18 anos da ACT: a escola que ensinou os atores a estar frente à câmara

Patrícia Vasconcelos e Elsa Valentim, respetivamente diretora e diretora pedagógica, guiam o DN por quase duas décadas da escola que mudou a formação de atores em Portugal.
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A primeira coisa que se vê ao entrar na ACT - Escola de Atores são as dezenas de rostos, fotografados a preto e branco, que nos olham das paredes. Contam a história daquela casa, que começou por ter residência no Bairro Alto e não ali, na LX Factory, e contam uma parte da história da representação em Portugal. Lá estão Anabela Moreira, Rita Brütt, Ruben Gomes, Vânia Rodrigues, André Nunes.

Há adereços por toda a parte, uma estante só com guiões, uma pequena biblioteca e videoteca, posters de cinema. Sopa, a cadela, vai entrando e saindo da escola. Ao pé da secretaria e do corredor que nos leva à sala da direção, onde Patrícia Vasconcelos trabalha, e às salas de aula, onde numa delas encontramos a atriz Elsa Valentim, diretora pedagógica, está a fotografia dos fundadores da escola, que abriu as suas portas há exatamente 18 anos, comemorados nesta terça-feira.

Voltemos atrás. Nessa altura Patrícia Vasconcelos já era diretora de casting e, recorda, "quando ia buscar atores para filmar, punha-os à frente da câmara e eles não sabiam estar: ou projetavam demasiado a voz, ou saíam do enquadramento, não tinham qualquer noção do que era estar à frente de uma câmara".

"A ideia maluca é tua... eu só sou tua cúmplice"

Estávamos nos anos 1990 e Patrícia percebia que havia ali "um nicho de mercado". Dizia à atriz Elsa Valentim, então sua assistente, que deviam juntar-se e abrir uma escola. Ela, que na altura estava também a fundar a companhia Teatro dos Aloés, disse "500 vezes que não. Porque eu sabia o trabalho que me ia dar. Sabia o que me ia pedir. Claro que a parte boa é muito boa, também. Essa decisão é um bocadinho como ter um filho", explica a atriz ao DN, 18 anos depois.

Elsa acabou por dizer que sim, está visto. Mas não sem assinar um papel - que ainda hoje existe - onde se lê: "A ideia maluca é tua... eu só sou tua cúmplice!... fui arrastada!" A primeira dos cúmplices. Depois viria o cineasta e pai de Patrícia António-Pedro Vasconcelos e os atores Nicolau Breyner e Vítor Norte; Elsa traria, do teatro, Antonino Solmer e o coreógrafo Jean-Paul Bucchieri.

Tudo começou com um workshop para atores, como forma de testar o mercado. "Tivemos 400 pessoas em lista de espera. Foi a loucura total. Fizemos audições a 100 para escolher os 20 do workshop. [O número é] igual à nossa estrutura de hoje, no máximo 22. Qualquer dia tenho de encontrar aí a lista. Era uma grupeta para que olhas e dizes uau!", recorda a diretora da escola.

A partir daí, e pedindo por telefone e carta ajuda a escolas Europa fora e EUA, começaram a desenhar o curso de formação de atores. A primeira turma seria a de 2001-2002. Foi António-Pedro Vasconcelos quem se lembrou do nome ACT, sigla para Atores Cinema e Televisão, formando ao mesmo tempo o verboact (representar em inglês).

A escola foi mudando ao longo dos anos. Neste que agora começa, por exemplo, foi introduzido um dia em que as três turmas dos três anos que dura o curso se encontram num teatro. "Porque chegámos à conclusão de que os três anos pouco se cruzam", explica Patrícia. Assim, passam a quatro dias de ACT por semana para os alunos.

Como é uma audição para a ACT?

As audições para entrar na escola são semelhantes ao que eram há 18 anos, começa por dizer a diretora. "Por acaso eram um bocadinho mais exigentes. Para já, não éramos só nós as duas como hoje. Tinhas praticamente todo o corpo docente: o Nicolau, o João Canijo, o meu pai... Numa última fase vinham todos para um workshop." Agora mantém-se a prova de artes performativas livre e outra com um texto igual para todos os candidatos, fornecido pela ACT.

Continuam a pedir uma carta de motivação, obrigatoriamente escrita à mão. Antigamente a ficha de inscrição perguntava apenas que livro o candidato estava a ler. "Alguns diziam n'importe quoi. Até que a certa altura dissemos: 'Traz o livro e vais ter de falar sobre ele.' Aí detetas logo se é uma pessoa que tem hábitos de leitura ou não, e dá para explicarmos: 'Se queres ser ator, vens para uma escola e não tens hábitos de leitura, isso vai ter mudar.'"

Quanto ao perfil dos alunos, ao longo destes 18 anos aquilo em que Patrícia mais repara é que hoje são "muito mais informados", sabem o que querem desta escola, que só exige o 9.º ano de escolaridade, e que por isso tem vários alunos que estão ao mesmo tempo a fazer o ensino secundário.

O que se ensina

O corpo docente que inclui Lenard Petit, do Michael Chekhov Acting Studio, de Nova Iorque, o encenador António Pires, os atores Adriano Luz e Beatriz Batarda, ou os cineastas António-Pedro Vasconcelos e Vicente Alves do Ó, além das próprias diretoras. Elsa Valentim, responsável por grande parte do desenho do programa, explica que quando pensou este curso "a questão das câmaras era importante. Um ator forma-se da mesma maneira quer vá para teatro ou cinema, mas depois há uma parte técnica que é muito importante, e essa não existia mesmo [nas escolas]", explica.

Por outro lado, a experiência como aluna da Escola Superior de Teatro e Cinema (o Conservatório) despertou-a para a falta da aprendizagem técnica. "Muito raramente aparecia um professor como uma técnica específica. Isso não é horrível, é bom. Mas a sensação que eu tenho é que nunca somos confrontados com as nossas dificuldades reais. Eu tinha muita vontade de que os meus alunos tivessem técnicas muito específicas, que soubessem que ferramentas têm para poder atuar. Isso não significa que não os incentivemos à criatividade, ou que não tenham liberdade, mas é muito importante que eles saibam o que estão a trabalhar", justifica Elsa Valentim.

Essa é, para a diretora pedagógica, a principal diferença da ACT: "Acho que ter uma técnica é o primeiro passo para se ter liberdade artística. Acho que é nisso que a ACT diverge da maioria das escolas que temos no nosso país e se calhar a nível europeu."

Atores e não atores aprendem teatro musical e redescobrem-se aos 45

Além do Curso de Formação Profissional de Atores, a ACT leciona ainda uma série de workshops destinados a idades dos 12 aos 80, programados por Patrícia Vasconcelos. "Têm cada vez mais procura. Por exemplo, há muitas pessoas que só a partir dos 40 anos pensam: 'Ah, eu quis ser atriz e não aconteceu, ou os meus pais não me deixaram.' Criei um curso que se chama 'Faça a sua estreia a partir dos 45'. Está sempre cheio. Fazemos cursos de teatro de improviso com pessoas que não querem ser atores. O teatro musical é um sucesso, sempre. É só abrir e fechar, esgota logo. Aparece de tudo: também não atores."

Perguntamos à diretora se foi assim que sonhou a sua escola, com os restantes fundadores em sua casa, com papéis vários espalhados pelo chão, e o seu filho ainda muito pequenino. "Completamente. Eu sempre guardei todos os guiões e todos os processos de todos os castings que fiz desde 1989 e guardei todo o meu guarda-roupa desde a adolescência. Quando decidi abrir a escola pensei assim: já percebi porque é que eu guardei tudo. Era para transitar para uma escola, para ter utilidade para mais alguém. Tenho muito esta coisa da partilha, e de passar ao próximo." E não é isso uma escola?

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