"Um carro de mão, os troncos das árvores, a lenha no chão, a barra amarela e um gato à janela", canta Tim, na sua voz inconfundível, em Lar, o tema de abertura de 20-20-20, o novo álbum a solo do músico dos Xutos & Pontapés, que assim convida o ouvinte a entrar na intimidade do seu dia-a-dia, tão distante do habitual imaginário de holofotes e desassossego do rock and roll.."Essa música foi o ponto de partida para tudo, porque é o retrato do local onde vivo", explica ao DN, realçando que o objetivo é mesmo esse, mostrar a sua vida mais íntima e pacata, tal e qual como ela é: "Os bichos, as árvores, as rotinas da vida no campo." Coisas "pouco importantes", reconhece, mas que são os seus adereços do dia-a-dia, no sítio onde vive. "Às vezes, as osgas até têm nome e não se mata uma única aranha", conta. "De vez em quando dá para ficar uma tarde ou duas sem fazer nada ou dar um mergulho no tanque, mas não mais do que isso, porque no campo não dá para ser glamoroso, mas também sei que muita gente vive como eu e poderá identificar-se com estes assuntos", adianta..Essa "é a parte boa" de um trabalho a solo, "poder escrever de maneira diferente, abrindo outras portas e janelas" sobre assuntos que normalmente não caberiam num álbum dos Xutos & Pontapés. "Nem quero obrigar o Kalú e o Cabeleira a terem de levar com estas histórias mais pessoais", diz com humor. Não se julgue, portanto, que 20-20-20 é um feito a partir de sobras dos Xutos, muito pelo contrário. "Estas músicas não existiam antes do ano passado. Quando comecei a pensar neste disco peguei nalguns rascunhos e fui-os trabalhando. Muitas vezes, antes de os músicos chegarem ao estúdio, ainda eu estava a acabar a letra que ia ser gravada nesse dia. Não foi uma coisa muito pensada, foi mais ao sabor do espírito do momento, quase como fazer um grelhado na hora", sublinha Tim..Para construir o ambiente simples e direto que pretendia, Tim rodeou-se, literalmente, da família, trabalhando com os filhos, Vicente (teclas) e Sebastião Santos (bateria), e dois dos seus amigos mais próximos, José Moz Carrapa (guitarra) e Nuno Espírito Santo (baixo). "Foi um disco feito numa altura de felicidade, é o que posso dizer. É descomprometido, feliz, estava com os putos e estava tudo a correr bem. Divertimo-nos muito a fazê-lo", afirma..A autoridade paterna, alguma vez terá imposto nesta equação? "Temos a sorte de nos darmos bastante bem profissionalmente, até porque têm uma enorme vontade de aprender, mas quando estão a trabalhar comigo não penso que são os meus filhos. De qualquer forma, a autoridade do pai impôs-se porque o pai é que é o artista, como eles dizem. Se há alguma coisa que lhes agrada menos, eles respondem que o disco é meu e eu é que decido [risos]."</p>.Tim não sabe se irá repetir a experiência no futuro, mas agora, com uma digressão pela frente, garante que é com esta banda que conta para os próximos tempos, até porque" todos os músicos contribuíram bastante" para o resultado final. "Gosto que os músicos se sintam confortáveis e quando noto algum desconforto oiço o que têm a dizer, porque a parceria é para mim o mais importante. Sempre trabalhei assim e estou sempre atento ao conforto intelectual dos vários intervenientes, até porque nem sequer me dou muito bem a trabalhar sozinho. Se não tiver alguém a meu lado acabo por me sentir limitado e a coisa não desenvolve", assume..Foi assim com base nesta ideia de familiaridade que 20-20-20 começou a crescer, a partir dos encontros semanais (sempre às segundas-feiras) em que todos se juntavam na casa de Tim. Foi aí que foram captados os instantâneos deste banal quotidiano do artista, através de canções como Larm>, >O Mocho ou Gato Preto, Gato Branco, que integram a primeira das três partes do disco. A segunda parte, "mais contemplativa", é composta pelos temas Ondas do Mar, Parece Impossível ou Pôr do Sol, gravados de forma acústica durante um retiro na Zambujeira do Mar, numa casa com vista para o oceano, onde "o ambiente bucólico acabou por dar uma direção mais acústica e intimista à música, tal como era pretendido"..Já a terceira parte, bem mais rock and roll, foi gravada em Toronto, "num estúdio à séria, com engenheiros de som e tudo aquilo a que tínhamos direito". O objetivo, revela, era levar a banda a experimentar coisas novas, mas também, como confessa, para ele próprio escapar da Casinha, o estúdio base dos Xutos & Pontapés, onde habitualmente trabalha. "Estava um bocado farto, salvo seja, porque já tinha feito quatro discos aqui e portanto não me apetecia voltar outra vez com um projeto meu. Embora para os músicos isso até pudesse ser bom, para mim já era chover no molhado. E a verdade é que, quando se ouve o disco, nota-se toda essa diferença entre os vários ambientes.".A escolha de Toronto também não foi inocente, como recorda: "Andava à procura de um estúdio no estrangeiro, para gravar essa parte mais rock, mas também para poder proporcionar à banda essa experiência, especialmente aos meus filhos, que nunca tinham trabalhado assim, num ambiente, digamos, tão profissional.".Nessa busca, a metrópole canadiana surgiu naturalmente, apesar de uma certa pitada de acaso, que ainda torna a história mais saborosa. "Os Xutos têm uma relação muito antiga com Toronto, tal como com outras cidades onde a diáspora portuguesa está muito presente, onde somos sempre muito acarinhados. Mas isso é a parte profissional, porque depois há a relação pessoal com algumas pessoas da comunidade, até já houve um elemento da banda que foi padrinho de um bebé de lá." E foi quando a cidade canadiana já estava no topo da lista de preferências que, por mero acaso, Tim encontrou na Nazaré um rapaz de Toronto, com quem comentou o projeto e lhe respondeu ter lá um estúdio disponível.."A troco de um concerto, deram-nos uma semana de estúdio, durante a qual tivemos todo o apoio da comunidade. Apenas tínhamos de nos preocupar em tocar e gravar." Durante esse período tiveram ainda a colaboração de Vítor Florêncio, "um produtor português com inúmeros prémios no Canadá mas que cá ninguém conhece"..Os diversos ambientes de gravação acabaram assim por tornar tudo "muito mais fácil", compartimentando a música, mas também as emoções e sentimentos transmitidos, ficando guardado para o final as sonoridades mais rock, através das faixas Bora Lá, Desculpa Lá ou Louca Cigarra, talvez as mais parecidas com os ambientes habitualmente presentes no trabalho dos Xutos & Pontapés. "É normal, é uma questão genética", justifica Tim, que prefere classificá-los como "os temas de alegria, que permitiram à banda desbundar e justificar as cervejas"..O andamento a três velocidades, "correspondentes a três áreas diferentes de música, gravadas em diferentes locais", é de certa forma desvendando no próprio título 20-20-20, um nome com várias leituras e significados, que, segundo Tim, acabou por orientar todo o conceito do álbum. "É inspirado numa antiga marca de cigarros sem filtro com o mesmo nome. Tinha 20 cigarros, pesava 20 gramas e custava 20 centavos. Era aquilo e mais nada, tudo muito simples e direto, tal como este disco pretendia ser", lembra o músico, que nem costumava fumar desse tabaco. "Servia para matar o vício, mas às vezes nem para esse tinha dinheiro, fumava o que me davam", conta com humor. A soma dos três vintes remete também para os 60 anos de vida que Tim completou a 14 de abril, em pleno confinamento, a data inicialmente prevista para o lançamento do álbum..Porém, enquanto o tempo passou, Tim não ficou parado, tendo sido um dos principais impulsionadores dos espetáculos virtuais na Casinha, que já levaram ao estúdio dos Xutos & Pontapés mais de cinco dezenas de artistas e grupos musicais, entre os quais gente como António Zambujo, NBC ou Pedro Joia. "Foi uma junção de forças, da parte dos Xutos e de toda a nossa estrutura, mas também de todas as pessoas que têm vindo cá tocar", elogia Tim, que é também o mestre-de-cerimónias de cada uma das sessões, apresentando cada um dos artistas e lançando o concerto online. "Não andamos à procura das vinte mil visualizações, mas sim fazer que os músicos se sintam como num verdadeiro espetáculo: têm um ensaio, o jantar, depois há o concerto, quando acaba há um pequeno convívio com uma cervejinha ou duas e no final saímos daqui todos um bocadinho mais consolados, tanto os músicos como os técnicos", sustenta..Os espetáculos são todos em direto e apenas visíveis mediante o pagamento de um valor quase simbólico. "É um direto, que só acontece ali, naquele momento, daí a existência de um bilhete pago, fiz questão disso", explica. O valor arrecadado serve para pagar aos técnicos e o que sobra vai para os artistas, mas o mais importante, salienta o músico, é "não estarmos todos em casa, a dar em malucos". Afinal, o convívio também faz parte desta vida de rock and roll e é disso mesmo que Tim sente mais falta, por estes dias. "Normalmente, num ano normal, por esta altura, já não posso ver hotéis à frente. Hoje sinto que até os hotéis me fazem falta".
"Um carro de mão, os troncos das árvores, a lenha no chão, a barra amarela e um gato à janela", canta Tim, na sua voz inconfundível, em Lar, o tema de abertura de 20-20-20, o novo álbum a solo do músico dos Xutos & Pontapés, que assim convida o ouvinte a entrar na intimidade do seu dia-a-dia, tão distante do habitual imaginário de holofotes e desassossego do rock and roll.."Essa música foi o ponto de partida para tudo, porque é o retrato do local onde vivo", explica ao DN, realçando que o objetivo é mesmo esse, mostrar a sua vida mais íntima e pacata, tal e qual como ela é: "Os bichos, as árvores, as rotinas da vida no campo." Coisas "pouco importantes", reconhece, mas que são os seus adereços do dia-a-dia, no sítio onde vive. "Às vezes, as osgas até têm nome e não se mata uma única aranha", conta. "De vez em quando dá para ficar uma tarde ou duas sem fazer nada ou dar um mergulho no tanque, mas não mais do que isso, porque no campo não dá para ser glamoroso, mas também sei que muita gente vive como eu e poderá identificar-se com estes assuntos", adianta..Essa "é a parte boa" de um trabalho a solo, "poder escrever de maneira diferente, abrindo outras portas e janelas" sobre assuntos que normalmente não caberiam num álbum dos Xutos & Pontapés. "Nem quero obrigar o Kalú e o Cabeleira a terem de levar com estas histórias mais pessoais", diz com humor. Não se julgue, portanto, que 20-20-20 é um feito a partir de sobras dos Xutos, muito pelo contrário. "Estas músicas não existiam antes do ano passado. Quando comecei a pensar neste disco peguei nalguns rascunhos e fui-os trabalhando. Muitas vezes, antes de os músicos chegarem ao estúdio, ainda eu estava a acabar a letra que ia ser gravada nesse dia. Não foi uma coisa muito pensada, foi mais ao sabor do espírito do momento, quase como fazer um grelhado na hora", sublinha Tim..Para construir o ambiente simples e direto que pretendia, Tim rodeou-se, literalmente, da família, trabalhando com os filhos, Vicente (teclas) e Sebastião Santos (bateria), e dois dos seus amigos mais próximos, José Moz Carrapa (guitarra) e Nuno Espírito Santo (baixo). "Foi um disco feito numa altura de felicidade, é o que posso dizer. É descomprometido, feliz, estava com os putos e estava tudo a correr bem. Divertimo-nos muito a fazê-lo", afirma..A autoridade paterna, alguma vez terá imposto nesta equação? "Temos a sorte de nos darmos bastante bem profissionalmente, até porque têm uma enorme vontade de aprender, mas quando estão a trabalhar comigo não penso que são os meus filhos. De qualquer forma, a autoridade do pai impôs-se porque o pai é que é o artista, como eles dizem. Se há alguma coisa que lhes agrada menos, eles respondem que o disco é meu e eu é que decido [risos]."</p>.Tim não sabe se irá repetir a experiência no futuro, mas agora, com uma digressão pela frente, garante que é com esta banda que conta para os próximos tempos, até porque" todos os músicos contribuíram bastante" para o resultado final. "Gosto que os músicos se sintam confortáveis e quando noto algum desconforto oiço o que têm a dizer, porque a parceria é para mim o mais importante. Sempre trabalhei assim e estou sempre atento ao conforto intelectual dos vários intervenientes, até porque nem sequer me dou muito bem a trabalhar sozinho. Se não tiver alguém a meu lado acabo por me sentir limitado e a coisa não desenvolve", assume..Foi assim com base nesta ideia de familiaridade que 20-20-20 começou a crescer, a partir dos encontros semanais (sempre às segundas-feiras) em que todos se juntavam na casa de Tim. Foi aí que foram captados os instantâneos deste banal quotidiano do artista, através de canções como Larm>, >O Mocho ou Gato Preto, Gato Branco, que integram a primeira das três partes do disco. A segunda parte, "mais contemplativa", é composta pelos temas Ondas do Mar, Parece Impossível ou Pôr do Sol, gravados de forma acústica durante um retiro na Zambujeira do Mar, numa casa com vista para o oceano, onde "o ambiente bucólico acabou por dar uma direção mais acústica e intimista à música, tal como era pretendido"..Já a terceira parte, bem mais rock and roll, foi gravada em Toronto, "num estúdio à séria, com engenheiros de som e tudo aquilo a que tínhamos direito". O objetivo, revela, era levar a banda a experimentar coisas novas, mas também, como confessa, para ele próprio escapar da Casinha, o estúdio base dos Xutos & Pontapés, onde habitualmente trabalha. "Estava um bocado farto, salvo seja, porque já tinha feito quatro discos aqui e portanto não me apetecia voltar outra vez com um projeto meu. Embora para os músicos isso até pudesse ser bom, para mim já era chover no molhado. E a verdade é que, quando se ouve o disco, nota-se toda essa diferença entre os vários ambientes.".A escolha de Toronto também não foi inocente, como recorda: "Andava à procura de um estúdio no estrangeiro, para gravar essa parte mais rock, mas também para poder proporcionar à banda essa experiência, especialmente aos meus filhos, que nunca tinham trabalhado assim, num ambiente, digamos, tão profissional.".Nessa busca, a metrópole canadiana surgiu naturalmente, apesar de uma certa pitada de acaso, que ainda torna a história mais saborosa. "Os Xutos têm uma relação muito antiga com Toronto, tal como com outras cidades onde a diáspora portuguesa está muito presente, onde somos sempre muito acarinhados. Mas isso é a parte profissional, porque depois há a relação pessoal com algumas pessoas da comunidade, até já houve um elemento da banda que foi padrinho de um bebé de lá." E foi quando a cidade canadiana já estava no topo da lista de preferências que, por mero acaso, Tim encontrou na Nazaré um rapaz de Toronto, com quem comentou o projeto e lhe respondeu ter lá um estúdio disponível.."A troco de um concerto, deram-nos uma semana de estúdio, durante a qual tivemos todo o apoio da comunidade. Apenas tínhamos de nos preocupar em tocar e gravar." Durante esse período tiveram ainda a colaboração de Vítor Florêncio, "um produtor português com inúmeros prémios no Canadá mas que cá ninguém conhece"..Os diversos ambientes de gravação acabaram assim por tornar tudo "muito mais fácil", compartimentando a música, mas também as emoções e sentimentos transmitidos, ficando guardado para o final as sonoridades mais rock, através das faixas Bora Lá, Desculpa Lá ou Louca Cigarra, talvez as mais parecidas com os ambientes habitualmente presentes no trabalho dos Xutos & Pontapés. "É normal, é uma questão genética", justifica Tim, que prefere classificá-los como "os temas de alegria, que permitiram à banda desbundar e justificar as cervejas"..O andamento a três velocidades, "correspondentes a três áreas diferentes de música, gravadas em diferentes locais", é de certa forma desvendando no próprio título 20-20-20, um nome com várias leituras e significados, que, segundo Tim, acabou por orientar todo o conceito do álbum. "É inspirado numa antiga marca de cigarros sem filtro com o mesmo nome. Tinha 20 cigarros, pesava 20 gramas e custava 20 centavos. Era aquilo e mais nada, tudo muito simples e direto, tal como este disco pretendia ser", lembra o músico, que nem costumava fumar desse tabaco. "Servia para matar o vício, mas às vezes nem para esse tinha dinheiro, fumava o que me davam", conta com humor. A soma dos três vintes remete também para os 60 anos de vida que Tim completou a 14 de abril, em pleno confinamento, a data inicialmente prevista para o lançamento do álbum..Porém, enquanto o tempo passou, Tim não ficou parado, tendo sido um dos principais impulsionadores dos espetáculos virtuais na Casinha, que já levaram ao estúdio dos Xutos & Pontapés mais de cinco dezenas de artistas e grupos musicais, entre os quais gente como António Zambujo, NBC ou Pedro Joia. "Foi uma junção de forças, da parte dos Xutos e de toda a nossa estrutura, mas também de todas as pessoas que têm vindo cá tocar", elogia Tim, que é também o mestre-de-cerimónias de cada uma das sessões, apresentando cada um dos artistas e lançando o concerto online. "Não andamos à procura das vinte mil visualizações, mas sim fazer que os músicos se sintam como num verdadeiro espetáculo: têm um ensaio, o jantar, depois há o concerto, quando acaba há um pequeno convívio com uma cervejinha ou duas e no final saímos daqui todos um bocadinho mais consolados, tanto os músicos como os técnicos", sustenta..Os espetáculos são todos em direto e apenas visíveis mediante o pagamento de um valor quase simbólico. "É um direto, que só acontece ali, naquele momento, daí a existência de um bilhete pago, fiz questão disso", explica. O valor arrecadado serve para pagar aos técnicos e o que sobra vai para os artistas, mas o mais importante, salienta o músico, é "não estarmos todos em casa, a dar em malucos". Afinal, o convívio também faz parte desta vida de rock and roll e é disso mesmo que Tim sente mais falta, por estes dias. "Normalmente, num ano normal, por esta altura, já não posso ver hotéis à frente. Hoje sinto que até os hotéis me fazem falta".