Jorge Miranda contra revisão constitucional sobre missões das Forças Armadas
O texto atual da Constituição portuguesa não deve ser alterado para dar competências próprias às Forças Armadas (FA) no domínio da segurança interna, defendeu esta quarta-feira o constitucionalista Jorge Miranda.
"Deixem estar a Constituição como está, deixem-na estar tranquila", afirmou Jorge Miranda na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, após ouvir o almirante Melo Gomes (ex-chefe militar da Marinha) dizer que "há quem defenda a necessidade de uma nova revisão constitucional para que as Forças Armadas tenham um protagonismo maior nas questões da segurança".
Jorge Miranda intervinha numa conferência organizada pelo Grupo de Reflexão Estratégica Independente (GREI), a que preside Melo Gomes, sobre o tema "A Segurança, a Defesa Nacional e as Forças Armadas. Um debate indispensável", onde o vice-almirante Pereira da Cunha - antigo vice-chefe da Marinha e ex-comandante naval, agora na reserva - se manifestou contrário ao uso do conceito do "duplo uso".
"Os militares são militares" e usá-los como bombeiros ou na Proteção Civil "é uma utilização indevida da formação" dada aos militares para realizarem "missões que não são" as que estão atribuídas às FA, frisou Pereira da Cunha, perante uma plateia onde estava a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, Helena Fazenda.
Num painel em que também falou o historiador José Pacheco Pereira, Melo Gomes focou o caso específico da intervenção do ramo naval das FA no mar, lembrando que "a lei atribui à Marinha o exercício da autoridade do Estado no mar" e questionando diretamente Jorge Miranda sobre essa matéria.
O constitucionalista respondeu dizendo que "não há problemas de constitucionalidade" nessa ação, a qual se "integra na função de defesa militar da República" e ainda pode ser enquadrada no âmbito da "satisfação das necessidades das populações".
Contudo, o que a lei acrescenta - e o almirante Melo Gomes não referiu ao interpelar Jorge Miranda - é que a Marinha exerce a autoridade do Estado "no âmbito das respetivas competências". Mas como, se essas competências não estão definidas, perguntam os críticos?
Acresce que a Martinha foi excluída em 2002 - precisamente por ser uma estrutura militar - do conjunto de estruturas do Estado com poderes de autoridade marítima.
A mesma lei de 2002 também define autoridade marítima como "o poder público a exercer nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, traduzido na execução dos atos do Estado, de procedimentos administrativos e de registo marítimo, que contribuam para a segurança da navegação, bem como no exercício de fiscalização e de polícia, tendentes ao cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis nos espaços marítimos sob jurisdição nacional".
Note-se ainda que o Estado exerce jurisdição até às 200 milhas náuticas e que a Lei de Segurança Interna não dá aos militares das FA quaisquer competências em matéria de fiscalização ou de polícia.
Para o antigo ministro da Administração Interna Ângelo Correia, deve ser a Força Aérea a exercer o poder de autoridade do Estado no espaço aéreo e deve ser a Marinha a fazer o mesmo no mar porque evita sobreposições com as forças e serviços de segurança.
Já o antigo ministro da Defesa Nuno Severiano Teixeira argumentou que "as FA devem concentrar-se nas missões de natureza militar e não se dispersarem noutro tipo de missões" - embora admitindo com "exceção" o combate ao terrorismo.