125 personalidades assinam carta contra a tentativa de proibir transmissão de touradas na RTP
125 personalidades de várias áreas da política e da cultura assinaram a "Carta Aberta pela Liberdade de Programação na RTP" na sequência da proposta do novo Contrato de Concessão de Serviço Público de Rádio e de Televisão que proíbe a transmissão de touradas na RTP.
A proposta de não serem transmitidas corridas de toiros na RTP foi apresentada pelo Secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva. É a primeira vez nos 58 anos em que são transmitidas corridas de toiros no canal público que estas não fazem parte da programação para o ano. O Contrato de Concessão encontra-se em consulta pública até ao final do mês de maio.
A carta obteve assinaturas de personalidades como Manuel Alegre, o jornalista Daniel Oliveira, a escritora Alice Vieira, a historiadora Raquel Varela, o treinador José Peseiro, os músicos Toy e José Cid e várias outras pessoas.
Leia aqui a carta:
Carta Aberta pela Liberdade de Programação na RTP ao
Exmº Sr. Presidente da República, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, Exmº. Sr. Primeiro Ministro, Dr. António Costa, Exmª. Srª Ministra da Cultura, Drª Graça Fonseca, Exmº Sr. Secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Dr. Nuno Artur Silva, Exmº Sr. Presidente do Conselho de Administração da RTP, Dr. Nicolau Santos, Exmº Sr. Presidente do Conselho Independente da RTP, Professor Dr. José Vieira de AndradeExmº Sr. Presidente do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação, Social, Dr. Sebastião Coutinho Póvoas
Excelências,
A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, adoptada pela UNESCO com 2002, vertida na Convenção sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, adoptada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Edu-cação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris a 20 de Outubro de 2005, na sua 33.ª ses-são, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 10-A/2007 de 11 de Janeiro de 2007, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 27-B/2007 de 16 de Março, declara no Artigo 1º que "A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade manifesta-se na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade. Fonte de inter-câmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o género humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patri-mónio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em beneficio das ge-rações presentes e futuras."
A Convenção Quadro do Conselho da Europa, Relativa ao Valor do Património Cultural para a Sociedade, assinada em Faro em 27 de Outubro de 2005, e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2008 reconhece no seu preâmbulo que "o direito ao património cultural é inerente ao direito de participar na vida cultural, tal como definido na Declaração Universal dos Direitos do Homem".
A Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, adoptada na 32ª Conferência Geral da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, em 17 de Outubro de 2003, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 12/2008, de 24 de Janeiro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 28/2008, de 26 de março, reconhece, salvaguarda e fomenta o respeito pelo património cultural imaterial das comunidades, dos grupos e dos indivíduos na defesa e valorização do património cultural imaterial, designadamente do património que criam, mantêm e transmitem.
A Constituição da República Portuguesa dispõe, no artigo 73º nº1, que todos têm direito à cultura, e no seu artigo 78º, que incumbe ao Estado promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum.
É tarefa mas também dever do poder central e local reconhecer, salvaguardar e valorizar as diferentes expressões culturais existentes por todo o País, não se confundindo tal tarefa ou dever com a criação, por parte do Estado, de novas ou diferentes manifestações culturais, proibições, nem com imposições de umas em detrimento de outras, o que lhe está proibido pelo artigo 43º da Constituição da República Portuguesa.
O Decreto-lei n.º 23/2014, que estabelece o regime jurídico dos espectáculos de natureza artística afirma, no ponto 1) e 2), do artigo 2º que a Tauromaquia é uma actividade artística.
O Decreto-Lei n.º 89/2014 de 11 de Junho afirma que "a Tauromaquia é, nas suas diversas manifestações, parte integrante do património da cultura popular portuguesa, entre as várias expressões, práticas sociais, eventos festivos e rituais que compõem a tauromaquia".
De jure e de facto a Tauromaquia é nas suas diversas manifestações, parte integrante do património da cultura material e imaterial portuguesa, com uma história documentada que remonta, praticamente, aos inícios da nacionalidade.
Recusamos qualquer imposição de visões e culturas. Defendemos uma convivência democrática, livre, plural e tolerante da cultura, como direito fundamental de todos os cidadãos e como expressão basilar dos seres humanos, no exercício do respeito pela diversidade de mundividências que se enquadram nos Direitos Humanos.
Do Estado esperamos o cumprimento da Constituição da República e das leis que nela se fundamentam, com isenção doutrinária ou ideológica, como forma de respeito pelo dever de tratamento de igualdade de todos os cidadãos, no caso em apreço, o dever da promoção do acesso à cultura, de toda a cultura, sem discriminações, como a lei obriga.
O Contrato de Serviço Público de Rádio e Televisão, que se encontra em consulta pública, indica nos Objectivos do Serviço Público, alíneas a) e c) da cláusula 5ª, que pretende "Promover os valores do humanismo, da liberdade, do civismo, da cidadania, da solidariedade social e do debate democrático pluralista; e "Promover a língua e a cultura portuguesas, a lusofonia e os princípios comuns europeus, valorizar o saber e a diversidade..."
Em contradição com estes objectivos, propõe na clausula 6ª criar restrições à promoção do "acesso do público às manifestações culturais portuguesas", cujo alcance foi publicamente indicado pelo Sr. Secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media Dr. Nuno Artur Silva, pretende atingir a tauromaquia, o que significa uma clara restrição da liberdade de programação do canal público de televisão, à margem do que refere a lei, e das obrigações de isenção do Estado.
Perante esta situação não podemos aceitar a criação de uma política cultural de Estado ou dirigista do canal público, de limitação do acesso à cultura e às diferentes expressões das gentes e comunidades dos vários pontos do pais. A diversidade regional e das suas ex-pressões culturais não podem ser alvo de censura num canal público, que se pretende de todos e para todos. Este tem de ser antes um espaço de livre programação cultural, dentro da lei, dando espaço a todos, na plural diversidade que constitui Portugal e os portugueses, porque "a diversidade cultural é, para o género humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza".
Deste modo, vimos reiterar a necessidade de que as limitações indicadas sejam alteradas na versão final do Contrato de Serviço Público de Rádio e Televisão, salvaguardando a lei e o respeito pela diversidade cultural que todos os portugueses merecem.
25 de Maio de 2021