25 anos de ZDB, a casa de uma certa cultura alternativa
É uma galeria ou uma sala de espetáculos? Uma produtora, uma agência ou um estúdio? A Zé dos Bois, que deve o nome a um aportuguesamento do nome do artista multidisciplinar alemão Joseph Beuys - ou simplesmente ZDB, como é mais conhecida -, é porventura tudo isso e até um pouco mais, enquanto casa de uma certa cultura alternativa, também ela cada vez mais transversal à sociedade e por isso mais popular, que acolhe anualmente centenas de projetos artísticos, entre exposições, residências, teatro, dança e, claro, música, muita música, que tanto vai do hip-hop ao rock como do jazz à eletrónica.
Faz nesta semana 25 anos que abriu portas e até ao final do ano haverá uma programação especial, dentro e fora de portas, com a presença de alguns dos artistas que ajudaram a fazer a história da casa. E essa teve início em novembro de 1994, quando um grupo de 15 jovens artistas fundou no Bairro Alto, em Lisboa, uma galeria com o objetivo de dar espaço e visibilidade a toda uma nova geração de criadores.
Ainda passaria pelo Cais do Sodré e pelas Janelas Verdes, antes de assentar arraiais novamente em pleno coração do Bairro Alto, no famoso número 59 da Rua da Barroca, morada do antigo Palácio Baronesa de Almeida, onde se tornou uma referência para público a artistas - tanto a nível nacional como internacional. Com cerca de 2500 metros quadrados, este verdadeiro centro cultural fica assim localizado num espaço só por si merecedor de uma visita, tal como a pequena sala de espetáculos, conhecida como Aquário, devido às montras para a rua, que permitem a quem passa do lado de fora espreitar o que se passa lá dentro.
"É um local bastante diferente da norma, mas de uma forma inclusiva e não exclusiva, com uma programação muito específica, que advém do próprio edifício, um palácio do século XVIII, onde até temos quartos para os artistas, onde por vezes dormem uma noite ou duas, antes de seguir digressão", refere Sérgio Hydalgo, 40 anos e desde há 12 o programador musical da ZDB, esforçando-se assim por desmistificar a ideia de um local transgressor e alternativo.
É, isso sim, "um espaço de produção e apresentação, seja de artes plásticas, performativas ou musicais, que tem a transversalidade e a independência como conceitos-base". Reconhece, ainda assim, que se trata de "um espaço inusitado" dentro do panorama cultural português, pela relação de proximidade que estabeleceu com público e artistas. "Já cá tivemos um casamento e até dois velórios, de pessoas muito ligadas à casa, que ainda em vida manifestaram esse desejo. Foram tantas as pessoas que aqui se conheceram e já se iniciaram muitas paixões na ZDB, tal como, estou certo, alguns divórcios", diz com humor.
Na programação que delineou para a ZDB, Sérgio Hydalgo estabeleceu duas dimensões, que com o tempo se tornaram imagem de marca da casa: "a dos artistas emergentes, ainda sem público, mas que sabemos que vão ter. E a dos artistas consagrados, que nos permitem continuar a apostar nos primeiros".
Sendo que muitos dos consagrados de hoje, como é o caso de nomes como o da americana Angel Olsen (regressa em janeiro para dois concertos no Capitólio, organizados pela ZDB) ou do seu compatriota Cass Mccombs (também com concerto marcado para o Aquário no próximo dia 9), se estrearam em Portugal precisamente no tal número 59 da Rua da Barroca. Com a primeira existe "uma relação de proximidade estabelecida logo no início de carreira", quando Angel ainda fazia coros para Bonnie Prince Billy. "Na verdade apenas me interessa se a música é boa ou não. Admito que haja um lado transgressor na nossa programação, mas não é esse o objetivo, isso apenas acontece porque os bons artistas são, por norma, transgressores", explica Sérgio.
Neste momento, o objetivo passa por crescer, "mas de forma sustentada", cada vez mais fora de portas. Ou seja, organizando espetáculos noutros locais da cidade, como tem sido cada vez mais habitual nestes últimos anos.
Outro aspeto diferenciador são as residências artísticas, uma área, conforme lembra Sérgio Hydalgo, em que "a ZDB foi pioneira" e não só em Portugal. "Não é comum fazer-se este tipo de residências criativas fora da área da música improvisada e nós temo-lo feito", salienta, dando os exemplos de Amen Dunes ou novamente de Angel Olson. Para o futuro, a aposta continuará a incidir "em propostas cada vez mais arriscadas, porque já existe uma relação de confiança com o público, ou melhor, com os vários públicos da ZDB".
E, 25 anos depois, impõe-se a pergunta: que público é esse? "É um público informado e atento, que quer conhecer coisas novas e está disposto a ser surpreendido", responde de imediato Sérgio Hydalgo, hesitando muito mais quando convidado a escolher os momentos mais memoráveis que já viveu na ZDB. "Já são tantas noites. Talvez o dos Lightining Bolt, no parque de estacionamento do Camões; ou o dos Dirty Projectors, no meu primeiro ano na ZDB. Ou, claro, o primeiro a solo da Angel Olson, em que todos tivemos a noção de estar a ver nascer uma estrela." Da lista fazem ainda parte nomes como os congoloses Konono, o brasileiro Rodrigo Amarante ou a americana Kim Gordon, tal como o seu ex-marido e antigo companheiro dos Sonic Youth, Thurston Moore, também ele presença habitual na ZDB, muitas vezes do lado da lá do palco. "Os Sonic Youth tinham acabado de se separar e desafiei o Thurston Moore a fazer uma improvisação cá, que acabou por se transformar num concerto de duas horas", no Teatro da Trindade, onde apresentou pela primeira vez as novas músicas do primeiro álbum a solo", recorda Sérgio.
Há também os artistas portugueses, como Norberto Lobo, B Fachada ou Gabriel Ferrandini, entre tantos outros, que têm feito da ZDB a sua casa em determinados momentos da carreira. Talvez por isso tenha sido tão fácil juntar tantos, numa determinada noite, "em 2012", para um concerto de "angariação de fundos para a compra de um ar condicionado", que incluiu os Dead Combo a tocar por cima da casa de banho ou os Paus a atuar num dos corredores do palacete.