Só 1% das escolas cumpria regra que limitava venda de alimentos prejudiciais 

Em entrevista à Lusa, o ministro da Educação revela que cada aluno custa 6.200 euros por ano ao Estado e que o ano letivo começa com mais duas mil vagas no pré-escolar.
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Apenas 1% das escolas cumpria as orientações que limitavam a venda de alimentos prejudiciais à saúde nos bares e máquinas automáticas e que, no próximo ano letivo, passam a estar legalmente proibidos, revelou o ministro da Educação em entrevista à Lusa.

Em meados de agosto, foi publicado um despacho com uma lista com mais de meia centena de produtos alimentares que agora deixam de poder ser vendidos nas escolas, por causa das quantidades de sal, açúcar ou elevado valor energético.

O diploma surge quase uma década depois de uma orientação que ia no mesmo sentido, mas que, segundo o ministro Tiago Brando Rodrigues, teve muito pouco efeito prático.

"Nós não temos o direito de brincar com a saúde das nossas crianças. Em 2012 tivemos essas orientações e sabemos que só um pouco mais de 1% das nossas escolas é que cumpriu essas orientações", revelou o ministro em entrevista à Lusa no âmbito do arranque do ano letivo.

A ideia do diploma publicado no mês passado é "melhorar a oferta alimentar nas escolas" e promover hábitos de alimentação saudável, numa época que se se vive "uma verdadeira epidemia de obesidade infanto-juvenil", explicou.

Além da limitação de produtos prejudicais à saúde, o despacho prevê também a restrição da publicidade alimentar em ambiente escolar e a melhoria das ementas e da composição das refeições.

Tiago Brandão Rodrigues contesta quem acusou o Ministério de "medidas com moralismo e paternalismo", lembrando que o diploma é o resultado de um trabalho realizado por técnicos da área da saúde.

"Se nas questões de saúde e, principalmente, nesta pandemia global de covid-19 temos sabido respeitar a opinião dos técnicos de saúde, também o devemos fazer nestas outras questões, que são verdadeiramente complexas para o futuro de toda uma geração", disse.

O despacho impede a venda de mais de meia centena de produtos como sandes de chouriço, croissants, empadas ou batatas fritas.

Os hambúrgueres, cachorros-quentes e sumos com açúcar também surgem na lista de alimentos proibidos nas escolas, que revela uma nova redução de sal, de açúcar e de mais um corte em alimentos com elevado valor energético.

Às escolas foi dado até ao final de setembro para rever os seus contratos, porque o Governo quer que as escolas públicas comecem a oferecer refeições "nutricionalmente equilibradas, saudáveis e seguras".

Pão, fruta fresca e saladas são alguns dos alimentos obrigatórios, segundo o diploma que define ainda a obrigatoriedade de disponibilizar sopa de hortícolas e leguminosas nas escolas com ensino noturno.

Cabe aos diretores escolares definir o horário de funcionamento do bufete, mas a recomendação é para que abra 20 minutos antes do início da primeira aula da manhã, permanecendo fechado à hora do almoço, "exceto nas escolas que apenas disponham de ensino secundário, em que o bufete pode permanecer aberto sempre que se justifique".

As máquinas de venda automática só devem existir quando o serviço de bufete é insuficiente, só podendo vender o é permitido aos bares.

Cada aluno custa 6.200 euros por ano, segundo contas do Ministério da Educação, que apontam para um aumento da despesa de mais de 30% nos últimos seis anos.

"A despesa por aluno nestes últimos anos tem aumentado muito significativamente", disse, em entrevista à Lusa, o ministro da Educação, sublinhando que se registou nos últimos seis anos um aumento de "mais de 30%".

Segundo contas feitas pelo seu gabinete, em 2015 cada aluno representava um custo anual de menos de 4.700 euros, mas este ano o valor médio está "agora nos 6.200 euros por aluno por ano": "É um aumento brutal", disse à Lusa Tiago Brandão Rodrigues, numa entrevista que antecede o novo ano letivo, que começa a partir de terça-feira em todo o país.

Nestas contas entram todas as questões pedagógicas e curriculares, assim como o investimento feito na formação de professores e nas escolas, como o edificado, explicou.

O ministro salientou ainda o aumento de recursos humanos feitos nos últimos anos, com mais professores, assistentes técnicos e assistentes operacionais.

No final da semana passada, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) revelou que havia, novamente este ano, uma suborçamentação na despesa efetiva com pessoal do setor da educação.

Questionado sobre o relatório da UTAO, Tiago Brandão Rodrigues começou por garantir que "ninguém ficará com os seus vencimentos por pagar".

"Eu não tive oportunidade de ler o relatório, mas o que lhe posso assegurar - e nunca aconteceu - é que ninguém ficará com os seus vencimentos por pagar", disse, acrescentando que existem dotações centralizadas no Ministério.

Segundo o documento da UTAO, a despesa reflete um grau de execução até julho de 2021 de 59,6% no Ensino Básico e Secundário e Administração Escolar e que, à semelhança dos anos anteriores, deverá "ser objeto de reforço orçamental ao longo do ano".

Tiago Brandão Rodrigues salientou que o Ministério tem aumentado de "forma muito consistente e coerente" os recursos humanos para que se consigam cumprir os projetos educativos e pedagógicos das escolas.

"Fazemo-lo conscientemente, porque sabemos que temos de ter professores e todos aqueles profissionais que sabemos que são também precursores do sucesso educativo. Os psicólogos, mediadores, todos os assistentes sociais estão nas escolas porque são importantes para que o processo educativo possa acontecer".

Além do reforço de pessoal docente e não docente, referiu o descongelamento das carreiras em 2018 e a consequente subida de escalões: "Tínhamos muitos docentes no 1.º escalão (...) e pouquíssimos no 10.º escalão -- os dedos de duas mãos chegavam para os contar".

Segundo o ministro, "agora são largos milhares de docentes que estão no 10.º escalão" e isso "tem consequências também remuneratórias".

"Felizmente as carreiras estão descongeladas. Felizmente os docentes puderam também contabilizar uma parte do tempo em que as carreiras estiveram descongeladas. É importante lutar contra a precariedade", defendeu.

Uma visão que não é partilhada pelos sindicatos que se queixam precisamente da precariedade, baixos salários e dificuldades em subir de escalões, motivos que levaram à marcação de uma greve para a primeira semana de aulas.

Confrontado com esta posição, o ministro disse apenas que "as organizações sindicais fazem o seu trabalho", salientando como "verdadeiramente importante" a concertação.

"Felizmente vivemos em Portugal onde existe o direito à greve. Enquanto trabalhador obviamente terei também a oportunidade, quando sair deste papel, de poder ter direito à greve", concluiu.

As escolas têm este ano mais duas mil vagas para os alunos do pré-escolar, anunciou o ministro da Educação, avançando que abriram mais 80 salas nas zonas onde há mais procura.

"Nós sabemos que a frequência da educação pré-escolar de qualidade, pelo menos durante um ano, é um grande influenciador para que todo o percurso educativo possa ser um sucesso", disse o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, em entrevista à Lusa no âmbito do arranque do ano letivo.

Para este ano que agora começa o plano era abrir mais 50 grupos de pré-escolar, mas a tutela "conseguiu abrir mais 80" salas, que equivalem a "mais de duas mil vagas".

Segundo Brandão Rodrigues, as vagas situam-se nas regiões onde existe mais procura, ou seja, nas zonas urbanas de Lisboa e do Porto, mas também nas regiões "sujeitas a grandes levas migratórias internas".

O ministro explicou que alguns concelhos do país têm sofrido, de um ano para o outro, flutuações migratórias que obrigam à oferta de mais "200 ou 300 vagas".

Sobre a promessa do Governo em garantir a universalidade do ensino pré-escolar, disse haver lugares para todas as crianças através do cruzamento da oferta do setor público com o setor social e solidário e o privado: "Existe já uma quantidade de vagas que vai dando resposta em todos os concelhos do país às necessidades de agora".

Tiago Brandão Rodrigues saudou ainda a estagnação da tendência de diminuição de nascimentos, que se tem revelado um desafio para a tutela conseguir dar resposta às famílias.

Vários estudos indicam que os alunos que frequentam o ensino pré-escolar têm mais sucesso ao longo da sua vida escolar.

Na semana passada, novos dados revelaram uma redução do insucesso e este ano voltou a baixar também a percentagem de alunos que abandona a escola antes do tempo, lembrou.

Se no ano passado, o abandono precoce atingiu os 8,9%, no primeiro semestre do ano baixou para os 6,5%, recordou o ministro, sublinhando que "cada 1% são dezenas de milhares de crianças e jovens".

"São dezenas de milhares de famílias que têm os seus filhos na escola e que, no passado, na geração dos pais, dos tios ou dos primos mais velhos estavam em situação de abandono", disse.

Tiago Brandão Rodrigues apontou visitas feitas a escolas e turmas onde "praticamente todos os alunos eram os primeiros da sua família a chegar ao ensino secundário".

Estes 6,5% de jovens que ainda abandonam a escola são "os mais vulneráveis social e economicamente", mas também as crianças da educação inclusiva.

"Agora temos de trabalhar. Temos de trabalhar com os migrantes, com as minorias étnicas, mas também com todos aqueles que potencialmente não encontram na escola a resposta que os leva a ficar", defendeu.

Com a descida da percentagem de abandono, Portugal afasta-se ainda mais da meta dos 9% traçada para 2030 para a Europa.

Há apenas duas décadas, no início do século, quase metade dos jovens (45%) em Portugal deixava de estudar antes do tempo, numa altura, em que a média europeia de abandono era de 17%.

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