Do Castelo de Mértola vê-se a vila, a ribeira de Oeiras e o rio Guadiana, que em tempos fez de Mértola o porto mais ocidental a partir do Mediterrâneo. O castelo, e a fortaleza islâmica que o antecedeu, testemunharam a ascensão (breve) de Mértola a capital de um emirado islâmico, mais tarde novamente independente sob o governo de Ibn Qasi, sufista que terá sido aliado de D. Afonso Henriques, personagem envolta em mistério, hoje com uma estátua junto ao castelo. Em 1238, a Ordem de Santiago toma Mértola e ali levanta nova fortificação..O castelo de Mértola é um dos 33 que o governo quer transferir do Estado central para as autarquias, no âmbito do processo de descentralização de novas competências para os municípios. Mas vão sem mais: a transferência não será acompanhada de qualquer verba para a gestão e a manutenção destes equipamentos - 25 deles classificados como monumento nacional -, como é dito expressamente na própria lei. Além destes, há mais oito castelos a transferir, mas neste caso com financiamento, num máximo de 32 mil euros e um mínimo de 496 euros..Numa audição no Parlamento, em janeiro, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, defendeu que "não tem sentido que este tipo de equipamentos seja gerido a nível central". E garantiu que a transferência teve o "acordo expresso" das autarquias: "Um a um: todos os que constam da lista tiveram o acordo desses municípios.".Há autarquias a garantir que não é bem assim. Ou mesmo que não é de todo assim. "Mértola não irá aceitar a transmissão do castelo e muralhas", diz ao DN Jorge Rosa. O presidente socialista da Câmara de Mértola diz não ter "nem condições técnicas nem financeiras" para assegurar a gestão e a manutenção do castelo, garante que não deu assentimento a receber o monumento sem qualquer contrapartida financeira - "não, absolutamente".."Fui contactado informalmente. Perguntei na altura: mas e as obras que se têm de fazer de urgência, para que partes não venham abaixo? E plano de manutenção, para se irem mantendo razoáveis as muralhas e o castelo? Quem as faz, quem as paga? Qual o envelope financeiro associado? As respostas foram sintéticas. Não temos nada previsto, não há plano, e não estão verbas envolvidas nesta área. O pagamento da competência é feito com os bilhetes que se cobram aos visitantes", explica Jorge Rosa, antes de deixar uma pergunta: "Obras de milhões de euros a serem pagas com bilhetes de 2,5 euros por 20 ou 30 mil visitantes?".Mais a norte, Jorge Fidalgo, social-democrata que preside à Câmara de Vimioso (Bragança), teve direito a mais do que os zero cêntimos de Mértola - o decreto do governo atribui-lhe mil euros para manter o Castelo de Algoso, por acaso a terra natal do autarca. Fidalgo tem dificuldade em escolher um qualificativo - vai de "afronta" a "provocação", passando por "caricato", para acabar num indignado "como é que é possível?!". "Dá para pagar a luz e os consumíveis da limpeza", mas já não dá para pagar à funcionária que mantém abertas as portas - "São, no mínimo, dez mil euros por ano. E os seguros, quem é que paga?".Fidalgo diz que até quer ficar com a gestão do equipamento para evitar situações como ter de ir buscar as chaves ao Porto para poder mostrar o castelo a um grupo de visitantes [atualmente o equipamento está sob a gestão da Direção Regional de Cultura do Norte]. Mas nunca nestas condições. "Já transmiti pessoalmente e por escrito. Isto não é forma de tratar uma autarquia. Se o castelo passar nestes termos não passa, nem que tenha de ir para tribunal." De acordo com a lei-quadro da descentralização, os municípios podem recusar as novas competências neste ano e no próximo, mas em 2021 terão de as aceitar. Quanto a ter dado consentimento para receber o castelo: "É falso. Comigo nunca ninguém falou.".A resposta repete-se. Avis, câmara da CDU, diz que "não está disponível para receber a gestão do Castelo de Avis no estado de conservação atual e sem as necessárias contrapartidas financeiras". Trancoso, município gerido pelo PS, garante que "não deu assentimento a receber o castelo sem qualquer contrapartida financeira". Eduardo Pinto, vice-presidente, diz que está disposto a receber o equipamento "após realização das obras de consolidação ou apoio financeiro para o efeito", mas para já a descentralização foi recusada. Vila Nova de Foz Coa, que tem à frente o social-democrata Gustavo de Sousa Duarte, também já recusou em Assembleia Municipal a transferência de novas competências - "como previamente comunicado à ANMP aquando das negociações". Foz Coa tem três castelos na lista, só um com verba associada - o Castelo Velho de Freixo de Numão, pelo qual receberá 500 euros anuais. "O valor previsto como despesa inerente é irrisório", contesta a autarquia, invocando as despesas com manutenção e preservação do património e de futuras obras..Quanto custa manter um castelo?.Quanto custa manter um castelo é uma equação com tantas variantes que não admite uma resposta, embora os autarcas apontem sempre para valores na ordem dos milhares de euros (sem contar com grandes obras de conservação ou restauração). Depende do estado de conservação, da configuração, do investimento feito para manter os monumentos abertos ao público. Miguel Gomes Martins, historiador, autor do livro Guerreiros de Pedra. Castelos, Muralhas e Guerra de Cerco em Portugal na Idade Média, lembra que estamos a falar de "edifícios construídos há centenas de anos, que é preciso manter e conservar e onde, constantemente, é necessário fazer obras de manutenção para que não haja ruína das estruturas, e para que não haja acidentes". Há ainda outro tipo de manutenção a garantir - "iluminação, segurança, vigilância". E "pessoal habilitado para manter as estruturas abertas - ter um castelo que está fechado ao público não faz sentido nenhum"..Os 33 castelos que o governo pretende passar para as câmaras sem qualquer verba financeira.Castelo de Santa Maria da Feira Castelo de Arnoia (Celorico de Basto) Castelo de Bragança Castelo de Outeiro (Bragança) Castelo de Rebordão (Bragança) Castelo de Miranda do Douro Castelo de Mogadouro Castelo de Castelo Melhor (Vila Nova de Foz Coa) Castelo de Numão (Vila Nova de Foz Coa) Castelo de Monforte (Chaves) Castelo de Montalegre Castelo de Montemor-o-Velho Castelo do Avô (Oliveira do Hospital) Castelo de Penela Castelo de Linhares (Celorico da Beira) Castelo de Celorico da Beira Castelo de Pinhel Castelo de Alfaiates (Sabugal) Castelo de Trancoso Castelo de Mértola Castelo da Vidigueira Castelo de Alandroal Castelo de Terena (Alandroal) Castelo de Arraiolos Castelo de Evoramonte (Estremoz) Castelo de Montemor-o-Novo Castelo de Avis Castelo de Nisa Castelo de Alcácer do Sal Castelo de Santiago do Cacém Castelo de Paderne (Albufeira) Castelo de Aljezur Castelo de Loulé