. Pode haver reforço, mas não vai ser de 4200 de certeza. Dos médicos, só na medicina geral e familiar é provável que se reformem entre 300 a 400 médicos para o ano. Tem de se ver isto caso a caso para percebermos de que tamanho é o reforço", propõe.
No OE 2021 é ainda sugerida a contratação de mais 261 profissionais para o INEM, também até março, mas o bastonário recorda críticas já muito ouvidas: "O INEM está de rastos há muito tempo. Há poucos médicos, enfermeiros, técnicos e uma grande parte das emergências médicas deste país ainda são feitas por bombeiros. Esta contratação é positiva, mas eu não sei a que correspondem estes profissionais".
Sobre a criação de um subsídio de risco para os profissionais de saúde que se encontram a trabalhar diretamente na resposta a doentes com covid-19 no valor de 20% do salário-base, podendo ir no máximo até aos 219 euros, Miguel Guimarães alerta para a possibilidade "de isto criar ainda mais irritações nas pessoas que trabalham e que podem não estar propriamente a fazer testes a doentes para saber se estes têm ou não covid".
"Eu gostava de perguntar aos nossos responsáveis políticos: Quem são os profissionais de saúde que estão na linha da frente e o que é a linha da frente? E se a linha da frente é mais ou menos importante do que a de retaguarda?", questiona, sugerindo que "um trabalho não é mais importante do que outro, por isso é que há diferentes especialidades".
Miguel Guimarães está convencido de que estas medidas ainda "vão gerar alguma polémica" e desafia o executivo a pensar na valorização de todas as carreiras dos profissionais de saúde. Esse seria, no seu entender, "o sinal".
Uma das eternas promessas dos sucessivos governos é a de que todos os portugueses deveriam ter um médico de família, mas, segundo o bastonário, ainda "há mais de um milhão de pessoas sem médico de família atribuído". "Só isto já dava para gastar os 90 milhões de euros que estão aqui no OE", aponta a olhar para a sugestão de investimento de 90 milhões para os cuidados de saúde primários.
"Sendo que depois, nos cuidados de saúde primários, é preciso investir noutras áreas, como em equipamentos e infraestruturas", diz. "Vamos ver se isto serve para que os médicos de família tenham melhores condições de trabalho, para que os doentes tenham mais médicos de família e para que seja feita uma recuperação das listas de espera, aumentadas de forma abusiva na altura da troika".
Numa altura em que se tenta ao máximo proteger os doentes de risco e evitar viagens desnecessárias aos cuidados de saúde, Miguel Guimarães lembra que seria preciso um investimento ainda maior em mecanismos de telesaúde.
"A medicina à distância não é compatível apenas com telefonemas", lembra o representante dos médicos. "É preciso modernizar, fazer a verdadeira transformação digital e é preciso aplicar no SNS a monitorização de algumas doenças crónicas. Não chega o som ou a imagem, há um conjunto de equipamentos que são importantes por causa dos registos e do pedido de exames, a prescrição de exames ainda nem sequer está consolidada em alguns sítios".
"Isto na prática significa da parte dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde um investimento grande nos centros de saúde e hospitais e eu não sei se há alguma unidade, neste momento, devidamente equipada para fazer medicina à distância. Eu não tenho conhecimento de nenhuma".
Outra das preocupações do bastonário dos médicos está relacionada com o reforço de 19 milhões para o Programa de Saúde Mental, que é importante, mas "pequeno para aquilo que é a verdadeira pandemia do século XXI, que é a saúde mental".
"A saúde mental tem duas grandes dimensões: as demências e os distúrbios psiquiátricos. E a proposta do Orçamento só deve dizer respeito ao segundo" acredita e por isso pede atenção para o primeiro.