Rúben Semedo. Da prisão à seleção nacional em 15 meses
A chamada de Rúben Semedo, 25 anos, é a principal novidade na lista de convocados de Fernando Santos para os jogos com o Luxemburgo (dia 11 em Alvalade) e Ucrânia (dia 14 em Kiev), ambos referentes à fase de qualificação para o Euro 2020. O jogador formado no Sporting, que esta temporada está a exibir-se a um bom nível no Olympiacos, clube grego treinado pelo português Pedro Martins, passou do inferno ao céu no espaço de pouco mais de um ano. Esta semana estreou-se a marcar na Liga dos Campeões (diante do Estrela Vermelha) e nesta quinta-feira cumpriu o sonho de menino de chegar à seleção nacional.
"Acho que não é por um percalço que as pessoas não podem ter direito a viver e a seguir o seu caminho. Soube reagir, soube estar e tem feito uma época muito boa no Olympiacos. Da outra vez esteve perto de ser convocado, mas estava lesionado. Socialmente é muito importante que tenha superado isso". Foi assim que o selecionador nacional abordou a convocatória do central.
No espaço de um ano a vida de Rúben Semedo deu uma volta que talvez poucos acreditassem. Em fevereiro do ano passado, numa altura em que representava o Villarreal, da liga espanhola, o defesa central foi preso pelas autoridades espanholas. Esteve cinco meses atrás das grades. por alegadamente ter sequestrado, agredido e ameaçado um homem na sua residência, com uma arma ilegal. Antes já tinham saído várias notícias sobre desacatos em discotecas que frequentava com regularidade.
"Confiei em quem não devia e por isso tive o final que tive. Estou arrependido, claro, mas vejo-o como uma aprendizagem. Fez-me ser melhor homem, melhor pai. Fez-me ser melhor filho e dar valor à minha mãe. Estava preso e vi a minha mãe a chorar na televisão. Nenhum filho quer isso, dar essa tristeza à sua mãe. Deixar a prisão foi nascer outra vez", desabafou numa entrevista ao jornal A Bola, em abril, numa altura em que representava o Rio Ave.
"Chorei muitas vezes na prisão. Nunca chorei à frente de ninguém, mas muitas vezes deitava-me, não conseguia dormir, só pensava nos meus filhos, no sofrimento da minha família. Faz-te pensar se realmente vale a pena abdicares de passar tempo com a tua família para passar tempo com pessoas que não querem o teu bem e seguir caminhos que não te vão levar a lado nenhum. Sofri muito, e sim, passei muitas noites a chorar", reconheceu na mesma entrevista.
Rúben Semedo, que em 2017 trocou o Sporting pelo Villarreal a troco de 14 milhões de euros para os cofres leoninos, deixou a prisão em julho de 2018. Na temporada 2018-19 esteve cedido pelo Villarreal primeiro ao Huesca e depois ao Rio Ave. Até que neste verão assinou um contrato de quatro anos com o Olympiacos, da Grécia, onde esta temporada se tem exibido em bom plano (11 jogos e três golos marcados), exibições que levaram Fernando Santos a dar-lhe uma oportunidade na seleção nacional.
Um desejo que o jogador perseguia há muito, tal como revelou em maio, quando representava o Rio Ave. "Já há algum tempo que tenho esse objetivo traçado, cada vez estou mais perto de conseguir, mas isso deve-se à equipa e às pessoas que me rodeiam e com quem trabalho no dia a dia, que me têm ajudado muito. A hora vai chegar", disse. E chegou, 15 meses depois de ter deixado a prisão e de ter tido a carreira quase arruinada.
Rúben cresceu no bairro social do Casal da Mira, identificado como uma das zonas problemáticas da Amadora. Aos cinco anos viu o pai ser preso - um imigrante de Cabo Verde - e teve de lidar com a situação, que o marcou. Passava muito tempo na rua, a maior parte do tempo a jogar à bola, muitas vezes sem a presença da mãe que era obrigada a trabalhar muitas horas por dia para criar os filhos, ele e a irmã. Nada o fazia mais satisfeito do que dar uns pontapés na bola com os amigos da rua, mas foi só aos 14 anos que começou a levar o futebol mais a sério, quando passou a representar o Futebol Benfica. Do Fofó mudou-se para os juvenis do Sporting, juntamente com um dos seus melhores amigos, Gelson Martins, hoje jogador do Mónaco.
Chegou à equipa principal leonina, depois de protagonizar alguns casos de indisciplina (atirou uma camisola ao chão num jogo da equipa B frente ao FC porto e desentendeu-se com um colega num treino), e acabou por ser cedido pelos leões ao Reus, de Espanha, e ao V. Setúbal. Regressou depois a Alvalade, onde fez duas épocas, até que no verão de 2017 foi vendido ao Villarreal por 14 milhões de euros. A partir daqui a história é conhecida.