"Hoje temos governos que tomam decisões à porta fechada e deputados que as seguem"
No Manifesto para a Democratização da Europa há muitas propostas sobre a reforma das instituições. Mas mais do que institucional, os problemas atuais da Europa não resultam também da qualidade dos políticos? Quando falo de qualidade, não é só a questão das competências técnicas, mas pessoas com verdadeiro sentido de serviço público. Em França e na Europa, no geral...
Eu não poria as coisas assim. Não é a impressão com que fico, espontaneamente. A primeira impressão que tenho sobre esta questão - e é verdade sobretudo em França, mas provavelmente não só - é que os deputados têm muitos poucos poderes na maioria dos nossos sistemas institucionais. Uma das razões pelas quais os colocamos no centro deste manifesto é porque queremos voltar a dar-lhes poder. Antes de os podermos criticar e sermos antiparlamentaristas, por considerarmos que não têm espírito público ou que não têm competência técnica sobre os assuntos, é importante dar-lhes algumas alavancas para se poderem empenhar em alguns destes dossiês técnicos. Hoje, um deputado, na maioria parte do tempo, limita-se a seguir um governo. Não tem qualquer influência direta sobre a definição das políticas públicas. Desse ponto de vista, podemos ter a sensação de um desinvestimento que explica a impressão que podemos ter de um mundo político relativamente amorfo.
Posso fazer a mesma pergunta sobre os primeiros-ministros, os presidentes. Eles detêm o poder, mas muitos eleitores têm falta de confiança nestas pessoas e ou não votam ou votam nos novos partidos populistas um pouco por toda a Europa. Na sua opinião, não é uma questão de competência técnica, ou de serviço público, é um problema de perceção?
Eu penso que o que é importante, e o que tentamos fazer neste manifesto, é tentar construir espaços de verdadeira discussão política. Hoje temos governos que tomam decisões à porta fechada e deputados que as seguem. A perceção é longínqua, crítica, anti-establishment. A ideia é tentar criar um sistema institucional no qual os cidadãos se possam reapropriar de um conjunto de poderes dos quais estão hoje privados. O que tentamos demonstrar é que a União Europeia tirou dos circuitos democráticos um conjunto de alavancas económicas. Políticas monetárias, na verdade, ou seja, uma alavanca importante. Hoje as verdadeiras políticas são decididas à porta fechada por esse governo económico europeu, o Eurogrupo, que surge como central. É este que é preciso tentar democratizar. É preciso voltar a dar a mão aos cidadãos para o tentar controlar e orientar. Desta forma, ao devolvermos o poder aos cidadãos, podemos devolver a confiança nos governos. A distância que se construiu é demasiado grande.
A solução é mais Europa ou menos Europa? A proximidade entre cidadãos e políticos é nacional ou transnacional?
Para nós, a resposta passa pela Europa, mas por uma Europa diferente, que não tome decisões à porta fechada. Antes uma Europa que se faça no quadro de um parlamentarismo transnacional, aberto. Insistimos na necessidade de dar muitos poderes ao Parlamento. É ele que tem a última palavra sobre a definição do orçamento que temos na nossa cabeça. É algo que praticamente não existe nos atuais regimes parlamentares, porque progressivamente fomos tirando os verdadeiros poderes aos parlamentos. E a maior parte dos parlamentos são câmaras de eco nos sistemas institucionais. É preciso voltar a dar poderes a esta assembleia no seio da União Europeia. É pela Europa que vai passar a solução. A Europa é o bom escalão para a administração pública, não para resolver um certo número de problemas.
É possível fazer uma avaliação das reações ao Manifesto para a Democratização da Europa nos diferentes países? Há Estados mais favoráveis ao manifesto do que outros?
Neste momento é difícil dizer. A título pessoal posso dizer que fiquei surpreendido por ver que na Alemanha tivemos muitas reações positivas. Espontaneamente tenho vontade de lhe dizer que é nos países do sul que as reações foram mais calorosas. Aqui em Portugal tivemos apoios que me surpreenderam. De pessoas que apoiavam a União Europeia mainstream e que hoje acham que esta já não resiste. É um modelo que não funciona. E podemos apoiar este modelo alternativo para devolver a ambição à Europa. Por isso, espontaneamente, direi que são mais os países do sul que apoiam. Temos apoio dos grandes sindicatos espanhóis. Fazemos questão de que seja a sociedade civil, entre ela os sindicatos, que vêm apoiar o projeto. É significativo. Porque os partidos estão apanhados num jogo complicado na altura das eleições europeias. Enquanto os sindicalistas... A CGIL italiana apoia o projeto. Tentamos construir uma rede dos principais sindicatos de esquerda. Sobretudo do sul, exceto a DGB alemã, em apoio do texto.
Para ter sucesso com um manifesto teórico, é uma vantagem ter uma estrela como Thomas Piketty entre os promotores?
Sim. É uma vantagem. É um projeto que ele tem há muito na cabeça. É à volta dele que nasceu. Vou ser honesto, nunca pensei que os Estados fossem levar isto a sério - e assinar. A ideia é pressionar o debate público. Hoje, na política francesa, em véspera de europeias, toda a gente se posiciona de uma forma ou da outra relação a um texto destes. E há poucas propostas em cima da mesa. Nós temos esta ideia de participarmos na estruturação do debate. Para uma esquerda ambiciosa, capaz de redefinir a União Europeia.