1914 em 2014
A memória da maioria dos europeus vivos não chega a 1914, o que não significa que 1914 não esteja vivo em 2014. Na Europa, por exemplo, onde o trauma de mais um regresso à guerra (seguido de outro 25 anos depois) moldou até hoje a institucionalização de "Estados civis", a relação entre a política e a guerra, dessacralizando uniformes e promovendo relações pacíficas entre Estados (há exceções, claro). O continente da guerra intermitente passou a ver na "paz perpétua" o santo graal, os impérios militarizados substituídos por nações independentes e preferencialmente civis e comerciais, a cidadania deixou de assentar no serviço militar e abraçou uma nova mundividência, mais hostil ao conflito e menos servil às hierarquias (James Sheehan é magistral em The Monopoly of Violence). Se a "Europa da defesa" é hoje um tigre de papel, muito deve ao trauma social das grandes guerras do séc. XX. Em 1914, metade dos países independentes e um quarto da população do mundo estavam na Europa - hoje são um quarto dos países e só 10% da população. Se quisermos, o corrente declínio relativo da Europa resulta da implosão do estatuto imperial das principais potências, nunca recompostas da perda dessa aura universal.A queda dos impérios motivada por 1914, transformoua Europa mas também África, na altura só com Etiópia e Libéria independentes - hoje há 55 nações soberanas, mais do que em qualquer outro continente. Ou o Médio Oriente, depois da implosão otomana e da esquadria anglo-francesa (não censurada pela Rússia) de nações fictícias. E basta olhar para o que se passa na Síria e no Iraque para percebermos como 1914 permanece bem vivo em 2014.