10 personalidades elegem o livro de 2016
A escolha dos melhores livros do ano não é tarefa fácil nem se encontra a unanimidade conforme se pode observar pelas respostas que se seguem. Até porque 2016 foi um ano mediano a nível da literatura nacional, em que se destacaram os romances Não Se Pode Morar nos Olhos de Um Gato, de Ana Margarida de Carvalho, e Anunciações, de Maria Teresa Horta. Entre os estrangeiros, pouco mais além de Bússola, de Mathias Enard, e Judas, de Amos Oz, marcou a diferença. Diferente mesmo, só a tradução inovadora do grego da velha Bíblia por Frederico Lourenço.
Com a crise, o ano editorial terminou muito mais cedo e, pela primeira vez em muitos anos, a partir do meio de novembro contam-se pelos dedos as novidades a pensar no Natal. Quanto aos primeiros lugares das tabelas de vendas, não há grandes mudanças. José Rodrigues dos Santos anda sempre lá em cima, mesmo que ameaçado por outras estrelas da TV. Vamos saber as preferências dos convidados...
Afonso Cruz: Chesterton e Nassar
G. K. Chesterton é um dos autores preferidos de Afonso Cruz, devido ao "raciocínio e capacidade argumentativa com que nos seduz, e, mesmo quando discordamos, reagimos ou resistimos, não deixamos de lhe admirar a argúcia. Chesterton, como podemos perceber numa reedição de Ficar na Cama e outros Ensaios, usava a ficção para expor os seus pensamentos e muitas vezes sentimos que o padre Brown não passava de uma ferramenta".
Um outro livro que elege como grande leitura, reeditado este ano, é Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar: "Um livro magnífico, intenso, assim como os outros dois do mesmo escritor, Um Copo de Cólera e Menina a Caminho. Este é um romance que vem com pão, terra, vinho, preces e trabalho, passado num mundo rural, patriarcal e austero, com alguns contornos bíblicos."
Ruiz Zafón surpreendido por Don Wislow
Após fechar a tetralogia do Cemitério dos Livros Esquecidos, o barcelonense tem mais tempo livre para ler: "Enquanto escrevo leio muito pouco, aliás, nos últimos dez anos passei a ler cada vez menos ficção e mais não ficção, sobretudo os géneros de história, biografias e ensaios. Um dos que mais gostei foi The Prize, de Daniel Yergin, que investiga a indústria do petróleo e reconstrói a história da energia desde o século XIX como se fosse o esqueleto da história mundial, através das tensões geopolíticas, as guerras o fim do império otomano, a Grande Guerra e os colonialismos. Percebe-se que tudo está ligado e deriva desta pseudo-história do sangue do mundo, que é o petróleo." Mas não se fica por este ensaio, entre os romances que gostou está O Cartel, de Don Wislow: "É fascinante e documenta muito bem o mundo do narcotráfico. Nunca tinha lido nada dele e fiquei fascinado."
Le Carré domina atenção de Nogueira Pinto
A seleção é sempre difícil, diz, "mas este foi um ano muito John le Carré, com a monumental biografia de Adam Sisman, John le Carré: The Biography, 650 páginas definitivas, e uma das suas memórias, O Túnel de Pombos. Outro que me impressionou foi The Ring of Truth - The Wisdom of Wagner"s Ring of the Nibelung, de Roger Scruton, um olhar originalíssimo sobre a tetralogia wagneriana. E para tentar perceber algumas das razões da vitória de Trump, valeu a pena ter lido Nancy Isenberg, White Trash: The 400-Year Untold History of Class in America. Outras memórias magníficas são as de Nelson Rodrigues, A menina sem Estrela. Também é sempre bom reler a Pastoral Americana, de Philip Roth.
Luís Barreto Guimarães e a arte portuguesa
O livro de ensaios que Barreto Guimarães mais apreciou foi Arte Portuguesa no Século XX - Uma História Crítica, de Bernardo Pinto de Almeida: "Apresenta de modo superior uma nova leitura da arte portuguesa do século XX, onde o autor escreve de certa forma contra o cânone vigente, por exemplo, valorizando pintores como Dominguez Alvarez, Mário Eloy, Júlio e Sarah Afonso de uma forma até hoje não realçada. É um livro belíssimo e muito completo." Quanto à poesia: "Gostei muito de ler Biografía de Nadie, do poeta colombiano Juan Manuel Roca, uma extraordinária descoberta poética. Trata-se de uma poesia que contem quatro características que considero fundamentais numa obra poética: novidade (originalidade), dificuldade (profundidade), imaginação (criatividade) e universalidade (mundo). Recomendo."
Marina Costa Lobo opta por Houellebecq
A Porta, de Magda Szabó, é para Marina Costa Lobo "uma perspetiva feminina - sim, isso existe - da relação entre uma escritora e a sua empregada, Emerence". É muito revelador da emotividade e contradições inerentes à amizade feminina, aqui tornada ainda mais complexa devido à relação de trabalho que as (des-)une. Recomendo-o vivamente sobretudo para os "órfãos" de Ferrante.
Os Indiferentes, de Alberto Moravia, livro magistral sobre a hipocrisia da alta burguesia (romana), e da forma como as mulheres se submetem ao poder dos homens, embora estes as traiam impiedosamente. Um olhar absolutamente cruel sobre as relações amorosas, ao mesmo tempo que mostra como os mais jovens veem os seus sonhos implacavelmente destruídos até se adaptarem ao sistema."
Extensão do domínio da Luta, de Michel Houellebecq, é fundamental: "Um dos maiores críticos da sociedade ocidental, desenvolve neste pequeno livro a ideia de que a mercantilização crescente das relações de trabalho contagiou também o mundo das relações pessoais. É mais um olhar desassombrado sobre o mundo individualista e pós-1968. Este autor francês pode não ter razão em tudo o que escreve, mas vale a pena lê-lo."
Marta Crawford elege Elena Ferrante
"Elena Ferrante foi a minha escritora eleita deste ano", afirma Marta Crawford. Porque a sua tetralogia com mais de 1300 páginas, diz, "de uma escrita íntima, direta, sem filtros, expõe os pensamentos e sentimentos mais profundos entre duas personagens geniais. Lenú e Lina são duas mulheres nascidas em Nápoles, num bairro pobre, com personalidades fortes que se opõem e que se completam nas suas atitudes. Esta leitura é obrigatória e mantém qualquer leitor acordado horas a fio, acompanhando mais de 60 anos de vida das personagens principais, das suas famílias, amigos e dos acontecimentos sociais e políticos italianos. Recomendo".
Outra leitura preciosa é o livro de poemas de Henrique Segurado, Almocreve das palavras, Poesia 1969-1989, um livro "belíssimo, abrilhantado por desenhos de Rui Sanches, para se ir lendo tranquilamente e que aquece a alma".
Miguel Real: Lobo Antunes e Mário de Carvalho
Entre os novos autores, Miguel Real destaca dois romances: o de Patrícia Müller, Uma senhora nunca, que é "a saga de uma família portuguesa que atravessa todo o século XX, narrada segundo um estilo pós-moderno, combinando com mestria história e ficção. Também Adoração, de Cristina Drios, sobre a vida e obra de Caravaggio, que evidencia simultaneamente a tortuosidade e a harmonia da alma, o ordinário e o extraordinário, ou seja, que apesar da imoralidade, é possível compor um quadro estético fundado na beleza".
Entre os veteranos, sublinha Da Natureza dos Deuses, de António Lobo Antunes, e Ronda das mil belas em Frol, de Mário de Carvalho: "Dois romances perfeitos segundo o estilo singular de cada autor. Sou incapaz de escolher um entre os dois, penso mesmo que seria uma injustiça estética fazê-lo."
Nuno Júdice elogia biografia de Teixeira Gomes
O poeta e ficcionista Nuno Júdice elegeu uma biografia e dois livros de poesia. No primeiro caso, Biografia - Manuel Teixeira Gomes, de José Alberto Quaresma: "É o trabalho mais completo até agora feito sobre um dos nossos grandes novelistas da transição do século XIX para o XX, com um enquadramento contextual exaustivo para situar a personalidade de um homem que marcou a política internacional do país na primeira década da República, como embaixador em Londres, e a política nacional ao ser eleito presidente, em 1923. Compreende-se que um espírito cosmopolita e um esteta intransigente no seu bom gosto não tenha suportado a mediocridade lisboeta, os pequenos ataques vis, e sobretudo a inveja pela popularidade de que desfrutava." Quanto à poesia: "Ainda se encontram alguns rari nantes no nosso mar poético: Estrada nacional, do Rui Lage, e um primeiro livro que já impõe o nome do autor: História do século vinte, de José Gardeazabal. Uma confirmação e um autor a seguir.
Patrícia Reis escolhe Ana Margarida de Carvalho
Não se pode Morar nos Olhos de Um Gato é o segundo romance de Ana Margarida Carvalho e, diz, "leva-nos ao século XIX, a um naufrágio e encontro improvável de várias personagens, onde o trabalho de linguagem é extraordinário e o começo, o monólogo de uma Santa (não adianto pormenores), é o suficiente para nos prender".
No capítulo dos contos, escolhe três livros imperdíveis: O Amor em Lobito Bay, de Lídia Jorge, Desnorte, de Inês Pedrosa, e Todos os Contos, de Clarice Lispector: "Diferentes na abordagem, na forma de entender o mundo, foram a minha companhia durante muitas noites e volto a eles com frequência. As três autoras são mestres na forma de conduzir uma história, de nos incomodar e surpreender, além de serem exímias na escrita e na originalidade de pensamento."
No capítulo da poesia, é o livro Anunciações, de Maria Teresa Horta, "um romance em poesia cuja narrativa contínua nos desafia a entender o mistério de Maria e do arcanjo Gabriel numa outra dimensão. Um dos grandes acontecimentos do ano".
Teolinda Gersão o romance de António Torres
A escolha é difícil, refere Teolinda Gersão, mas escolhe: Essa Terra, de António Torres: "Um romance brilhante, visceral, em metamorfose; a prosa regional e oral transforma-se em poesia pela arte xamânica do narrador, que capta em estado nascente uma narrativa onde tudo se funde, pedra e luz, animal e homem, vida e morte, realidade e sonho. Ou alucinação." Em seguida, O Essencial de Michel Montaigne, de Clara Rocha: "Montaigne escreveu uma obra monumental, em extensão e em profundidade, de que é quase impossível extrair o essencial em poucas páginas. Clara Rocha consegue esse tour de force num ensaio acessível a qualquer leitor, sem contudo ser mera "divulgação". Montaigne, complexo e diverso, é visível no seu esplendor. Quem é este homem, que dedica toda a vida a escrever um livro? Que sabe ele de si próprio, do mundo, do bem e do mal, da doença, da morte, de Deus, da humanidade, da existência? Que sabe ele da escrita? Procurando respostas, Montaigne encontra a forma do ensaio como género literário: proteico, omnívoro, e ao mesmo tempo exercício, tentativa, esboço, forma sem forma, em permanente evolução. Toda a escrita ensaística, mas também biográfica, memorialista e diarística, lhe serão doravante devedoras."