Ministra admite alívio de medidas "tão rápido quanto possível e tão devagar quanto necessário"
A ministra da Saúde considerou esta quarta-feira que Portugal se encontra numa nova fase da pandemia da covid-19 e admitiu o alívio de medidas de mitigação, com nova política de testagem e a revisão da obrigatoriedade de máscara.
"Tão rápido quanto possível e tão devagar quanto necessário", disse Marta Temido sobre o eventual alívio de restrições, em declarações aos jornalistas à saída da reunião do Infarmed, que juntou peritos e responsáveis políticos para avaliar a evolução da situação epidemiológica.
A frase já tinha sido dita no decorrer do encontro pelo investigador Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, e foi repetida à saída da reunião pela ministra da Saúde.
Resumindo as conclusões do encontro, a ministra da Saúde referiu que é possível considerar que o país se encontra já numa nova fase da pandemia da covid-19, apesar de admitir que há ainda muitas incertezas, abrindo a porta à revisão das medidas atualmente em vigor.
Concretamente, Marta Temido referiu uma nova política de testagem, que deverá passar a ser focada, a avaliação dos contextos em que o uso obrigatório de máscara possa vir a cair e a alteração das situações em que é exigida a apresentação do certificado digital.
"Estamos a falar de questões relacionadas com a eventual alteração da política de testagem, tornando-a mais focada, com a apresentação de certificados digitais em determinados espaços, temas como a utilização ou não de máscara onde podemos estar mais protegidos", explicou, acrescentando também a possibilidade de rever as regras quanto à lotação de determinados espaços.
Sem confirmar prazos para a implementação destas medidas, a ministra remeteu eventuais decisões para a próxima reunião do Conselho de Ministros, ainda esta semana, e disse esperar que possa ser "tão rápido quanto possível", ressalvando que, por outro lado, será também "tão devagar quanto necessário".
Além do alívio de restrições, a estratégia para a nova fase da pandemia deverá assentar igualmente noutros três eixos.
"É essencial que continuemos a vigiar. Outro eixo é o da vacinação, é essencial que façamos as doses de reforço que ainda não foram feitas e que vacinemos as pessoas que entram em condições de ser vacinadas", apontou, acrescentando o eixo da testagem.
A governante falou numa alteração do paradigma de testagem "para uma testagem mais focada, como já tivemos no passado", assim como a aquisição de novos fármacos e novas medidas legislativas. Temas que estarão em cima da mesa na reunião do Conselho de Ministros desta semana.
A ministra da Saúde adiantou que Portugal está a procurar negociar a compra de novos fármacos para o tratamento da doença grave e abriu também a porta a novas medidas de saúde pública, que não dependem do executivo, disse Marta Temido, referindo-se a "questões como o número de dias que uma pessoa que está positiva tem de ficar em isolamento, se esse número de dias varia consoante a sintomatologia ligeira, grave ou de outro tipo, e até medidas relacionadas com aquilo que é a organização dos circuitos em termos de atendimento de doentes". Questões cuja decisão remeteu para a Direção-Geral da Saúde (DGS)
"Há novos fármacos a surgir e que têm um efeito muito promissor e seguro no debelar da doença grave e há medidas legislativas, de política, as máscaras, os certificados, as lotações", detalhou.
Após ouvir os especialistas, Marta Temido concluiu que a "pandemia entrou numa outra fase". "Com um risco efetivo de transmissão abaixo de 1. Estamos, porém, com um número de novos casos ainda num patamar elevado", referiu. Estamos numa "situação controlada, que nos permite olhar com expectativa para o que aí vem", disse.
"Devemos manter a vigilância, um acompanhamento atento, até por força do eventual aparecimento de uma nova variante e por questões da efetividade vacinal. Dentro deste contexto podemos considerar que é uma nova fase", acrescentou.
Na reunião de avaliação da situação epidemiológica, os especialistas sugeriram um alívio nas medidas contra a covid-19, acabando com as limitações de acesso a lojas, bares e discotecas e com a máscara a ser apenas obrigatória em espaços interiores públicos, serviços de saúde e transportes.
Recomendaram também que o certificado, hoje obrigatório para acesso a restaurantes, estabelecimentos turísticos, alojamento local e espetáculos culturais, passe a ser usado apenas "em contexto de saúde ocupacional (ex: novos trabalhadores)" e recomendam que, em locais exteriores, o uso da máscara de proteção se limite às áreas com grande densidade populacional.
Defendem ainda que deixe de haver qualquer recomendação para teletrabalho, passando o trabalho presencial a fazer-se sem limitações, e quanto à testagem recomendam-na em populações de maior vulnerabilidade (admissão nos lares e antes de internamento hospitalar), funcionários do pré-escolar, em locais de maior risco de transmissão e quando existem sintomas, em contexto de diagnóstico.
Considerando que estão reunidas condições para reduzir as medidas, Raquel Duarte, da ARS Norte, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, lembrou, contudo, que "é preciso manter a vigilância" e que "há ameaças que não devem ser esquecidas", como a desigualdade de acesso às vacinas a nível mundial, que pode potenciar o aparecimento de novas variantes.
Lembrou que, no contexto europeu, Portugal é um dos países com menos medidas restritivas e chamou a atenção para a necessidade de manter a vigilância dos mais vulneráveis, como os idosos que vivem em instituições ou estão internados e quem trabalha nos serviços de saúde.
A especialista considerou que este é "o momento ideal" para passar às chamadas medidas de nível 1 - com avaliação quinzenal -- e disse que os próximos passos exigem um foco na monitorização, vacinação, ventilação e uso da máscara em ambientes de risco (lares e unidades de saúde).
No nível 1, Raquel Duarte propõe"que não haja mais limitações em termos de acesso a estabelecimentos comerciais, bares e discotecas", e que "o certificado digital seja utilizado em contexto de saúde ocupacional".
Neste nível 1, a máscara continuaria a ser obrigatória em ambientes como transportes públicos, locais interiores públicos, serviços de saúde e em locais de grande densidade populacional. Mas no nível 0, a máscara não será obrigatória, mas apenas recomendada para quem tem sintomas, acrescentou.
Raquel Duarte diz que "estamos no momento ideal para passar ao nível 1, mas deve-se fazer avaliações quinzenais para saber se podemos progredir para o nível 0.
Na monitorização apontou o sistema de vigilância das infeções respiratórias, abordado na reunião por Ana Paula Rodrigues, especialista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, e na vacinação apontou a necessidade de "jogar com a sazonalidade" e definir qual a população elegível para as vacinas.
Raquel Duarte sublinhou também a necessidade de uma boa ventilação dos espaços e de preparar a população para uma mudança de comportamentos, com uso de medidas de proteção sempre que se tem sintomas.
"É preciso ritualizar comportamentos, não é aceitável descuidar a higienização das mãos, ou que não se mantenha distância ou não se use máscara se tivermos sintomas", afirmou.
As medidas sugeridas como de nível 1, a avaliar a cada 15 dias, são passíveis de entrar em vigor com uma mortalidade inferior a 20 casos/milhão de habitantes a 14 dias e uma hospitalização em unidades de cuidados intensivos inferior a 170 (limite definido como de risco reduzido pelas linhas vermelhas).
Raquel Duarte defendeu a necessidade de preparar a população para a mudança de comportamentos, melhorando a literacia, alterando os comportamentos perante sintomas e insistindo na "utilização rotineira de medidas não farmacológicas perante risco de transmissão" e na evicção do local de trabalho/escolar se houver sintomas de doença.
"Assistimos a uma mudança de paradigma, resultante da alta taxa de vacinação e da menor gravidade das manifestações clínicas associadas à variante Ómicron. Está na altura de aliviar as medidas, mantendo a monitorização e o alerta", afirmou a responsável, acrescentando que "é necessário capitalizar o que se aprendeu com a covid-19 e promover alteração de comportamentos associados às medidas não farmacológicas".
Lembrou ainda que "haverá novas variantes, novos surtos" e que é preciso "manter a vigilância" e "ajustar as medidas ao risco".
"Vamos necessitar de manter a vigilância (...) e conseguir identificar tendências de evolução", afirmou Ana Paula Rodrigues, especialista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, sublinhando que o que se propõe é "olhar com maior detalhe para as infeções respiratórias, para conseguir uniformizar o que se vai observando".
"À medida que as medidas de saúde pública forem sendo aliviadas, não vai ser necessário identificar todos os casos de infeção, como fazemos, as estratégias de testagem irão mudar e, gradualmente, o foco de interesse vai mudar para os casos de doença com impacto na morbilidade, na mortalidade e na resposta dos serviços saúde", afirmou.
Ana Paula Rodrigues disse ainda que o sistema agora proposto permitirá uma maior otimização de recursos e sublinhou a importância deste modelo de vigilância, uma vez que há "outros agentes respiratórias de igual potencial epidémico e sazonal", como o vírus da gripe e o vírus sincicial respiratório.
Este sistema de vigilância de infeções respiratórias agudas permitirá uma recolha integrada e uniforme dos dados clínicos e laboratoriais, permitindo pré-selecionar unidades de saúde para "ter uma amostra representativa" da população.
"Assim, teremos potencial capacidade para monitorizar a incidência da doença, ao mesmo tempo que monitorizamos a gripe e outros agentes de infeção respiratória", explicou a responsável, na sua intervenção sobre "Vigilância na fase de recuperação da pandemia".
A especialista do INSA sublinhou ainda a alteração do padrão epidemiológico da covid-19, lembrando que "embora mantenha uma muito elevada transmissibilidade", traduz-se numa menor gravidade da doença e num menor impacto na exigência de resposta dos serviços de saúde e na mortalidade, "fruto da evolução do vírus, mas sobretudo devido à cobertura vacinal".
Frisou ainda que as assimetrias vacinais a nível mundial potenciam o aparecimento de novas variantes e, por isso, insistiu na necessidade de manter a vigilância.
Disse ainda que tudo terá de ser complementado com amostragens dirigidas a surtos e a casos importados, onde a probabilidade de aparecimento de novas variantes é maior, monitorizando igualmente a efetividade das vacinas, das existentes e de novas que possam aparecer, assim como de novos medicamentos.
Além de permitir também comparar dados nacionais e internacionais, o novo sistema terá ainda de ter "capacidade de adaptação a situações não esperadas e permitir disponibilização de informação de forma rápida, disse.
Embora o sistema proposto deva ficar "na alçada do Ministério da Saúde", Ana Paula Rodrigues admite que seja necessária a colaboração e parcerias com outros ministérios, dando como exemplo a inclusão da Direção Geral de Veterinária, para uma visão mais ampla da saúde.
"Embora o foco da vigilância se proponha centrado nas formas mais graves da doença, serão a ponta do iceberg que vamos ver", afirmou a responsável, acrescentando: "É importante vigiar todo o espetro de infeções para ter perspetiva global da realidade, desde as formas assintomáticas da doença até à mortalidade".
Sugere ainda a manutenção de inquéritos serológicos periódicos como medida aproximada para aferir a imunidade populacional, assim como insiste na necessidade da vigilância das águas residuais e na "vigilância ativa" na população, em que quem tem sintomas os reporta.
Contudo, afirmou, "há populações mais vulneráveis, ou de maior risco, que precisam de vigilância mais de perto, como por exemplo as pessoas que estão institucionalizadas, internadas ou os trabalhadores das unidades de saúde".
Pedro Pinto Leite, da DGS, que abriu a reunião dos peritos, afirmou que "Portugal passou por cinco grandes ondas epidémicas". "Encontramo-nos na quinta maior onda desde o início da pandemia", disse o especialista em Saúde Pública.
Segundo dados apresentados por Pedro Pinto Leite, atualmente a incidência cumulativa a sete dias por 100 mil habitantes, entre 7 e 13 de fevereiros, é de 1.562 casos, o que representa menos 45% relativamente ao período homólogo e indica que Portugal de encontra "numa tendência decrescente" da pandemia.
"O pico da incidência terá ocorrido no dia 28 de janeiro com 2789 casos a sete dias por 100 mil habitantes", salientou o especialista da DGS.
Durante a apresentação da "caracterização da situação epidemiológica" da covid-19 no país, o especialista explicou que habitualmente a incidência cumulativa era apresentada a 14 dias, mas passou a ser aos sete dias por ser "um indicador mais precoce relativamente ao surgimento de alterações na incidência".
Fazendo uma análise da incidência por região, Pedro Pinto Leite recordou que a introdução da variante começou na região de Lisboa e Vale do Tejo e na Madeira, que tiveram inicialmente incidências superiores às restantes regiões.
"Num segundo momento, a região Norte ultrapassou estas regiões com maiores incidências", mas atualmente todas as regiões apresentam incidências com tendência decrescente, destacou.
O perito da DGS destacou também como outro "aspeto positivo", o facto de todos os grupos etários apresentarem atualmente "uma incidência com tendência decrescente".
Realçou o facto de ao longo desta onda pandémica se ter conseguido manter "incidências relativamente mais baixas" nos mais velhos, que estão associados depois a uma maior gravidade e mortalidade, em comparação com outros grupos etários.
Pedro Pinto Leite referiu igualmente que a proporção da positividade nos testes à covid-19 está a decrescer, encontrando-se nos 18,8%, apesar de ainda estar acima do valor de referência do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doença, que é de 4%.
No entanto, disse, também estão a ser realizado menos testes. Na semana em análise, foram feitos 996.474, dos quais 31% correspondem a testes PCR e 69% a testes rápidos de antigénio realizados em farmácia ou em laboratórios.
Relativamente ao risco de internamento, apontou que foi sete vezes inferior nas pessoas com a vacinação completa relativamente aos que não tinham.
Dando como exemplo o grupo etário dos 80 e mais anos, referiu que por cada 100 pessoas infetadas, 23 acabavam por ser internadas quando não tinham o esquema vacinal completo, o que desce para três quando têm a dose de reforço.
"Isto é uma redução substancial do risco e reforça a proteção conferida pela vacinação e a confiança que temos na vacinação na diminuição da gravidade da doença", vincou Pedro Pinto Leite.
Sobre o impacto da pandemia nos serviços de saúde, disse que há "uma estabilização" do número de internamentos e uma tendência decrescente nas unidades de cuidados intensivos (UCI).
Na semana de 7 a 13 de fevereiro, corresponderia a 148 internamentos, menos 17% face ao período homólogo, e a 58% do nível de alerta da linha vermelha definida em 255 camas em UCI.