"Muitas empresas coreanas estão interessadas em Portugal como destino promissor de investimento"

Samsung, LG, CSWind, Hanwha Q Cells e Hanon Systems são já belos exemplos da presença económica da Coreia do Sul no nosso país e o embaixador Cho Yeongmoo espera mais boas notícias em breve. A relação comercial bilateral também tem grande potencial para desenvolver-se, dada a dimensão das duas economias, sublinha o diplomata.
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O regresso de uma representação da KOTRA a Lisboa significa que existe um grande potencial para aumentarem as trocas comerciais entre a Coreia do Sul e Portugal, e também o investimento?
O comércio entre os dois países mais do que duplicou nos últimos 10 anos, tendo um máximo histórico no ano passado, e, dada a dimensão das economias dos dois países, o potencial de crescimento é ainda significativo. Espera-se que a reabertura da KOTRA em fevereiro - após 16 anos - sirva de catalisador para o crescimento do comércio e investimento entre os dois países. O investimento está a aumentar em vários setores, desde o automóvel às energias renováveis, como a eólica e a fotovoltaica. Muitas empresas coreanas estão interessadas em Portugal como destino promissor de investimento, pelo que esperamos boas notícias em breve.

Qual é nível atual das relações comerciais?

De acordo com estatísticas coreanas, em 2022 o comércio entre os dois países foi de 1186 milhões de dólares, tendo a Coreia exportado principalmente resinas sintéticas, semicondutores e automóveis de passageiros para Portugal e importado produtos têxteis, pneus e medicamentos. Ambos os países investiram um valor semelhante um no outro, cerca de 500 milhões de dólares. Várias empresas globais coreanas, como a Samsung e a LG, operam em Portugal. A CS Wind, detentora da maior quota de mercado mundial na área das torres de produção de energia eólica, tem uma fábrica em Aveiro. A Hanwha Q Cells está a promover projetos de produção de energia fotovoltaica no sul de Portugal e a Hanon Systems, em Palmela, dedica-se à produção de compressores para veículos elétricos. As empresas coreanas estão ativamente a operar em Portugal.

Como se têm dado as empresas sul-coreanas que investiram em Portugal?
Desde que cheguei, em março de 2022, tenho-me reunido com as empresas coreanas em Portugal, que elogiam a dedicação e qualidade de trabalho dos portugueses. Contudo, também mencionam dificuldades, como os atrasos nos processos de licenciamento e na obtenção de autorização de residência, o que é motivo de preocupação. Já apelei às autoridades portuguesas para que sejam tomadas medidas em breve e estou seguro que assim será.

Nas suas viagens por Portugal, houve regiões ou setores industriais que lhe pareceram mais preparados para os desafios da globalização?
Apesar de pequeno, Portugal é um país com uma grande variedade de culturas e paisagens regionais. O turismo tem um grande peso na economia portuguesa e continuará a ser uma das áreas mais promissoras no futuro. Já visitei o país, de norte a sul, e vejo sempre muitos turistas, atraídos pelo clima, gastronomia e simpatia das pessoas. Além do turismo, Portugal aposta fortemente nas energias renováveis, tal como a Coreia. Em 2022, a embaixada organizou uma conferência com o Ministério do Ambiente e Ação Climática sobre energias renováveis e economia circular, procurando formas de cooperação bilateral, e já este setembro, a ADENE e a Agência de Energia da Coreia assinaram um memorando de entendimento. Na área digital, muitas empresas coreanas participam na Web Summit.

A Coreia do Sul é uma das 12 maiores economias mundiais. Como se explica esse sucesso?
Em 1953, no final da Guerra da Coreia, éramos um dos países mais pobres do mundo e dependíamos de ajuda externa. Mas fizemos progressos sem precedentes, graças ao trabalho árduo e à aposta na Educação. As políticas do Governo, promoção da indústria pesada e química (1970) e a criação de uma rede nacional de internet (2000), foram eficazes. Hoje a Coreia é um dos melhores produtores do mundo em semicondutores, automóveis, construção naval, ecrãs e baterias. As tecnologias de ponta, como a Inteligência Artificial, os computadores quânticos e a indústria aeroespacial são apostas centrais. As grandes mudanças, como a digitalização e as alterações climáticas, proporcionam grandes oportunidades que a Coreia certamente aproveitará.

Além do dinamismo económico, existe um grande dinamismo cultural, através da hallyu. Essa onda coreana também a tem sentido em Portugal?
Muito, o que percebo sempre que me encontro com portugueses. As séries coreanas e o K-pop são já uma referência e o número de restaurantes coreanos tem aumentado muito. Nos eventos culturais que a Embaixada organiza a adesão dos portugueses é grande. A próxima Festa da Cultura Coreana vai acontecer no dia 23 de setembro no Museu de Lisboa - Palácio Pimenta. Espero que venham.

Assistiu à inauguração de um monumento em Lisboa ao primeiro português a visitar a Coreia, e também na Coreia um monumento foi inaugurado a lembrar João Mendes. As viagens marítimas dos portugueses há meio milénio são conhecidas dos coreanos em geral? Tiveram impacto na Coreia?
Os Descobrimentos Portugueses mudaram o curso da História mundial, matéria que também é ensinada na Coreia. O contacto entre Portugal e a Coreia foi muito reduzido nessa altura, mas podemos dizer que João Mendes, mercador português, foi o primeiro ocidental a aparecer nos registos históricos coreanos ao naufragar em Tongyeong, em 1604, quando viajava de Macau para o Japão. Houve, no entanto, algum intercâmbio. Na Coreia, a palavra para pão é pang. A cor atual do kimchi deve-se às malaguetas trazidas da América do Sul por mercadores portugueses. Antes disso, o kimchi era branco.

Como está a Coreia a sofrer o impacto da guerra na Ucrânia? Afetou a economia de alguma forma?
O Governo coreano condena a invasão da Ucrânia pela Rússia. É uma violação da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional e partilha a mesma posição de Portugal, afirmando que a soberania, a integridade territorial e a independência da Ucrânia devem ser respeitadas. Também apoia e participa ativamente nos esforços diplomáticos e económicos da comunidade internacional para o fim da guerra e o restabelecimento da paz. Disponibilizou cerca de 100 milhões de dólares para apoio ao povo ucraniano e prometeu mais 150 milhões de dólares. A Coreia depende muito da importação de energia e o aumento dos preços provocado pela guerra na Ucrânia levou, tal como noutros países, à inflação. Espero que esta guerra, que está a causar sofrimento não só à Ucrânia, mas também ao mundo, termine em breve.

Este recente acordo de segurança, promovido pelos Estados Unidos com a Coreia do Sul e o Japão, é já resposta a um mundo mais instável? Como vê as críticas da China?
Vivemos uma crise global complexa que envolve vários desafios e que exige um novo paradigma de resposta. Durante este período de transição, os líderes dos três países, Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão, reuniram-se em Camp David, a 18 de agosto, com o intuito de transformar esta crise numa oportunidade. Nesta cimeira, os três países decidiram institucionalizar e consolidar um sistema de cooperação abrangente em que planeiam incluir, entre outros, a cibersegurança, a economia, a tecnologia de ponta, a cooperação para o desenvolvimento, a saúde e os intercâmbios interpessoais. Esta cooperação revela interesses comuns, mas não visa, nem exclui forças ou países específicos, tendo como objetivo promover a liberdade, a paz e a prosperidade na região do Indo-Pacífico e em todo o mundo.

Como está a relação com a Coreia do Norte?
Desde o ano passado, a Coreia do Norte tem feito um número sem precedentes de testes de mísseis, aumentando a tensão na região, e ameaças de um ataque nuclear preventivo contra a Coreia do Sul, havendo fortes indícios de estar na fase final para realizar um sétimo ensaio nuclear a qualquer momento. O Governo coreano responderá firmemente a qualquer provocação, em cooperação com a comunidade internacional, com base numa postura de defesa combinada com os Estados Unidos. Todavia, continuamos abertos para o diálogo, com vista a uma resolução pacífica e diplomática da questão nuclear norte-coreana. Em agosto de 2022, propusemos à Coreia do Norte uma "iniciativa audaciosa", nos termos da qual tomaríamos medidas recíprocas nos domínios político, económico e militar se Pyongyang tomasse medidas para pôr em prática a desnuclearização. Além disso, o nosso Governo está seriamente preocupado com a situação dos Direitos Humanos na Coreia do Norte e participará nos esforços da comunidade internacional para a melhorar.

O sucesso económico da Coreia veio a par da democracia. Como vê hoje a imagem da Coreia do Sul no mundo?
A Coreia, tal como Portugal, sofreu décadas de ditadura militar, mas a democracia, o respeito pelos Direitos Humanos e o Estado de Direito tornaram-se valores indiscutíveis para os coreanos. O facto de a Coreia ter alcançado simultaneamente o desenvolvimento económico e a democratização numa só geração é uma inspiração para outros países, pelo que a Coreia tem gosto em partilhar a sua experiência com países em desenvolvimento e em servir de ponte entre estes e os países desenvolvidos, protegendo e promovendo valores universais como a democracia e os Direitos Humanos. O atual Governo declarou a sua intenção de se tornar uma nação central global que contribui para a liberdade, paz e prosperidade. A Coreia espera poder exercer uma boa influência no mundo.

A escolha de Seul para a próxima Jornada Mundial da Juventude, mesmo que o país só tenha 10% de católicos, é o reconhecimento da Coreia, pelo Papa, como país da liberdade religiosa?
A sociedade coreana é multirreligiosa. Perto de 20% das pessoas são budistas, 20% protestantes e 11% católicas. Tendo em conta que a Coreia tem a população total de 52 milhões, o número de católicos é de cerca de 6 milhões, mais de metade da população portuguesa. A Constituição da República da Coreia garante a liberdade de religião a todos os cidadãos, proibindo a discriminação em função da religião. Com base na minha experiência na JMJ em Lisboa, este é um evento católico, mas é também um espaço para os jovens interagirem, independentemente da religião. Em 2027, jovens de todo o mundo reunir-se-ão em Seul. Espero contar com muitos jovens portugueses nessa ocasião.

A recente JMJ em Lisboa trouxe mais de mil coreanos a Portugal. O turismo entre os dois países está a desenvolver-se?
Em 2016 o número de coreanos a visitar Portugal foi cerca de 120 mil, número que continuou sempre a aumentar, tendo atingido o máximo em 2019, cerca de 200 mil. Os voos diretos Incheon-Lisboa tiveram início em outubro de 2019, operaram durante cinco meses, foram suspensos devido à pandemia e até agora ainda não foram retomados. Com o levantamento das restrições, o número de turistas coreanos está a recuperar. Os coreanos que visitam Portugal ficam fascinados com o encanto do país, com a comida portuguesa, o excelente vinho e as paisagens naturais. Graças à popularidade da onda coreana, são cada vez mais os portugueses que visitam a Coreia. Antes da pandemia, 10 mil portugueses visitavam a Coreia anualmente e espero que, no futuro, as pessoas de ambos os países se desloquem com mais frequência e se aproximem.

Que grandes eventos internacionais está a Coreia a preparar?
Busan, a segunda maior cidade da Coreia, está a trabalhar para acolher a Exposição Mundial de 2030. Sob o lema "Transformar o nosso mundo, navegando para um futuro melhor", Busan 2030 pretende ser uma plataforma para resolver problemas comuns da Humanidade, como a desigualdade digital, as alterações climáticas e a segurança alimentar. Busan é uma cidade portuária como Lisboa e foi também a capital durante a Guerra da Coreia. É hoje o segundo maior porto de transbordo do mundo. Por outras palavras, uma cidade que simboliza a experiência e a capacidade da Coreia para ultrapassar crises, como a guerra, a divisão, a pobreza e o autoritarismo, através de grandes mudanças. Se Portugal, que acolheu com êxito a Expo"98, apoiar Busan em 2030, terá um significado especial

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